Alfredo de Salles Oliveira Netto e Carlos Ivan Poersch – “O DC-10 leva, no porão, um Boing 707 cargueiro”
Publicada originalmente na Revista Transporte Moderno n. 129 – julho 1974
A partir deste mês, a Varig passa a operar o DC-10 nas rotas internacionais e acrescenta um jato à sua frota de aviões cargueiros. Esses fatos, de significativa importância para o transporte aéreo de carga – o DC-10 leva, no porão, tanta carga quanto dois Eletra ou um e meio Boeing 727 cargueiro -, só se tornaram realidade graças aos índices de desenvolvimento do transporte aéreo de carga, no Brasil, durante os últimos anos. Os motivos desse desenvolvimento, de acordo com Alfredo de Salles Oliveira Netto, diretor de tráfego e vendas, e Carlos Ivan Poersch, superintendente do departamento de carga da Varig, são os mais variados. Mas baseiam-se, principalmente, no desenvolvimento do país e no transporte doméstico e no crescimento das regiões norte e nordeste.
TM – Como o senhor definiria o atual estágio do transporte aéreo de carga no Brasil, incluindo tanto o movimento doméstico como o internacional?
SALLES OLIVEIRA – Tanto no aspecto doméstico como no internacional, o transporte de carga tem apresentado um movimento crescente. Principalmente no internacional. Nós, inclusive, temos planos de operar dezesseis jatos cargueiros entre Viracopos e o exterior a partir deste mês. Até agora operávamos apenas cinco. Isso já é suficiente para se ter uma ideia de quanto está bom o movimento de carga internacional.
TM – E com relação ao doméstico?
SALLES OLIVEIRA – O doméstico também está bem. Houve, em 1973, uma evolução da ordem de 42% no tráfego. E nossa participação no total movimentado de carga atingiu 36%.
TM – Há planos também para o transporte doméstico?
SALLES OLIVEIRA – Sem dúvida. Estamos empenhados em melhorar nossa frota de cargueiros, tanto assim, que estamos colocando em operação mais um Boeing 727 cargueiro. Isso sem deixar de operar os dois Eletra que fazem o transporte atualmente. E, até o final do ano, esperamos colocar mais dois 737.
TM – Quer dizer que as perspectivas são boas?
SALLES OLIVEIRA – Realmente, principalmente no sentido norte-nordeste para o sul. Continuando um processo que se iniciou no final do ano passado – e que vem se prolongando por este ano – está quase havendo um equilíbrio de cabeceira, causado pela implantação de indústrias – principalmente eletrônicas – nas regiões norte e nordeste. Hoje a demanda é praticamente a mesma nos dois sentidos. É claro que isso não foi causado apenas pela industrialização. Houve um trabalho paralelo, que nós desenvolvemos, de mentalização junto aos empresários das vantagens que o transporte aéreo pode oferecer. E o que sentimos atualmente é o retorno do investimento feito.
TM – Aí caberia uma pergunta: com esse crescimento da carga proveniente do norte e nordeste, deixariam de existir razões para a tarifa de retorno. Poderíamos pensar, então, num equilíbrio tarifário, provocado pela elevação da tarifa norte-sul com consequente abaixamento da sul-norte?
SALLES OLIVEIRA – Bem … no abaixamento da tarifa sul-norte eu pessoalmente não acredito. Agora, com relação à tarifa de retorno, creio que ela realmente tende a desaparecer, já que a situação está completamente modificada.
TM – O senhor disse que a Varig está colocando jato no transporte de carga. Quais as vantagens apresentadas por esse tipo de equipamento em relação ao atualmente operado?
SALLES OLIVEIRA – São várias.
POERSCH – A primeira delas está na maior capacidade de carga do jato. O Eletra leva apenas 10t. O 727 tem capacidade para transportar 14t. E há também o fator velocidade. O jato permitirá maior regularidade, melhor vendagem e, consequentemente, maior dividendo também.
TM – O público em geral costuma considerar o jato como um aparelho muito sofisticado para carga. Ele o seria realmente?
