Concorrência de transporte
Presentemente, um dos problemas mais sérios que a viação férrea tem de enfrentar, é a concorrência dos outros meios de transporte mecanizados.
Até o fim do primeiro quartel do século atual, as estradas de ferro dispunham quasi sempre do privilégio de transporte. A concorrência só surgia por defeito do traçado, quando, ou marginavam os grandes rios navegaveis, ou se desenvolviam ao longo da costa. Nestes casos, a navegação a vapor, fluvial ou costeira disputava à ferrovia os seus mercados. Esta última, porém, dispunha da incontestável vantagem da maior rapidês e regularidade.
Hoje, a litovia, cuja utilização se multiplicou com os aperfeiçoamentos dos motores de explosão, veio desfazer o privilégio das vias férreas, multiplicando os meios, os casos e os processos de concorrência. Intensificou igualmente os recursos para facilitar os meios de fuga do tráfego da viação férrea para a navegação e o aeroplano.
Essa situação acarretou para a administração e a técnica ferroviárias verdadeira revolução. As estradas de ferro tiveram de defender-se e, nesse sentido, muito já fizeram, quer aperfeiçoando os meios de transporte e diminuindo as despesas de custeio, quer oferecendo maiores vantagens comerciais aos produtos entregues ao seu cuidado.
Essa luta, entretanto, está sendo travada em desigualdade de condições, em detrimento da viação férrea, que verifica sua renda por unidade transportada baixar de ano a ano; os recursos para a manutenção do tráfego paulatinamente desaparecerem, deixando entrever uma ruína próxima e fatal si sérias e oportunas medidas não forem tomadas pelos poderes públicos.
As Cassandras já apregôam a morte do trilho.
Mas estão erradas.
As estradas de ferro prestam ao interior do país serviço permanente, regular e seguro, durante o ano todo, com a obrigação de, mediante tarifas módicas, aprovadas pelo Govêrno e amplamente publicadas, não recusarem transporte algum. Suas tarifas são organizadas, além do mais, de modo a favorecerem os gêneros de primeira necessidade e as matérias primas. Enfim, são exploradas sob estrita fiscalização do govêrno, no regime de serviço de utilidade pública, arcando com a totalidade dos ônus da construção, manutenção e aperfeiçoamento das suas instalações fixas e rodantes.
A estrada de rodagem, ao contrário, é oferecida pelo govêrno gratuitamente ao caminhão, que a trafega e explora no regime de utilidade privada. Seu serviço é precário e irregular, pois êsse veículo só circula quando há o que transportar com remuneração adequada e a mercadoria que não satisfaz a essa condição é deixada à margem da estrada. Sua segurança escapa com facilidade ao policiamento e não há disposições legais regulando seu regime de serviço, tráfego, horário e tarifas. Mesmo com as melhores rodovias, por toda parte, o auto-transporte se tem mostrado impotente e anti-econômico para os transportes de grandes massas a grandes distâncias.
Nessas condições, a viação férrea está longe de se haver tornado obsoleta ou anti-econômica. Continúa ainda e continuará útil e essencial ao progresso econômico do país. Só por meio dela, – como muito bem compreendeu o Govêrno da República prolongando os trilhos da Noroeste do Brasil até Santa Cruz de la Sierra, – poderá ser desenvolvido o nosso hinterland e, feita a marcha para Oeste, valorizando seus imensos recursos em materias primas de toda ordem.
Os diferentes meios de transporte motorizados terrestres, marítimos, fluviais e aéreos, têm suas características próprias e diferentes, e oferecem vantagens em determinadas condições.
O estudo da solução dêsse problema instante oferece um vasto campo de trabalho útil à “Revista Ferroviária”, pois abrange:
1.°) – o aperfeiçoamento técnico das instalações fixas e rodantes da ferrovia;
2.°) – a eficiência de seus métodos de exploração técnica e comercial;
3.°) – a gerência econômica das empresas;
4.°) – a oportuna reforma da legislação ferroviária, libertando as estradas de ferro de entraves que só se justificavam quando elas, de fato, gozavam do privilégio de transporte;
5.°) – a limitação da concorrência ao tráfego ferroviário, ainda essencial ao transporte de grandes massas a grandes distâncias:
6.°) – a orientação aos poderes públicos, que muitas vezes, ilusóriamente, vêm na concorrência da estrada de rodagem um meio de barateamento dos fretes, quando, de fato, essa concorrência constitue um fatôr de desagregação e ruína da única via permanente, regular e segura que tudo transporta com segurança. garantindo a economia regional; e
7.°) – a coordenação racional e eficiente dos diferentes meios de transporte para o desenvolvimento e progresso de zonas já abertas ao tráfego e para o desbravamento do interior do país.
No regime corporativo, de economia dirigida, que o Estado Novo está creando, não é admissivel que essa competição ruinosa continue, mas deve ser encontrada uma descriminação de tráfego que, garantindo a renda das estradas de ferro, lhes mantenha os recursos indispensáveis, para que possam progredir, servindo às respectivas zonas.
Estão a circulação e o comércio dos principais produtos nacionais, como o café, o açucar e o alcool, o mate, o sal, etc.. – entregues à direção de órgãos autárquicos, que procuram equilibrar as condições de custo da produção e do transporte e o preço da venda; e são utilidades produzidas em grandes massas e destinadas a transportes longos, isto é, são mercadorias que satisfazem às características típicas do transporte ferroviário.
Foram elas que deram lugar à construção e constituiram no passado incentivo ao capital empregado na viação férrea. Nada mais justo do que, por disposição legislativa especial, elas retornem ao papel de produtos básicos da prosperidade de nossa rêde ferroviária.
Autoria: Alcides Lins *
Data: setembro de 1940
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(*) Presidente da Associação de Companhias de Estradas de Ferro; Diretor da Leopoldina Railway; Ex-Diretor da Rêde Mineira de Viação.