Ano: 1888

Abolição da escravidão

A Lei Áurea, sancionada pela Princesa Isabel em 13 de maio de 1888, pôs fim a um sistema de escravidão cuja abolição se deu por etapas. Vale a menção de que o Brasil foi o último país a abolir a escravidão na América. Na região, esse processo foi iniciado pelo Haiti, cuja revolução, iniciada em 1791, resultou na independência do país e na libertação dos escravos.


Capa do exemplar do jornal Gazeta de Notícias divulgando a Lei nº 3.353, de 13 de maio de 1888, que declarou extinta a escravidão no Brasil. Gazeta de Notícias, Rio de Janeiro, 14 de maio de 1888, p. 1. Arquivo Nacional. Fundo Afonso Pena. 

A persistência do regime de escravidão no Brasil é tema de uma série de controvérsias na historiografia. Segundo Boris Fausto (2006), para explicar o assunto, muitos historiadores se debruçaram sobre temas como a mentalidade e a organização socioeconômica das elites, as resistências, a formação dos quilombos, a libertação de cativos, as nacionalidades, os debates parlamentares sobre a abolição e as condições de trabalho e de vida dos escravos em diferentes momentos da Colônia e do Império.

Fausto recupera parte desse debate e cita, por exemplo, a chamada tese da “brecha camponesa”. Defendida por Ciro Flamarion Cardoso, essa tese expressa que a prolongada existência de um sistema escravista no Brasil também se deu em função do fato de que, nas fazendas de cana e, principalmente, nas de café, havia a permissão para que os escravos pudessem trabalhar em quintais próximos às suas cabanas ou em pequenos lotes de terra. Essa atividade “camponesa” teria aberto uma brecha no sistema escravista, permitindo aos escravos produzirem gêneros alimentícios para seu sustento e para a venda num mercado local (FAUSTO, 2006, p. 226).

Essa tese, não obstante, é contestada por Jacob Gorender (1978). Sem negá-la, o autor acredita que a participação dos escravos como camponeses, num “mercado” que promovia uma espécie de subsistência, era pouco relevante, tanto na colônia quanto no império. Tal argumento, por si só, não explicaria a prolongada existência de um sistema escravista no Brasil.

Outro tema de grande discordância na historiografia sobre a escravidão versa sobre a concessão das alforrias. Os dados sobre o século XIX revelam que, no Brasil, existia um grande número de negros libertos. Cabe lembrar que “liberto” diz respeito ao negro que recebeu ou comprou a alforria em vida, diferentemente de “livre”, condição das pessoas desde o seu nascimento.

De acordo com Sidney Chalhoub (2012), o censo de 1872 mostrou que 73,7% dos pretos e pardos do país já eram livres ou libertos. Isso representava cerca de 43% da população total. Em comparação a outras sociedades escravistas, havia no Brasil do final do século XIX muito mais pretos e pardos livres. Em Cuba, país que aboliu a escravidão em 1879, 26% da população eram cativos e apenas 16% eram indivíduos livres de cor. Nos Estados Unidos, somente 11% da população negra total eram livres na década de 1860, incluídos os números correspondentes aos estados do norte, nos quais praticamente não havia mais escravidão (CHALHOUB, 2012, p. 42-43).

Engana-se, porém, quem acredita que a libertação de escravos era um ato de benevolência ou significasse um processo de tomada de consciência “abolicionista” por parte dos senhores. Boris Fausto explica que uma das razões para os atos de libertação é que muitos dos escravos eram velhos e doentes, descartados pelos senhores com vistas à diminuição de gastos econômicos com mão de obra improdutiva. Além disso, os números apontam que, entre os alforriados, a maioria podia ser de mulheres ou adolescentes.

“É importante salientar que os libertos não tinham condição idêntica à da população livre. Até 1865, a alforria mediante pagamento ou gratuita podia ser revogada pelo antigo senhor sob a simples alegação da ingratidão. Além disso, no papel ou na prática, a libertação, em muitos casos, era acompanhada de uma série de restrições, como a de prestar serviços ao dono por um certo tempo. A legislação posterior a 1870 incorporou aliás esse costume, ao determinar a liberdade de crianças e velhos sob condição” (FAUSTO, 2006, p. 227).