POERSCH – Não. Ele não é. A prova disso é da de que, em todo o mundo, o jato é utilizado no transporte de carga. O próprio Jumbo, o 747, já é usado para este fim. Essa sofisticação não existe. Há, sim, uma necessidade local de transporte rápido, eficiente e dentro de bases econômicas rentáveis. Daí a utilização do jato.
TM – Quer dizer que já contamos com um movimento doméstico de carga suficientemente grande para compensar o investimento inicial mais alto que o jato acarreta?
POERSCH – Sem dúvida. Aliás, essa é uma tendência geral da aviação comercial brasileira.
Os turboélices são ótimos. Mas a produtividade não é a mesma da do jato. Além do mais, essa aparente sofisticação do jato, de que já falamos, é apenas uma questão de imagem. O público entende que, por ser o jato um avião mais veloz, é mais sofisticado. Mas, no fundo, ele é apenas um equipamento mais versátil e mais econômico – inclusive na operação -, além de oferecer um serviço melhor. Não há sofisticação, mas o aproveitamento de todas as vantagens que as melhorias técnicas proporcionam.
TM – Com a maior velocidade dos jatos, as frequências dos voos de cargas serão aumentadas?
POERSCH – Ah, sem dúvida, sem dúvida alguma. E essa é a razão de as empresas estarem partindo para o jato. Maior velocidade, maior capacidade de carga, melhor produção e automaticamente, redução nos custos.
TM – Em meados do ano passado a carga passou a ser considerada como passageiro. O sistema, pelo menos, passou a ser o mesmo, graças à introdução do transporte conjugado de carga. Qual a repercussão disso no movimento de carga?
POERSCH – Bem, o maior beneficiado foi o público, evidentemente. Com o tráfego mútuo, o empresário que pretende transportar dois ou três volumes, um para cada local diferente, pode passar a trabalhar com apenas uma empresa aérea. Os resultados para as companhias de aviação estão começando a aparecer. Mas o público ainda não se acostumou. Com o tempo deve melhorar bastante.
TM – Quais os tipos de carga que mais têm sido transportados no setor doméstico?
POERSCH – Tem variado bastante, porque o nosso mercado é imenso. Há um tipo de carga, entretanto, que acabamos conquistando e que é, sobretudo, uma curiosidade: trata-se do mercado de flores. Não sei se é de seu conhecimento, mas São Paulo exporta flores para todo o país. Aliás, é até interessante visitar nossa seção de carga após as três ou quatro horas da tarde e ver o volume de flores que são expedidas diariamente de São Paulo. Trata-se de uma carga nobre que aumenta dia a dia. Outro tipo de carga que também tem crescido são os pintos de um dia, que já representam uma boa parcela do volume que transportamos. E, de um modo geral, nosso movimento é completado pelos manufaturados. E isso tanto no sentido sul-norte como no norte-sul.
SALLES OLIVEIRA – Há, também, os produtos eletrônicos. Existem pelo menos cinco indústrias produzindo materiais eletrônicos nas regiões norte e nordeste. São os televisores e as máquinas de somar, por exemplo. Não podemos esquecer, também, as indústrias manufatureiras de roupas. Elas têm representado um bom potencial de carga a ser transportada. O industrial está sentindo que vale a pena pagar um pouco mais pelo transporte aéreo e receber em troca maior velocidade no transporte, com consequente realização comercial e financeira mais rápida.
TM – E quais seriam as cargas típicas do transporte aéreo e que ainda não estariam sendo transportadas por avião?
SALLES OLIVEIRA – O único produto que, digamos, seria quase que exclusivamente do transporte aéreo e está fora, geralmente levado por rodovias, seria aquele fabricado pela indústria farmacêutica.
POERSCH – Mas já estamos conseguindo atrair essas indústrias para o transporte aéreo. Conseguimos, inclusive, firmar alguns contratos para transporte e distribuição em todo o Brasil. Num desses contratos o laboratório tinha um problema de encarecimento do produto pela necessidade de fazer a distribuição através de diversas empresas. Era justamente esse fator que estava levando os laboratórios para o transporte rodoviário. Então, com a introdução do tráfego mútuo, pudemos oferecer ao laboratório a possibilidade de centralizar a distribuição numa única empresa aérea. E conseguimos um bom cliente.
