Em épocas de crise como a atual, é preciso pensar e agir estrategicamente  

Como é do conhecimento de todos, desde o início da pandemia, a grande maioria dos países tem tomado três principais providências como regra geral:

a) Combate ao coronavírus propriamente dito;
b) Manutenção de renda mínima que garanta a sobrevivência das camadas mais pobres da população e de desempregados;
c) Auxílio às empresas para manterem o máximo possível de postos de trabalho.

Mais recentemente, com a necessidade de se preparar para o pós-pandemia, duas outras tarefas foram adicionadas:

1) Desenvolvimento de estratégia para “saída do isolamento”, com retorno paulatino ao trabalho, sem riscos de uma “segunda onda pandêmica”;
2) Reestruturação da economia, quando não da própria sociedade, considerando as reais dimensões e efeitos da crise e a urgente necessidade de se retomar o crescimento econômico.

Quem souber absorver razoavelmente bem os impactos gerados pela crise levará menos sofrimento às pessoas, terá maiores condições de superação e alcançará vantagens competitivas importantes.

No caso do Brasil, em particular, dois outros conjuntos de providências (ou políticas) são necessárias:

1) Voltadas à melhoria da saúde pública (como vacinação, distribuição de remédios para os mais pobres e expansão e modernização da rede hospitalar) e de incentivo à pesquisa, à ciência e à inovação no campo da medicina;
2) De combate à pobreza, principalmente via reformulação do sistema tributário (que hoje é extremamente perverso com os mais pobres), e voltadas a permitir aos menos privilegiados mais acesso ao sistema universal de saúde, a educação, a moradia, a saneamento básico e aos demais itens de infraestrutura, incluindo-se aí a internet, caso queira se aproveitar mais eficazmente o ensino a distância.

Não há dúvida: para que o país reencontre o caminho do crescimento econômico, é essencial que a população, notadamente aquela mais carente e pobre, se veja amparada por políticas públicas voltadas à saúde, à educação, à segurança, à geração de empregos e ao combate da pobreza.

No início, foi inevitável que as empresas tivessem como única preocupação a sobrevivência. Agora, porém, é chegado o momento de planejar o futuro e “repensar seus próprios negócios”, posto que muitas perguntas ainda não têm resposta: como será o comportamento do ‘novo’ consumidor? E o mercado, como reagirá? As estruturas operacionais e logísticas existentes darão conta das mudanças que já se fazem sentir na sociedade e na economia? E as empresas estarão preparadas para dar segurança a todos? Quais serão os estímulos e as motivações para que os empregados voltem ao trabalho? São reais as possibilidades de uma “segunda onda”? Será necessário elaborar planos para a possibilidade de haver períodos intermitentes de isolamento social?

No setor logístico, as recomendações gerais, guardadas as devidas proporções e diferenças, são as mesmas. Mas há providências específicas. Notadamente nas grandes metrópoles, algumas importantes características do mercado e do consumidor já sofriam alterações significativas, pois o avanço tecnológico, a falta de “tempo” da vida moderna e o aumento das dificuldades de movimentação e mobilidade foram criando condições inexoráveis de mudança.

As grandes inovações tecnológicas “conectam” com mais rapidez o consumidor e permitem a ele acessos simplificados a todos os diversos tipos de aplicativos e produtos desenvolvidos, resultando em aumento significativo na frequência por compras via e-commerce e delivery.
Essas facilidades tornaram-no mais bem informado, objetivo, racional, seletivo e extremamente exigente. Sabendo exatamente o que quer e o preço a pagar, ele não permite falhas ou urgências. Muito mais digital, o novo consumidor sabe que não precisa ter, mas usar.

O mesmo avanço tecnológico que ajudou a “mudar” o consumidor também permitiu que as empresas praticassem modernas técnicas de produção e de comercialização de seus produtos e serviços muito mais focadas no cliente e com objetivos claros de agregar valores. Com um grande diferencial, pois essas práticas, antes circunscritas a um número limitado de empresas mais “avançadas”, passaram a ser de domínio de quase todo o mercado.

Inevitavelmente, diante dessa realidade e até porque não se sabe por quanto tempo ainda durará o período de exceção da pandemia, as incertezas aumentaram.
Mesmo com efeitos e tempos de duração e de recuperação diferentes, dependendo da região, do segmento econômico atingido ou do governo de plantão, os impactos gerados recaem sobre toda a sociedade e exigem reorganização de muitas das atividades econômicas atuais. Se antes era fundamental estar atento e pensar de forma estratégica, agora é essencial.

