Antonio Carlos Frade Carneiro – Região Amazônica ainda não tem hidrovias
Publicada originalmente na Revista Transporte Moderno n. 453 – maio/junho 2012
Com cerca de 22 mil quilômetros de rios navegáveis, a Amazônia ainda não tem hidrovias. Pelo menos não no conceito técnico do que significa uma hidrovia – via fluvial com sinalização adequada em toda a sua extensão, cartas náuticas atualizadas, identificação do principal canal de navegação em todo o leito, plataformas de embarque e desembarque de passageiros e cargas e obras contínuas para a manutenção e contenção de desbarrancamentos e correções durante cheias e vazantes, entre outros itens.
A constatação não é de nenhum leigo, mas da maior autoridade da Marinha na região da Amazônia Ocidental, que engloba os estados do Amazonas, Rondônia, Roraima e Acre. Para o almirante Antonio Carlos Frade Carneiro, comandante do 9° Distrito Naval, a navegação na Amazônia, apesar do potencial, ainda não ocorre de forma totalmente profissionalizada – desde os tempos da colonização até os dias atuais impera um certo improviso.
Para o militar de alta patente, se houvesse maior investimento na infraestrutura do transporte fluvial a economia da região poderia ficar muito mais dinâmica, já que as hidrovias têm custos muito menores quando comparados ao do transporte de passageiros e de cargas em rodovias, ferrovias e aeroportos, além de o modal gerar ambiental. “É o modal considerado em todo o mundo o de menor impacto ao meio ambiente, tanto no que diz respeito à hidrovia quanto se refere às operações das embarcações”, diz o almirante.
“Ao contrário de uma rodovia ou ferrovia, a hidrovia não se constrói. Você faz intervenções em leitos navegáveis que garantem o transporte hidroviário em quaisquer circunstâncias”, reforça. De seu gabinete, em Manaus, o almirante, que ocupa o comando do 9°. Distrito Naval há um ano e dois meses, concedeu entrevista a Transporte Moderno, apresentada a seguir.
Transporte Moderno – Qual é o papel da Marinha na Amazônia, região onde as hidrovias têm um papel crucial?
Almirante Frade Carneiro – Com mais de 22 mil quilômetros de extensão de rios navegáveis, os rios têm um papel vital para o desenvolvimento da Amazônia, cuja economia depende em grande escala do transporte fluvial de cargas e passageiros. Como a região tem baixa possibilidade para a construção de ferrovias e rodovias, e onde a infraestrutura aeroportuária é mínima e de expansão cara, o transporte fluvial exerce um papel preponderante em razão de levar vantagem sobre os outros modais. Além de gerar menos impactos ambientais, o transporte fluvial é muito mais barato por sua grande capacidade de escoamento e por necessitar de um volume menor de investimentos para se viabilizar economicamente.
TM – Qual o futuro das hidrovias na Amazônia?
Almirante Frade Carneiro – Na região da Amazônia não temos hidrovias na concepção completa do termo.
TM – Não?
Almirante Frade Carneiro – Não. Podemos considerar que a única hidrovia que temos no Brasil é a Tietê-Paraná, que realmente possui uma infraestrutura que se encaixa na definição técnica do que seja uma hidrovia. No Norte, temos navegação feita em rios que oferecem boa navegabilidade. Mas não são todos que contam com navegabilidade segura e ininterrupta durante todo o ano. Em alguns, ela só ocorre durante seis meses ao ano por não haver uma infraestrutura adequada que garante o tráfego contínuo de embarcações. Em período de secas, muitos rios perdem as condições ideais para o transporte de passageiros e cargas para embarcações de grande porte. Só as embarcações menores conseguem navegar, diminuindo a escala e prejudicando o fator econômico.
TM – O que falta para transformar os rios navegáveis da Amazônia em hidrovias?
Almirante Frade Carneiro – Uma constante aplicação de recursos financeiros por parte de todas as esferas de governo. Precisamos ter uma moderna infraestrutura de terminais portuários para o embarque e desembarque de passageiros e cargas. Fazer constantemente a correção e a manutenção dos leitos dos rios que se modificam com as constantes enchentes e vazantes. Identificação do canal principal de navegação. Temos de ter a atualização das cartas náuticas, sinalização dos trechos mais perigosos, balizamento, auxílios à navegação, desassoreamento e aprofundamento de trechos, entre outras obras. Uma hidrovia tem de oferecer as mesmas condições de segurança de uma rodovia ou ferrovia. Os usuários precisam ter condições adequadas para usá-las durante 24 horas, de dia e de noite, com bom ou mau tempo. As embarcações têm de ter informações para saberem, por exemplo, identificar em quais locais se encontram.
TM – Com esse investimento, a navegação poderia ter melhor aproveitamento?
Almirante Frade Carneiro – Correto. Poderíamos tirar o máximo proveito aumentando a capacidade de transportes e barateando o custo de produtos e insumos para a sociedade com o aumento da escala. Veja um exemplo: existem rios na Europa, como o Reno (atravessa a Alemanha e a França entre outros países), que são menores e, portanto, teriam potencial de navegação menor que muitos dos nossos rios da Amazônia, mas que por investimentos foram transformados em pujantes hidrovias, que os tornaram muito mais importantes na movimentação de cargas e passageiros por contar com uma infraestrutura adequada para a navegação durante o ano inteiro. Precisamos de investimentos que deixem nossa navegação hidroviária mais moderna e segura.
TM – Os investimentos que vêm sendo feitos pelos governos ainda não são suficientes?