SALLES OLIVEIRA – Na verdade, o transporte aéreo oferece aos laboratórios a possibilidade de obter maior rotatividade de capital, através da eliminação dos depósitos regionais e, consequentemente, o capital imobilizado no estoque.
TM – Seria verdadeira a afirmação de que carga aérea sempre existiu no Brasil – as companhias aéreas é que não eram organizadas o suficiente para fazer o transporte?
SALLES OLIVEIRA – Não é bem assim. A Varig, por exemplo, fazia voos noturnos, frigorificados, no Rio Grande do Sul, em 1955. Tivemos Douglas e C-46 cargueiros. Foi uma época até pitoresca. Fazíamos o transporte de peixe do litoral para o interior gaúcho. E o pescado era vendido na própria agência da Varig. É bem verdade que nos aparelhamos para enfrentar o aumento da carga que passou a ocorrer de alguns anos para cá. Mas o desenvolvimento do país é que nos deu condições de encarar o transporte de carga como atualmente.
TM – E no que se refere ao transporte internacional, o DC-10 terá uma influência muito grande?
SALLES OLIVEIRA – A influência é relativa. É claro que ela vai existir. O DC-10 carrega, no porão, tanta carga quanto dois Eletra cargueiros, ou um e meio Boeing 727, ou ainda, um Boeing 707 cargueiro. Então sua influência vai acontecer na medida em que nos possibilitar oferecer maior disponibilidade de transporte.
TM – Mas a liberação desses Boeing que vão ser transformados em cargueiros não foi conseguida através da maior capacidade de transporte de passageiros do DC-10?
SALLES DE OLIVEIRA – Não é bem isso. Nós já temos três Boeing cargueiros. E vamos colocar outros motivados unicamente pelo crescimento da demanda de transporte. E não porque eles não mais serão utilizados no transporte de passageiros. Nós poderíamos simplesmente remanejá-los para qualquer outra linha de passageiros. Mas, como estamos com uma demanda muito grande de carga, eles serão transformados.
TM – Vocês mantêm um serviço de orientação para o empresário que quiser passar a transportar por via aérea?
POERSCH – Podemos orientar o empresário. Não mantemos um setor específico para isso. Mas temos pessoal em condições de efetuar essa orientação. Aliás, temos recebido muitas consultas nesse sentido, principalmente no que se refere ao transporte internacional. Nesse caso fazemos o possível para apontar ao interessado qual a melhor opção para o transporte e, também, qual a documentação exigida para a entrada do material transportado no país de destino.
TM – Grosso modo, quais seriam as cargas típicas do transporte aéreo?
POERSCH – É relativo. Depende das situações. Já transportamos peças de ferro de São Paulo para a Amazônia. A rigor, essas peças deveriam ter seguido pelo transporte marítimo. Mas havia um trator parado esperando por elas. O frete maior acabou resultando, então, em economia, já que a máquina voltou a produzir num tempo muito reduzido. Hoje em dia, já não há mais cargas típicas de um outro tipo de transporte. Sempre vai depender da situação geral em que a carga estiver envolvida.
TM – E, finalmente, quais os fatores que atualmente prejudicam o desenvolvimento do transporte aéreo de carga no Brasil?
POERSCH – Apenas um: falta um pouco de infraestrutura nos nossos aeroportos para operação de cargueiros. Isso nos obriga, muitas vezes, a criar nossa própria infraestrutura. Agora mesmo estamos alugando instalações próximas a muitos aeroportos como forma de ter um lugar para colocar as cargas que transportamos.
TM – E, apesar disso, como o senhor vê as perspectivas do transporte aéreo de carga nos próximos anos?
POERSCH – São as mais otimistas possíveis. Não há dúvida alguma. Nos próximos cinco anos ela deverá ter o mesmo grau de crescimento que tem apresentado nos últimos dois ou três anos.
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