A Natureza Não Derrotará o Povo do Rio Grande do Sul
No dia 17 de agosto as pontes sobre o rio Pelotas, em Passo do Socorro, e que ligavam os Estados de Santa Catarina e Rio Grande do Sul ruíram. Assim era menos uma passagem de ligação, dentre as 17 que existiam. Restavam, pois, 16 outros pontos de comunicação nas divisas daqueles dois Estados sulinos.
Até hoje alguns comerciantes, industriais, pecuaristas ou agricultores, e o povo em geral, não se aperceberam ou não dão as devidas dimensões ao que significa a queda de uma ponte de 230 metros, construída em concreto. Nem mesmo algumas autoridades também compreendem o que seja isso.
Por aquela ponte, um ponto entre 17 outros, passavam diariamente e em média 1.500 veículos, dos quais 1.043 caminhões transportando um mínimo de 8.000 toneladas de carga, a maioria de gêneros alimentícios para abastecimento dos grandes centros populacionais do Brasil ou em retorno, matéria prima para as indústrias gaúchas e medicamentos para o povo dos pampas.
E os que se tranquilizavam, com os olhos voltados para os outros 16 pontos de passagem, esqueciam-se de que estes também já possuíam seu tráfego próprio e por isso não tinham condições para receber um tráfego adicional, a não ser em ínfima percentagem. Nunca, porém, para absorver os 1.500 veículos que cruzavam Passo do Socorro. E assim mesmo, em condições normais, pois que em época de chuva, nem mesmo do tráfego próprio davam conta.
Há longos anos vivemos dentro do transporte rodoviário e nele tivemos de viver, dia a dia, monótona ou excitantemente, cada 24 horas. Portanto, ao recebermos a notícia, percebemos de imediato os problemas que o Rio Grande do Sul iria enfrentar até a solução final lógica e insubstituível: a reconstrução da ponte derrubada.
Temos acompanhado as medidas, as providências, as sugestões vindas das mais diversas origens para enfrentar essa tragédia. Temos vivido o drama do transportador rodoviário, do industrial, do comerciante, do que luta na agricultura ou na pecuária. Todos tomando a pouco e pouco ciência da gravidade da situação, quando os efeitos desta passavam a atingir diretamente a cada um, e este não encontrava solução para seu problema específico.
Nessa ocasião, veio-nos à mente a luta que o Estado de Santa Catarina vem encetando há longos anos em prol da efetiva construção e pavimentação da BR-59 (hoje BR-101), consubstanciada no lema: “Santa Catarina precisa da BR-59”. Quando em visita a esse Estado, há poucos meses, julgamos por bem participar dessa campanha e nacionalizá-la sob o slogan: “O Brasil precisa da BR-59”, porque tínhamos conhecimento do imperativo de sua necessidade. Confessamos, porém, que esse imperativo não nos motivou o consciente para o fato de que nele estava a única opção cabível para as comunicações com o Rio Grande do Sul e as repúblicas irmãs limítrofes.
Uma desgraça nunca vem só. As chuvas, agigantando os rios, derrubaram as pontes e tudo quanto encontravam pela frente e nas margens, a tal ponto que hoje – 11 de Setembro de 1965 – atingiram o ápice, já que até mesmo interromperam até o tráfego aéreo. As 17 ligações entre Santa Catarina e o Rio Grande do Sul deixaram de existir até mesmo para automóveis ou jipes.
Não temos a felicidade de ser gaúcho, mas somos brasileiros. E como tal sentimos a extensão do drama e o quanto de sofrimento recai sobre esse pedaço do Brasil que é o Rio Grande do Sul e, também, sobre parte de Santa Catarina.
Não fomos atingidos diretamente; entretanto, desde o dia fatídico da queda da ponte, acompanhamos passo a passo a investida da natureza contra a obra do homem. Vimos centenas e milhares de famílias sem seus lares. Ouvimos suas lamentações e a inocente incompreensão das crianças. Verificamos indústrias completamente arrasadas, e da mesma forma, casas comerciais. Agricultura e pecuária também violentamente atingidas. Colheitas perdidas e rebanhos dizimados. Vimo-nos impedidos de viajar em estradas, devido à queda de pontes, a aterros levados pelas águas, a barreiras caídas e atoleiros intransponíveis. Vimos, enfim, um dos Estados líderes de nosso Brasil ser vítima de tudo isto e continuar lutando para sobreviver.
Mais do que nunca o Rio Grande do Sul precisa do Brasil, assim como em outros momentos o Brasil precisou do Rio Grande do Sul e o encontrou uníssono. Somos um todo. Brasileiros não podem desconhecer ou esquecer o que está acontecendo com seus irmãos do Sul.
Presenciamos o III Exército, o DNER, o Governo do Estado, a SUNAB e o DAER/RS procurarem por todas as formas e meios minorar a situação. Todavia, além das dificuldades naturais que enfrentavam, provenientes das chuvas violentas e suas consequências, cada qual agia em compartimentos estanques (o que é natural ou compreensível em situações semelhantes), com um mínimo de entrosamento.
