Eu, o Pedágio e a Paróquia

Como estou em uma democracia, permito-me discordar dos têrmos radicais com as resoluções aprovadas pela paróquia rodoviária sôbre pedágio, em seu recente conclave.

Dentro de uma linha de coerência de quem nunca aceitou o absoluto e vê na relatividade a imagem da falibilidade humana, nunca me coloquei contra o pedágio, pelo fato de entendê-lo como um simples ônus a acrescentar-se aos muitos que o transportador sofre. Serei contra sempre que negar suas origens.

Não restam dúvidas que em nosso país se explica o temor com que о contribuinte recebe a criação de qualquer taxa. O comum é ver-se que os governos se detêm na arrecadação e se alheiam à contrapartida do serviço que fundamentalmente deveria ser dado.

Todavia, há governos e governos. A natural desconfiança com que é recebido um nôvo grupo que ascende ao (Poder, pode-nos levar a hostilizar a criação ou inovação de taxas. Sim, porque taxa é como gelatina: de muitas côres e sabores, de muitas formas e que se amolda ao vasilhame que a contém, por mais esdrúxulo que seja. Mas quando se conhece os homens de um Govêrno e nestes se aprende a confiar, por um testemunho pregresso de realizações, todo o cidadão está no dever de dar um crédito de confiança e pensar nos aspectos positivos que possa ter a iniciativa.

É o que sucede, neste momento em que se busca reintroduzir em nossas rodovias a instituição do pedágio.

Muito a propósito, acabo de ler um artigo assinado pelo mestre Lafayette Prado, sob título “Transportes е a Nova Carta”, onde analisa a supressão do trecho final de dispositivo da anterior Constituição que facultava à União, aos Estados e aos Municípios cobrarem pedágio para atender ao custo das vias de transporte.

Diz êle: “A cobrança do pedágio, por outro lado, constitui um acréscimo de custo, que pode ser compensado pelos benefícios diretamente oferecidos pela via sob o regime. Para tanto, é óbvio que se aplique o tributo exclusivamente quando compatível com as condições casuísticas do objeto. As vias sujeitas a pedágio devem ser bloqueadas e dispor de alternativa sem pedágio; a taxa aplicada deve ser racionalmente calculada e permanentemente sujeita à correção monetária; a cobrança deve ser feita com eficiência e economia e a autoridade arrecadadora deve, em contrapartida, oferecer serviços adicionais, em nível compatível com a taxa”.

Por isto é que o transportador se deve bater. Suas perguntas deverão ser: “Quanto me vão cobrar?”
“Que me vão dar em troca?”
“Que me oferecem como escolha, caso não possa suportar o ônus?”
“Que garantias me dão que todos quanto usarem a estrada pagarão?”
“Quais as provas que os custos de fiscalização e arrecadação permitirão que os serviços prometidos sejam executados?”
E conforme as respostas, admito as críticas. Se aquelas não forem a contento do bom senso, que se desanque a lenha. Se no caso da atual Presidente Dutra, oferecerem como alternativa a velha Rio-São Paulo, com seus buracos, seu piso de terra abandonado, suas serras com curvas mal traçadas, enfim, sem aquêle mínimo que o Poder Público tem obrigação de dar, porque é o mínimo, podem ter certeza de que formarei entre os que combaterão o pedágio na Dutra. Mas se me derem como alternativa uma Rio-Santos, projetada com os mais modernos requisitos da tecnologia rodoviária, então que bloqueiem uma das duas, para a cobrança do pedágio.

Façamos diferença entre o pedágio-demagogia (e como exemplo aponto o que fazem os administradores de certos municipiozinhos por êste Brasil afora) e o pedágio-realização.

Ser lógico não é combater o pedágio e sim exigir que êle cumpra o que promete. É mais simpático, igualmente, porque sai do terreno da oposição para o terreno do cumprimento à lei pelas duas partes, que reciprocamente se exigem.

No Brasil é muito comum, aquêle “não li e não gostei” versão cabocla daquele “Hay gobierno? Soy contra”. Devemos pagar para ver, como se faz no pôquer. Por mim, se me pedirem dois para me devolverem quatro (ou me permitirem ganhar quatro, que antes não ganhava) não hesitarei. E ainda que não fôsse assim, na era do “samba do crioulo doido” não tenho vocação para avestruz.

 

Autoria: Luciano Pinho*

Data: 01 de novembro de 1969

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(*) Assessor político da diretoria da NTC