No admirável mundo novo da mobilidade e da logística, o desafio do analfabetismo digital e das decisões humanas

Não faz tanto tempo assim que tínhamos chapas na beira da estrada, conferentes nas transportadoras, digitadores nas empresas, guias de ruas no carro, telefones “orelhão” nas calçadas, ruídos estranhos no motor, agenciadores de carga nos postos de gasolina e tantas outras coisas que quem tem menos de trinta anos de idade talvez nunca tenha ouvido falar!

Chapas? Sim, aquelas pessoas que se aglomeravam na beira da estrada, nas primeiras horas do dia, para oferecer seus serviços aos motoristas que chegavam às grandes cidades. Nem todos conheciam os caminhos para seus destinos, muitos precisavam do chapa não só para orientação no trânsito, mas também para ajudar na carga e na descarga dos caminhões.

Paletização, sistemas de esteiras, plataformas hidráulicas, empilhadeiras e tantas outras tecnologias não tão sofisticadas assim praticamente eliminaram a necessidade dos braços fortes dos chapas. Perdido no trânsito da cidade grande? Impossível, hoje qualquer um sabe usar o GPS do celular.

Conferentes? Bem, depois que descobrimos que tanto os ajudantes quanto os motoristas podiam conferir a quantidade de volumes e os demais dados das notas fiscais, os conferentes tornaram-se dispensáveis. Com a leitura ótica de códigos de barras, então, “babau”, até o celular hoje tem leitor de código de barras e viabiliza a operação de conferência de modo digital.

Digitador? Vixi, nem pensar. Notas fiscais e manifestos hoje são eletrônicos, documentos são transmitidos e recebidos online, a baixa de entrega está no celular do entregador, o tracking visualizado via web ou por qualquer aplicativo baixado no mobile de todos nós.

Guias? Isso, aquele “catatau” com mais de 500 páginas com mapas da cidade recortado em infinitas porções que você começava a seguir numa folha e depois precisava buscar a próxima para descobrir onde a rua terminava. E agora? Ninguém lembra mais disso, está tudo no painel do veículo com um sistema de navegação onboard, ou no infalível celular preso ao para-brisa, num daqueles suportes todos temos.

Ao cair da noite, a tela passa a ter um fundo preto. Se de dia, tudo branquinho. E ainda pode centralizar, ampliar, encaminhar, compartilhar, ufa!

“Orelhão”? Ah, sim, aquelas conchas enormes geralmente da cor laranja (sou do tempo da Telesp, ainda antes da Vivo e suas conchas azuis) onde nos abrigávamos do sol, da chuva e do ruído enquanto procurávamos as fichas (sim, tínhamos que tê-las no bolso!) para fazer as ligações. Sem ficha, até dava, mas tinha a musiquinha do ta-ra-ta-ra-ra-ta-ra-ra anunciando que a pessoa chamada teria que pagar pela ligação, sem contar que quem atendesse podia não concordar com a cobrança e desligar na sua cara. E hoje? Bem, nem precisa explicar que todos nós temos – pelo menos – um celular à mão o tempo todo.

Manutenção? Se você ainda é da época que precisava ter um bom ouvido pra diagnosticar algum ruído diferente para saber que algo poderia não estar funcionando adequadamente no veículo, hoje tem apito pra tudo, mensagens no painel, travas de segurança e um arsenal impensável até poucos anos atrás. Ninguém ouve mais nada, só lê. Tem até imagem da câmera de ré! Nas oficinas, nada de ferramenta, tudo no tablet. Sem contar que diagnósticos e soluções também são possíveis remotamente.

Chamar o guincho para uma emergência envolvendo um veículo mais moderno é algo raro e impensável.

Agenciador? Era aquele sujeito super articulado, simpático, geralmente numa salinha do posto de gasolina ou numa banca próxima dos terminais de carga que sabia quem queria contratar uma carga de retorno e negociava a informação com os motoristas e as transportadoras. Neste século, isso é algo chamado de “aplicativo”. Motorista de aplicativo, frete de aplicativo, pagamento de aplicativo, e por aí vai. Até aqui, nada de novo, não? A tecnologia veio para ficar, não vai parar de evoluir. Então, qual é a reflexão? Pessoas! Sim, pessoas! Também os jovens ditos digitais, geração Z – millenials já são cringe – de hoje que parecem não saber pensar, compreender, decidir, e vivem numa rotina automática de fazer somente o que está “no sistema”. Ainda que saibam como funcionam as novas tecnologias, se desconectam da realidade, do senso comum, das necessidades não previstas do dia a dia.

Algoritmos, sistemas, inteligência artificial, bots, memes, apps e tantas outras rotinas incorporadas de tal forma no nosso cotidiano que parecem ter sido capazes de “desplugar” nossos intelectos, desconsiderar nossos raciocínios, deletar nossas intuições. E assim, o admirável mundo novo da mobilidade e da logística – até então desejado e saudado por todos nós na era das techs – acaba desprezando aqueles que não se adaptaram às mudanças tecnológicas e escravizando aqueles que pensam estar atualizados.

Qual a solução? Bem, eu não sei a resposta, mas sigo em frente ponderando a importância da história para compreender e vivenciar o presente, e me preparar para o futuro. Fica o convite!

Autoria: Adalberto Panzan Jr.

Data: 12/07/2021

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(*) Adalberto Panzan Jr., brasileiro, empresário, 56 anos, fundador e CEO da ADS Micrologística Ltda. Bacharel em Administração de Empresas de Transporte (Indiana University, EUA) e Ontopsicologia (Antonio Meneghetti Faculdade, BR)