Contratar frete por percentual do valor transportado é bom negócio?
Em nossa atuação junto às embarcadoras, desenvolvendo e implantando sistemas para controle do frete contratado às transportadoras, somos freqüentemente questionados quanto à existência de parâmetros que permitam uma rápida avaliação dos valores despendidos com frete, quanto aos mesmos estarem elevados ou adequados em relação à prática do mercado. Em geral, este questionamento gira em torno do percentual do valor do frete em relação ao valor transportado. O objetivo deste artigo é verificar a propriedade deste parâmetro e analisar também a opção para contratação de frete por percentual de valor.
As transportadoras em geral adotam tabelas para cálculo de frete que dependem de um número significativo de variáveis: origem/destino, peso/volume, valor, percurso, prazo, dificuldade/facilidade de manuseio, entre outras. Estas tabelas envolvem uma complexidade que impede as embarcadoras de realizar simulações ou a conferência dos valores cobrados de forma simples e rápida, já que a maior parte delas ainda não dispõe de sistema voltado à reprodução destes cálculos.
A tendência, portanto, é (ou era até pouco tempo atrás) a busca de uma forma alternativa de cálculo do frete que seja simples o bastante para permitir à empresa que contrata o serviço de transporte um controle e planejamento mais eficazes.
Um dos mecanismos para tanto é o frete por número de volumes, o que, entretanto, é adotado somente nos casos de transporte de volumes homogêneos, implicando ainda muitas vezes em alteração do valor por volume dependendo do trajeto.
O dispositivo mais utilizado então para simplificar o cálculo do frete tem sido associá-lo a um percentual sobre o valor transportado. Desta forma, além de permitir uma verificação rápida na chegada da cobrança das transportadoras, a empresa tem um parâmetro fixo para ser utilizado em sua planilha de custos, reduzindo o risco de ver o valor do frete engolir a margem anteriormente definida em sua política de vendas.
Durante os anos de inflação alta, quando boa parte das empresas brasileiras dava mais ênfase às operações financeiras do que ao controle de custos, adotar o frete por percentual significava garantir esse controle sem maiores sacrifícios operacionais e deixar que o preço estabelecido para venda corrigisse eventuais distorções nos casos em que o percentual adotado fosse excessivo.
Com a estabilidade da moeda, um novo panorama descortinou-se.
As empresas devem agora garantir seus resultados através do negócio em si, os clientes passam a negociar cada centavo, a competição acirrada obriga ao corte radical de custos e o valor do frete passa a ser foco de atenção contínua.
Neste novo cenário, as embarcadoras precisam averiguar se o frete cobrado por percentual permanece como solução interessante, se os motivos que levaram à sua adoção persistem e se não há alternativas mais adequadas ao novo momento econômico.
Esta reflexão leva-nos à conclusão de que as chances do frete cobrado por percentual não ser a solução ideal na maioria dos casos são muito grandes, pois vejamos:
- As transportadoras, a princípio, montam suas tabelas regulares de preços a partir de sua estrutura de custos; criam tarifas e taxas e incorporam o tratamento às variáveis que implicam em mudanças nos custos, às propostas apresentadas às embarcadoras. Portanto, nestas tabelas derivadas das planilhas de custos, as margens de cada frete a ser contratado estão claramente estabelecidas. Abrir mão deste formato de cálculo significa para a transportadora uma dificuldade maior para estabelecer a margem correta de lucro. A busca de uma proteção contra o risco de prejuízo deverá levar a transportadora a negociar com maior rigor nos casos de utilizar uma tabela com mecânica de cálculo alternativa. Isso ocorrerá em especial no caso do frete percentual, quando uma redução do faturamento da embarcadora poderá transformar o resultado previsto na prestação de serviços de frete de positivo para negativo.
- Particularmente nos casos em que as transportadoras identificam que esta sistemática as leva a prejuízos, são acrescidos dispositivos à contratação por percentual do valor que os evitem, tais como a definição de um valor mínimo ou a cobrança de taxa adicional de pedágio. Neste caso, o objetivo original das embarcadoras, de simplicidade no cálculo do frete, começa a não ser mais alcançado.
- Há pouco tempo, um cliente habituado à contratação de frete por percentual associou seu incômodo com este mecanismo de forma bastante original. Segundo ele (e é verdade!) a transportadora torna-se um sócio involuntário.
Senão, vejamos: a embarcadora defende junto a seus clientes um reajuste na tabela de preços, apresentando suas justificativas, melhorando sua qualidade, enfim, realizando um tremendo esforço de persuasão.
Ao conquistar o aumento, verá que, sem qualquer esforço adicional, a transportadora também teve um incremento em seu faturamento, certamente desproporcional ao seu incremento de custos.
Apesar dos argumentos acima, muitas empresas relutarão em até mesmo questionar este modelo de cálculo, afirmando a si mesmas que os resultados obtidos não o seriam de outra forma, sempre comparando o percentual que o valor do frete representa com uma suposta média de mercado. Entramos aí na segunda consideração de nosso artigo, sobre a validade desta comparação.
Exceto nos mercados cujas cargas das várias empresas concorrentes tenham de fato um perfil muito próximo, o percentual ideal do frete médio em relação ao valor faturado não pode ser definido senão empresa a empresa.
Lembramos que para considerarmos o perfil de carga como similar, não basta considerar somente que os produtos a serem transportados são da mesma natureza (por exemplo, visam o mercado farmacêutico), mas devem ter embalagens de pesos e cubagens próximas, ser embarcados em pontos de origem próximos visando destinos com distribuição equivalentes, ter freqüência de expedição, quantidades e valores convergentes, enfim, todos os aspectos que contribuem para a formulação de preços devem ser, de fato, similares.
Além disso, os serviços exigidos da transportadora devem também ser semelhantes, como prazos de entrega, modais, tempo e pessoal envolvido na carga e descarga, entre outros. Também a qualidade oferecida deve estar no mesmo nível para que qualquer comparação tenha efeito.
Como exemplo, podemos citar empresas cujos percentuais de frete são bastante elevados (superiores a 15% do valor transportado), mas que se encontram satisfeitas com os custos, uma vez que os produtos envolvidos têm efetivamente peso elevado e valor relativamente baixo. Por outro lado, há empresas nas quais o frete não deve ultrapassar 0,5%, sob o risco de provocar reduções de margem incompatíveis com as metas estabelecidas pelos acionistas.
Em síntese, toda a avaliação acima indica tão-somente a necessidade das empresas embarcadoras realizarem comparações sobre perfis de carga similares e, sem dúvida, o banco de dados mais adequado para tanto compõe-se das suas próprias notas fiscais ao longo do tempo.
Quando as empresas possuírem ferramentas de simulação dos cálculos de frete que lhes permitam comparar a evolução percentual do frete ao longo do tempo, bem como identificar a partir das várias alternativas de tabelas de preços das transportadoras (inclusive, mas não exclusivamente, tabelas baseadas em frete percentual) aquelas mais adequadas ao seu perfil de carga, estaremos com certeza observando tomadas de decisão mais conscientes.
Autoria: Ricardo Gorodovits *
Data: 01 de setembro de 1997
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(*) Diretor comercial da GKO Informática