Seja como for, a complexidade organizacional da população brasileira no século XIX denota que a sociedade escravista, embora profundamente ancorada nas mentalidades, práticas e sistemas produtivos da Colônia e do Império, desagregava-se pouco a pouco.


Comerciante de Minas Gerais barganhando no mercado de escravos no Rio de Janeiro. A. P. D. G. Sketches of portuguese life, manners, costume, and character. London: Printed for Geo. B. Whittaker, 1826. 

Esse processo pode ser entendido a partir de dois eixos explicativos: um deles versa sobre as disputas políticas e diplomáticas a respeito do tráfico e do trabalho escravo que culminaram em leis votadas no parlamento brasileiro até a Lei Áurea de 1888. Já o segundo fala sobre as dinâmicas sociais que envolvem a resistência negra e o movimento abolicionista, tema que foi, durante muito tempo, negligenciado pelos historiadores do Brasil.

O primeiro movimento do legislativo brasileiro no sentido de proibir a importação de escravos aconteceu com a promulgação da Lei Feijó, em 1831. A lei foi o resultado de pressões britânicas que se materializaram a partir de 1810, quando os súditos portugueses perderam o direito de se engajar no tráfico em territórios africanos fora de seus controles. Em 1815, proibiu-se o comércio de escravos ao norte da linha do equador. Em 1826, em retribuição ao apoio dado pelos britânicos no reconhecimento da independência do Brasil, o Império firmou o compromisso de abolir o tráfico em até três anos (CHALHOUB, 2012, p. 49).

Em termos práticos, a lei não resultou na proibição efetiva do tráfico, o que fez com que ela fosse comumente chamada de “lei para inglês ver”. “Após um decréscimo temporário nas entradas de africanos durante a primeira metade da década de 1830, o comércio negreiro assumiu proporções aterradoras nos anos seguintes, impulsionado pela demanda por trabalhadores para as fazendas de café, acostumado a driblar a vigilância dos cruzeiros britânicos auxiliado pela conivência e corrupção de autoridades públicas e com o apoio de setores diversos da população” (idem, ibidem).


Joaquim Nabuco em 1902. 

Uma nova lei, promulgada em 1850, tentou colocar um ponto final à cada vez mais difícil tarefa de proibir definitivamente o tráfico de escravos no Brasil. A Lei Eusébio de Queirós está relacionada a um processo de radicalização britânica para reprimir o tráfico de escravos. Em 8 de agosto de 1845, a Inglaterra instituiu a Lei Bill Aberdeen, que deu amplos poderes às autoridades britânicas para reprimir o tráfico de escravos em navios brasileiros por meio da apreensão de embarcações e do julgamento da tripulação, que seria acusada de pirataria (MAPA, 2016). Essa medida colocou em xeque a autoridade e soberania brasileiras, cujo parlamento acabou promulgando a Lei Eusébio de Queirós.

Apesar de proibir o tráfico, a decisão fora benevolente com os escravocratas, porque permitiu a eles o direito de posse dos escravos adquiridos ilegalmente após 1831, o que, segundo Beatriz Mamigonian (2017), confirmou a escravização de cerca de 800 mil africanos.

Entre 1826 e 1850, período que compreende a promulgação das duas leis citadas anteriormente, entraram no país mais de 1,041 milhões de africanos escravizados (CHALHOUB, 2012, p. 49). Após a Lei Eusébio de Queirós, chegaram ao país quase 7 mil escravos no Brasil.

Esses dados mostram quão enganosa é a tese de que o fim da escravidão no Brasil tenha sido resultado de um processo de defesa encampado por homens da burguesia ilustrada, que se inspiravam nas ideias de progresso e civilização da Europa. Em outras palavras, o fim da escravidão no Brasil não tem a ver com um suposto “processo linear de superação e formas de trabalho forçado, como a escravidão, a servidão e práticas diversas de labor compulsório por endividamento” (CHALHOUB, 2012, p. 47).

Tal equívoco apaga o fato de que a escravidão, mesmo após a abolição do tráfico, se reorientou de formas diversas para continuar existindo no Brasil. Prova é a intensificação do comércio interprovincial de cativos. Esse sistema consolidou-se como uma fonte de renda para proprietários e negociantes de escravos vendidos, principalmente, para as fazendas do Vale do Paraíba, que experimentavam a expansão do cultivo do café.