Almirante Frade Carneiro – Cabe ao Ministério do Transporte e Planejamento a execução das obras nos rios para sua transformação em hidrovias. Sabemos que há planos de investimentos que dependem de dotação orçamentária. Mas algumas ações poderiam contribuir para o transporte hidroviário. Por exemplo: a hidrelétrica de Tucuruí, no rio Tocantins (Pará), só teve sua eclusa inaugurada recentemente, depois de mais de uma década da construção da usina, mesmo assim com baixo aproveitamento de seu potencial. Apesar de estar no projeto, as eclusas das novas usinas de Santo Antonio e a de Jirau, ambas no Rio Madeira (1.115 quilômetros de extensão) na região de Porto Velho, na Rondônia, não estão sendo construídas, o que gera um problema com a interrupção de navegação em trechos que poderiam ser utilizados como alternativa para escoar a produção agrícola do Centro-Oeste para outros países, de diversos cantos do mundo, inclusive proporcionando a ligação futura do Oceano Pacífico e Atlântico pelo Rio Amazonas.
TM – Como a comunidade participa desta questão?
Almirante Frade Carneiro – O que precisamos entender é que os rios são perenes e proporcionam o seu uso múltiplo. Não podemos intervir definitivamente no rio para apenas um propósito, mas sim pensarmos e garantirmos o seu uso para múltiplas atividades, conforme já determina a lei brasileira. Estes rios precisam ter seus comitês de bacias constituídos e ali se discutir, até quase à exaustão, todas as possibilidades do rio, preservando-os para sempre e atendendo todo os usos para a comunidade.
TM – Qual é a estrutura da Marinha na região?
Almirante Frade Carneiro – Estou no comando do 9° Distrito Naval, que engloba os estados do Amazonas, Rondônia, Roraima e Acre, na Amazônia Ocidental. Já a Amazônia Oriental, que envolve os estados do Pará, Amapá, Tocantins, Maranhão e Piauí estão sob a jurisdição do 4° Distrito Naval. Sob meu comando, estão duas capitanias, uma delegacia fluvial e sete agências, que dão suporte e formação aos profissionais que operam na Marinha Mercante, fiscalizam a navegação e a poluição causada pelas embarcações. O efetivo da Marinha na região da Amazônia Ocidental é de cerca de 2.700 pessoas, que também fazem a fiscalização e segurança, monitoramento e patrulhamento do território por via fluvial.
TM – Qual o tamanho da frota da Marinha na Amazônia Ocidental?
Almirante Frade Carneiro – Temos cinco navios-patrulha fluviais, quatro navios de assistência hospitalar (conhecidos como Navios da Esperança), cinco helicópteros, e dezenas de lanchas de diversos tamanhos. Toda nossa frota não soma uma centena de embarcações.
TM – Esse efetivo e frota são suficientes?
Almirante Frade Carneiro – Não. Mas existem ações contempladas no Plano de Articulação e Equipamentos da Marinha (Paemb), que prevê, até 2030, de acordo com as dotações orçamentárias, modernização, construção e aumento do efetivo, no qual todos os Distritos Navais serão contemplados. Em razão das dificuldades do Orçamento e da crise pelo qual o mundo atravessa, o andamento do cronograma está abaixo do desejado.
TM – Em razão do transporte na Amazônia de cargas e pessoas ter muita importância na Amazônia, qual é a relação da Marinha com os empresários, especialmente dos transportes?
Almirante Frade Carneiro – Sem dúvida nenhuma, é o da parceria. A Marinha tem um papel muito importante na formação dos marinheiros que atuam na Marinha Mercante. É a Marinha que prepara todo pessoal e dá o suporte à formação dos aquaviários e fluviários. Por ano, na nossa região, são formadas cerca de 500 pessoas para operar pequenas e grandes embarcações. Damos preparo acadêmico, já que muitos dos candidatos possuem formação inadequada. Nossa oferta ainda está abaixo das expectativas das necessidades, o que gera uma demanda reprimida. Mas nós vamos oferecer mais cursos, todos gratuitos. Pretendemos inaugurar um centro de formação de fluviários em 2013, como extensão do ensino profissional marítimo da Capitania Fluvial da Amazônia Ocidental em Manaus. Atualmente, os marinheiros de diversas graduações, que trabalham a Amazônia Ocidental são formados fora daqui, principalmente no Rio de Janeiro e em Belém. Com a formação aqui em Manaus dos trabalhadores da Marinha Mercante, a partir do ano que vem, poderemos oferecer mais cursos, de diversas categorias e cargas horárias.
TM – A tecnologia de rastreamento, já oferecida em larga escala pelo mercado, melhorou a segurança para as embarcações que navegam pela região?
Almirante Frade – Sim, ela contribuiu muito para a segurança e se constituiu numa importante fonte de informação em uma região de grandes dimensões e bastante capilarizada. Segundo estudos da Antaq, o emprego da tecnologia e investimentos nos rios da região têm potencial para multiplicar movimentação de cargas e passageiros, gerando novos serviços e riquezas para a região, nos próximos 20 anos.
TM – Resumindo, como o senhor vê atualmente o aproveitamento da navegação nos rios da região Norte?
Almirante Frade – Sem dúvida, temos de perseguir o caminho da profissionalização e do investimento para aproveitar totalmente o potencial dos nossos rios, que não estão sendo explorados na sua maior capacidade. Com isto, vamos conseguir reduzir o custo da navegação para o empresariado. Com uma estrutura mais eficiente, podemos transportar mais com uso de menos equipamentos. Ao otimizarmos a operação logística, os preços caem e toda a sociedade ganha com serviços melhores, mais ágeis e seguros. Quem habita esta região terá o progresso chegando com muito maior rapidez e com certeza estaremos assegurando a presença do estado nas nossas fronteiras, contribuindo para a preservação do meio ambiente e garantindo a nossa tão cobiçada Amazonia.
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