Pelo abastecimento de São Paulo
Há um debate que não pode ser mais negligenciado pela sociedade paulistana, em especial pelas autoridades do Executivo e do Legislativo municipal: a questão do abastecimento da cidade por meio da mobilidade e da circulação de cargas, mercadorias, bens e serviços no perímetro urbano. E, quando falamos desse tipo de mobilidade, queremos falar, mais especificamente, do tráfego dos utilitários e caminhões pelas zonas centrais de São Paulo.
Muitos esquecem, mas os utilitários e caminhões são veículos que abastecem os mais de 10 milhões de habitantes da capital paulista. Tudo o que se consome é transportado pelo modal rodoviário. A indústria, o comércio e a sociedade são abastecidos pelos caminhões e utilitários que cruzam a cidade ininterruptamente, realizando milhões de entregas diárias. Por isso, nós, os transportadores rodoviários de cargas, sentimo-nos no dever de levantar o debate sobre a mobilidade de mercadorias em São Paulo do ponto de vista das restrições de circulação que o caminhão sofre nas vias públicas paulistanas. Neste espaço, portanto, gostaríamos de abordar duas dessas restrições, reivindicando a instituição de um organismo governamental capaz de nortear políticas públicas locais para o setor transportador.
A primeira dessas restrições é a causada por um dos mais inócuos, inoperantes e absurdos mecanismos de tráfego contra a movimentação de carros de passeio e, no nosso caso, contra o trânsito de caminhões e utilitários instituídos em São Paulo: o rodízio municipal de veículos. Consideramos que o rodízio adotado na gestão Celso Pitta já teve sua eficácia exaurida, notadamente sobre os veículos que abastecem o comércio e a indústria de São Paulo. O transportador rodoviário de cargas, a fim de cumprir o contrato com seus clientes e superar as dificuldades impostas pelo rodízio, optou por comprar um caminhão ou um utilitário mais velho. Tal veículo substituiu o novo nos dias em que a placa deste tem a circulação cerceada, provocando, assim, mais congestionamentos. Tendo em vista que são esses velhos veículos utilizados para burlar o rodízio que quebram ao longo do sistema viário, é fato que são eles que provocam o aumento da lentidão do tráfego. Isso sem considerar que veículos velhos emitem mais poluentes.
Outra estratégia adotada por grandes frotistas é o emplacamento de caminhões em outros Estados brasileiros. Esse expediente é nocivo ao erário, pois nenhuma multa de trânsito é cobrada, dada a não-interligação nacional de sistemas. Ainda, tais caminhões acabam pagando tributos como IPVA e taxas de licenciamento para outras localidades, mesmo que poluindo e congestionando a cidade de São Paulo. A liberação dos caminhões e utilitários que abastecem São Paulo do rodízio municipal alimentaria um círculo virtuoso, pois os veículos velhos seriam vendidos para outros municípios, haja visto que já não haveria razão para sua permanência em São Paulo. Por outro lado, com a retirada dos caminhões e utilitários velhos, diminuir-se-ia a poluição causada por eles. Mais ainda, os caminhões novos que foram emplacados em outras cidades seriam repatriados para São Paulo, gerando receita ao erário local.
A segunda medida restritiva diz respeito a um decreto de 1997, também da gestão Celso Pitta. Trata-se da legislação que criou a figura do veículo urbano de carga (VUC), cuja principal característica é a distância de 5,5 m entre os para-choques e a capacidade de transportar 1.500 Kg de carga. Essa legislação determina que apenas o caminhão tipo VUC tenha acesso às ZMRCs (Zonas de Máxima Restrição à Circulação). Em São Paulo, as ZMRCs abrangem as regiões em torno dos bairros de Pinheiros, Jardins, Centro e Bom Retiro.
Nós, transportadores, entendemos que esse decreto, em vez de ser um agente redutor do tráfego nas ZMRCs, causa efeito contrário. Nossa proposta é que se faça um adendo à legislação vigente, permitindo que nas ZMRCs circule também o veículo leve de carga (VLC), cujas dimensões são de 6,5 m entre os para-choques e capacidade para 4.500 Kg. Portanto apenas 1 m a mais de comprimento do que VUC, porém com capacidade tripla de carga. Tal sugestão é feita porque, se cada VLC transporta 4.500 Kg, são necessários três VUCs para transportar a mesma quantidade de carga. Assim, se cada VUC mede 5,5 m entre para-choques, e considerando que a distância regulamentada para a circulação de três caminhões é de 5 m entre os mesmos, chegamos à conclusão de que três VUCS ocupam 26 m de pista de rolamento, enquanto um VLC ocupa somente 6,5 m da mesma pista. Logo a economia de ocupação do sistema viário, na troca de três VUCs por um VLC, chega a 20 m.
Adotando essa sugestão, estaríamos realimentando um outro círculo virtuoso, uma vez que sairiam de circulação dois motores movidos a diesel, diminuindo a poluição. Também diminuiria a quantidade de caminhões em circulação, provocando economia de malha viária. Outro ponto é que seria minimizada a quantidade de viagens das transportadoras até os pontos de distribuição. Finalmente, considerando a complexidade e as atuais complicações que o transporte coletivo de passageiros gera à Secretaria Municipal dos Transportes, entendemos que a mobilidade e a circulação de cargas, mercadorias, bens e serviços para o abastecimento da cidade de São Paulo sempre foram relegadas ao segundo plano. Por isso recomendamos a criação, nessa mesma secretaria, de uma diretoria específica para essa atividade, o que permitiria a elaboração de políticas públicas voltadas para tal fim.
Todas as propostas acima foram por nós apresentadas às autoridades municipais no início da gestão Marta Suplicy. Todavia não obtivemos, até agora, respostas concretas às nossas considerações, as quais contribuiriam indubitavelmente para a melhoria da qualidade de vida dos paulistanos que sofrem nos congestionamentos cotidianos.
Autoria: Urubatan Helou *
Data: 07 de maio de 2004
Publicação original: Jornal Folha de São Paulo – Tendências / Debates
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(*) Empresário, 53, é presidente do Setcesp (Sindicato das Empresas de Transportes de Carga de São Paulo e Região)