Para Beatriz Mamigonian, a Lei de 1850 teve ainda um impacto na mentalidade e na história construída oficialmente sobre o assunto, responsável por cristalizar “uma memória da abolição do tráfico que apagou as articulações abolicionistas daqueles anos” (2017, p. 276). Os parlamentares que promulgaram a Lei acabaram sendo caracterizados com uma suposta consciência abolicionista, quando fora muito mais resultado de uma decisão política em função das pressões e retaliações britânicas.

Esse fato expressa ainda uma postura contraditória, pois, à medida que os parlamentares passaram a condenar o tráfico, fechavam os olhos para o comércio interprovincial de escravos, legitimando a posse dos adquiridos ilegalmente desde 1831.

Um segundo momento de criação de leis sobre a escravidão teve início durante a década de 1870, período que marca o avanço do movimento abolicionista e das críticas ao Império. Nesse contexto, foi promulgada, em 1871, a Lei do Ventre Livre.

A medida que declarou livres os filhos de mulheres escravas nascidos após a sanção dessa lei resultou de controvérsias legais, já que permitiu que as crianças ficassem em poder dos senhores das mães até os 8 anos de idade. A partir de então, eles poderiam optar por uma indenização ou utilizar os serviços do menor até os 21 anos (FAUSTO, 2006).

A promulgação da lei expressou os conflitos políticos e sociais de então, e as posições dos deputados em torno do projeto de um gabinete conservador, presidido pelo Visconde do Rio Branco, são bastante reveladoras. Os representantes do Nordeste votaram maciçamente na proposta, ao passo que os do centro-sul foram majoritariamente contrários, o que provavelmente se deu em função dos efeitos do tráfico interprovincial, que diminuiu a dependência do Nordeste em relação à mão de obra escrava como fonte de obtenção de lucros (FAUSTO, 2006, p. 218).

A Lei de 1871, no entanto, produziu efeitos limitados. Poucos meninos e meninas foram entregues ao poder público, que também se isentou de medidas de fiscalização para efetivar a lei. Assim, os donos de escravos continuavam a usar os serviços das crianças e jovens nascidos após esse período.

Por fim, a última lei que antecedeu a abolição da escravidão no Brasil foi a dos Sexagenários, promulgada em 1885. Essa medida foi resultado do fortalecimento do movimento abolicionista durante as décadas finais do Império e de uma “reação conservadora” por parte de senhores e proprietários rurais que insistiam em usar a mão de obra escrava.

Afora isso, a promulgação da Lei dos Sexagenários correspondeu ao contexto de abolição da escravidão nas províncias do Pará e do Amazonas, em 1884. Nesse período, surgiram os chamados “Clubes da Lavoura”, com o intuito de barrar o avanço do abolicionismo e defender os interesses dos escravocratas.

A Lei dos Sexagenários concedia a alforria para os escravos que tivessem mais de 60 anos, mas impunha condições rigorosas para sua própria aplicação. Os escravos beneficiados com a libertação deveriam trabalhar por três anos para seus senhores como forma de indenização. A lei também os proibia de se mudarem da cidade na qual haviam sido alforriados, por um período de cinco anos.

O movimento abolicionista no Brasil ganhou força principalmente na década de 1880, com o surgimento de associações, jornais e o avanço da propaganda. Nesse contexto, foram proeminentes figuras como Joaquim Nabuco, parlamentar e escritor, oriundo de uma das mais importantes famílias latifundiárias de Pernambuco; José do Patrocínio, mestiço proprietário da Gazeta da Tarde, importante periódico abolicionista da Corte; André Rebouças, engenheiro e professor da Escola Politécnica (FAUSTO, 2006).

O engajamento desses e de outros ativistas é foi acompanhado da criação de importantes agremiações, como a Associação Central Emancipadora e a Sociedade Brasileira contra a Escravidão, criadas em 1880 e dominadas, respectivamente, por Patrocínio e Nabuco (ALONSO, 2014, p. 116).

Para homens como Nabuco, portanto, a abolição era um tema a ser resolvido pelo parlamento e pelas políticas institucionais da monarquia. Não à toa, sua narrativa confere à Princesa Isabel e ao Poder Moderador o gesto fundamental da abolição com a assinatura da Lei Áurea. Em outras palavras, essa versão privilegia a ideia de que a abolição da escravidão foi resultado de uma ação puramente política, fruto de um movimento abolicionista que agia dentro da institucionalidade.

