A ferrovia no Brasil ainda está fora dos trilhos

O Brasil tem enorme potencial e vocação ferroviária, mas precisamos desburocratizar, modernizar e investir. As privatizações das malhas deram um impulso muito grande nesta área, mas precisamos de mais, para que nosso país e nosso povo tenham um transporte mais eficiente com qualidade de vida, com redução da perda de tempo em transporte proporcionando o aumento da mobilidade.

A ferrovia no Brasil ainda está fora dos trilhos, embora tenhamos começado cedo com o Barão de Mauá, no século XIX, e tenhamos andado bem até os anos 60. Da década de 70 para frente não tivemos mais investimentos significativos em nossa malha, chegando praticamente ao seu sucateamento no início dos anos 90 quando começaram as privatizações.

A falta de investimento neste setor num país como o Brasil, de dimensões continentais, trouxe como conseqüência prejuízos para a mobilidade da nossa população e do País de modo geral. Em pleno século XXI não temos, ainda, ligação ferroviária entre o norte e o sul. O nosso transporte de passageiros por trilhos se resume às grandes cidades e de forma deficitária.

Basta olharmos o cenário e compararmos com alguns países do Primeiro Mundo para termos uma idéia de quanto a mobilidade da população e de produtos sofre com a falta de infra-estrutura ferroviária. A malha ferroviária brasileira ocupa o humilde nono lugar do mundo em extensão. Ficamos atrás de países menores que o Brasil, como a Alemanha (pouco maior que o Estado de São Paulo) e muito próximo do Japão. Se a comparação for feita com países da nossa dimensão territorial, como Estados Unidos, Canadá e Índia, o resultado é catastrófico.

A SAE, uma sociedade centenária de engenheiros da mobilidade criada no início do século passado nos Estados Unidos pela indústria automobilística, hoje está presente em várias partes do mundo envolvendo diferentes ramos da indústria da mobilidade. Recentemente foi criado o Comitê Ferroviário com a missão de levar para o Congresso SAE Brasil, que acontece em novembro deste ano, o debate sobre a mobilidade no cenário ferroviário nacional.

Em termos de material rodante, os números brasileiros também não são animadores. Vejamos a Alemanha, onde a ferrovia estatal DB (Deutsche Bahn) possui 4,9 mil locomotivas, 157,3 mil vagões de carga, 9,5 mil carros de passageiro e 213 carros de alta velocidade. Contra estes números o Brasil em 2006, após todos os investimentos na área de carga, chegou a 2.518 locomotivas e 83.733 vagões de carga. A comparação com a Alemanha é bastante saudável e possibilita aguçar a nossa imaginação quanto ao prejuízo sofrido pela população como resultado de uma falta de política específica de investimentos nesta área.

Imaginemos a malha alemã dentro de São Paulo, com trens de alta velocidade para as principais cidades do interior do estado, como Campinas (2 horas de ônibus ante 30 minutos de trem), Ribeirão Preto (5 horas de ônibus ante 2 horas de trem) ou Bauru (4 horas de ônibus ante 1,5 hora de trem). Os horizontes quanto aos mercados de trabalho e outras facilidades, ainda não imagináveis no Brasil, se abririam de forma espetacular, pois qualquer cidadão residente em até 300 km de distância dos grandes centros urbanos poderia se locomover diariamente para o trabalho e voltar ao convívio da família ao final do dia, graças à mobilidade proporcionada pelo transporte (isto é realidade na Europa). O mesmo raciocínio se aplicaria à carga, em que um transporte eficiente, com terminais modernos, poderia escoar de forma rápida a produção da indústria e agricultura, evitando a perda de alimentos pelas estradas e as filas de mais de 100 km nos portos em época de safra. Cada vagão pode transportar mais de 100 toneladas (equivalente a 3 ou 4 carretas), esvaziando as estradas e as vias de acesso das grandes cidades. Há espaço para todos, rodoviário, ferroviário e marítimo, porém as proporções devem ser revistas com uma matriz de transporte mais eficiente.

Com toda a falta de infra-estrutura de transporte no Brasil, a indústria ferroviária nacional renasceu das cinzas e se equilibra como um malabarista entre os altos e baixos do nosso mercado. De 2003 até 2005 as ferrovias brasileiras compraram mais de 5 mil vagões novos por ano, proporcionando grande impulso e investimentos nas indústrias do setor, porém em 2006 encerramos o ano com pouco menos de 3,5 mil vagões e as projeções apontam para menos de mil unidades em 2007.

A situação é difícil, mas graças ao nível de excelência que a indústria ferroviária nacional adquiriu, a duras penas, todos estão buscando o mercado externo durante a atual turbulência, esperando que exista uma política de investimentos voltada especificamente para infra-estrutura ferroviária.

 

Autoria: Domingos José Minicucci *

Data: maio de 2007

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(*) Engenheiro e diretor do Comitê Ferroviário do Congresso SAE Brasil 2007