Parece óbvio, portanto, que a logística de uma forma geral e as operações de transporte em particular precisarão ser reanalisadas e, se necessário, redesenhadas de forma a se adaptarem, assim como a atuação dos diversos atores envolvidos, sejam eles usuários, operadores e/ou prestadores dos serviços logísticos. São pertinentes, portanto, dúvidas com respeito aos níveis de estoques adequados, sobre a possibilidade de se obter insumos e matérias-primas em quantidades e rapidez necessárias, sobre a necessidade de se buscar e desenvolver fornecedores locais, que dizem respeito à maior ou menor proximidade aos mercados consumidor e fornecedor, e quanto à capacitação do novo profissional de logística. Mas é preciso, ressalte-se, que a urgência não impeça a execução de atividades que se colocam como essenciais todo o tempo, sob risco de se perder o que já havia sido conquistado.

Estar preparado para identificar, através de diagnósticos corretos e realistas, e atuar com rapidez em momentos de ruptura – agora com maior frequência – será fundamental, pois qualquer quebra em qualquer um dos elos que compõem a cadeia de abastecimento, além dos prejuízos já conhecidos, será, agora, muito mais difícil de “consertar”.
Em seu estudo publicado no último mês de março, “Actions taken now to mitigate impacts on supply chains from coronavirus can also build resilience against future shocks” elaborado por Knut Alicke, Xavier Azcue e Edward Barriball, a McKinsey & Company indica seis questões que requerem ação rápida em toda a cadeia de suprimentos:

1) Transparência em toda a cadeia de suprimentos;
2) Estimativas de inventário realistas ao longo de toda a cadeia;
3) Estimativas realistas de demanda dos clientes finais;
4) Engajamento dos funcionários em todos os aspectos da operação de tal forma que ela seja segura e proteja a saúde de todos (inclusive com fornecimento de EPIs e assistências médica e psicológica);
5) Garantia de capacidade logística às operações e às necessidades do cliente;
6) Gerenciamento do capital de giro de forma a identificar eventuais impactos negativos no fluxo de caixa da empresa.
Ao se repensar e redesenhar novas cadeias de suprimentos, é fundamental identificar e avaliar riscos e buscar soluções antecipadas, principalmente neste momento de muitas incertezas e dúvidas.

Às empresas, à luz dos novos acontecimentos, das circunstâncias atuais e de futuro, algumas conhecidas e aqui relatadas, outras nem tanto, é solicitado que revejam e, se preciso, reelaborem seus planos de negócios contemplando vários cenários. Instalar o planejamento estratégico é primordial, pois estabelecer uma direção, mesmo que com flexibilidade, é essencial. Aprender com todos aqueles que participam dessa tarefa de recuperação da “nova normalidade” também é uma providência sugerida, posto que a pandemia, ao gerar impactos muito semelhantes a todos, precisará contar com esforços conjuntos e complementares.

Diz um conhecido ditado que “as crises, além de colocarem às claras nossas debilidades e fraquezas, também geram novos desafios”. A pandemia gerada pela covid-19 oferece grandes oportunidades para que, na logística mais especificamente, sejam construídas novas cadeias de suprimentos mais transparentes e resilientes e que se adaptem às mudanças aqui resumidamente relatadas, e aos novos tempos, nos quais as preocupações com todos os atores envolvidos – ‘stakeholders’ – sejam consideradas, bem como os novos valores presentes na sociedade, de proteção ao meio ambiente e ao próximo, de sustentabilidade, e de propósitos sociais das empresas. Hoje, mais do que nunca, parece claro que toda e qualquer atividade humana precisa ter compromissos ambientais, sociais e de governança (ESG em inglês).

Se ao governo cabe estabelecer regras para melhoraria do funcionamento da logística, bem como para melhoraria e expansão da infraestrutura logística, caberá aos executivos e aos profissionais do setor, além de tudo o que aqui já foi escrito, ter postura mais crítica, pensar e agir mais estrategicamente, capacitar-se para trabalhar de qualquer parte do mundo em ambientes cada vez mais digitais e adquirir habilidades que os permitam vislumbrar cenários futuros de maior pressão e de mudanças constantes. Compreender a logística, até pela sua própria essência, como instrumento estratégico de fundamental importância, tanto para empresas como países, é essencial. Principalmente nestes tempos!
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Autoria:  Paulo Roberto Guedes

Data: 31/12/2020

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(*) Professor de Logística em cursos de pós-graduação na EAESP/FGV (Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas), FIA (Fundação Instituto de Administração), ENS (Escola Nacional de Seguros) e FIPECAFI (Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis, Atuariais e Financeiras); Membro do Conselho Consultivo da Associação Brasileira de Operadores Logísticos (ABOL), da qual também foi fundador; Membro do Conselho de Administração da ANHUMAS Corretora de Seguros; Diretor de Logística do Clube Internacional de Seguro de Transporte (CIST); Membro do Conselho Editorial da Revista Tecnologística