O Marechal Cordeiro de Farias, enviado especial do Senhor Presidente da República, procurou por todos os meios, mesmo doente e acamado, tomar conhecimento da realidade, ocasião em que determinou medidas de emergência compatíveis com os recursos existentes.
O Comandante do III Exército, por sua vez, acionou seu dispositivo, lançando uma passagem sobre pontões, no rio Pelotas, para 15 toneladas. Infelizmente, o recrudescimento das chuvas puseram abaixo esse trabalho.
DNER e DAER/RS lutaram com todos os meios disponíveis para refazer pequenas pontes, eliminar atoleiros, disciplinar e orientar o tráfego.
O representante e enviado especial da SUNAB, também preocupado com as naturais e consequentes dificuldades para o abastecimento, estabeleceu gestões para que o transporte de gêneros alimentícios de primeira necessidade não fosse interrompido ou minimizados os efeitos da situação.
As classes produtoras em reuniões permanentes, às quais esteve presente o transporte rodoviário, por sua vez, buscavam soluções de emergência. De nossa parte, conseguimos a cessão de um motor para acionar a balsa de Goio-En, cuja capacidade é de 120 toneladas, até então parada naquela localidade. Desmontamos e transportamos para Marcelino Ramos uma balsa destinada a substituir a que as águas haviam levado, e lá a montamos.
Na reunião realizada na Federação das Indústrias do Rio Grande do Sul, (o transporte rodoviário representado pela NTC e pelo Sindicato daquele Estado), tivemos a honra de ver admitido nosso ponto de vista de que as classes produtoras dever-se-iam unir e formar uma comissão ou grupo de trabalho para adoção de medidas e sugestões em comum.
Eis que, baseado em recomendação do ilustre Marechal Cordeiro de Farias, o Senhor Presidente da República houve por bem criar a Comissão Especial de Controle de Transporte no Sul do país, entregando a direção da mesma ao General João José Baptista Tubino.
Foi com satisfação que recebemos tal notícia, por coincidir com a nossa opinião de que era necessário abrigar sob uma só bandeira os esforços de todos quantos direta ou indiretamente estavam envolvidos no problema, fato que com tanta sensibilidade se apercebeu o cidadão e patriota Oswaldo Cordeiro de Farias. Na reunião realizada na Federação das Indústrias foi escolhido para presidir a comissão que sugerimos o dr. Ernani Beks. Daí ter sido seu nome o indicado para representar as classes produtoras na Comissão criada por decreto. E como assessores da representação os senhores Luiz Mandelli, da Federação das Indústrias, Rofoldo Englert, pela Federação das Associações Comerciais, Carlos Annes Gonvalves, pela Federação das Associações Rurais, engenheiros Carlos Fett Paiva, pela Associação dos Empreiteiros de Obras Públicas e Edgar Hony, pelo Sindicato das Empresas de Transportes de Cargas.
Hoje amanheceu sem chuvas. Parece-nos que o inimigo dá uma trégua. Não há bem que sempre dure, nem mal que nunca se acabe. Vamos aguardar com esperanças fundamentadas, pois já agora estamos preparados para reagir à altura.
Temos hoje uma direção superior, exclusivamente dedicada à superação da tragédia, demonstrando assim que o Brasil comparece e está com o Rio Grande do Sul. O trabalho é árduo e longo; não nos iludamos com a trégua. Muitas dificuldades ainda terão que ser superadas. De nossa parte, de nossa insignificância, o transporte rodoviário de todo o Brasil, garantimos que o restante do Brasil está vivendo o drama daquela parte de nosso torrão natal. Os gaúchos não desmentirão sua tradicional fibra de lutadores, eles que estão acostumados a domarem tudo quanto é bravío. Disso temos a certeza.
Para nossa alegria esperamos que em prazo muito menor do que o inicialmente previsto, e com o esforço próprio da gente gaúcha e a colaboração de todos nós, estejam superadas todas as dificuldades e possamos novamente sentir e ouvir a alegria de viver desses nossos irmãos, que nas tradições de um folclore puro e exuberantemente humano sempre nos ensinaram a ter fé na vida, ainda mesmo quando diante das maiores adversidades. Eles honrarão suas tradições para o bem do Brasil. – (De Pôrto Alegre – Via Aérea).
Autoria: Orlando Monteiro *
Data: 01 de setembro de 1965
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A Fumtran publicou no mês 07/2024 um vídeo sobre a reconstrução da infraestrutura do Rio Grande do Sul por conta das fortes chuvas que castigaram o estado também nesses últimos meses, causando verdadeira tragédia com muitas mortes e desabrigados .
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(*) Membro fundador e primeiro presidente da NTC; Pioneiro do TRC; Sócio-gerente da antiga Expresso Santo Antônio Ltda.