De acordo com Angela Alonso (2014), essa narrativa apresenta alguns problemas. Em primeiro lugar, do ponto de vista cronológico, a versão confere à geração da década de 1880 o protagonismo pelo processo. Não obstante, é fato que, nas décadas anteriores, apareceram homens como André Rebouças, que estava em campanha antiescravidão desde o fim dos anos 1860, além de uma campanha abolicionista que antecedia a criação da Lei Eusébio de Queirós, de 1850.

A narrativa ainda secundariza personagens importantes, como o republicano abolicionista Luiz Gama. Nascido livre na Bahia, Gama foi vendido como escravo pelo pai, um fidalgo de origem portuguesa, aos dez anos. No cativeiro, aprendeu a ler e escrever, e reconquistou a sua liberdade após provar que havia nascido livre. Mesmo não sendo diplomado, Gama atuou como advogado fazendo uso de uma “provisão”, autorização dada pelo Poder Judiciário do Império para o exercício de tal função. Dedicou-se a libertar pessoas escravizadas utilizando como argumento a Lei de 7 de novembro de 1831, que extinguia o tráfico de escravos, além de considerar livres os trazidos ao Brasil depois dessa data.


Na imagem, reprodução de fotografia de Luiz Gama, s.d. Fundo Correio da Manhã.

Assim, a história relatada a partir da visão de Nabuco defende que “a iniciativa de acabar com a escravidão parece nascer apenas do interior das instituições políticas, com a mobilização social antiescrava no espaço público como fato caudatário” (ALONSO, 2014, p. 117).

Nesse sentido, vale dizer que parte indissociável e importantíssima do processo que levou à abolição foi justamente o conjunto dos movimentos sociais, como revoltas e rebeliões, protagonizados por negros e negras pelo Brasil.

Desde o início do século XIX, as revoltas e rebeliões escravas preocupavam os senhores e latifundiários brasileiros. Um dos principais motivos era a crença de que os cativos no Brasil tivessem ciência do processo revolucionário e abolicionista haitiano, e que, portanto, pudessem ser influenciados por aqueles ideais.

Existem controvérsias na historiografia que debatem se, de fato, os negros escravizados brasileiros sabiam do ocorrido no Haiti. Para alguns historiadores, esse argumento era muito mais uma justificativa para incrementar as medidas de vigilância e repressão aos negros fugidos e “insubmissos”. Já para outros, existem indícios que comprovam a ciência de grupos negros brasileiros em relação à revolução haitiana.

Seja como for, a primeira metade do século XIX é marcada por grandes rebeliões, como a Revolta dos Malês, ocorrida na Bahia, em 1835; a Revolta de Campinas, em 1832, e a Revolta do Pati de Alferes, também conhecida como de Manoel Congo, em Vassouras, Rio de Janeiro, no ano de 1838 (REIS, 1996). Destacaram-se, ainda, a Revolta de Carrancas, de 1833, em Minas Gerais, e a Balaiada no Maranhão, entre 1839 e 1842, que demonstrou a insatisfação de um grupo de escravos liderados por Cosme Bento das Chagas.

Escravos condenados às galés. Gravura contida na Obra “Vistas e costumes da cidade e arredores do Rio de Janeiro em 1819-1820”, de Sir Henry Chamberlain, publicada no Rio de Janeiro, em 1943. Acervo bibliográfico do Arquivo Nacional.

João José Reis ressalta que muitas das revoltas registradas pelos documentos oficiais eram planejadas para acontecer em dias festivos, especialmente à noite, não só porque os líderes contavam com o “relaxamento do controle senhorial, mas porque contavam com a reunião de escravos possuídos por um “espírito de redenção” (1996, p. 31).

Ao longo do século XIX, foram inúmeras revoltas planejadas ou levadas a cabo em dias festivos, sobretudo em celebrações religiosas: a Revolta de Rosário do Catete, em Sergipe, em 1824; a Insurreição do Queimado, no Espírito Santo, planejada para o dia da festa de São José, em 1849; a Revolta de Taubaté e Pindamonhangaba, em 1853, planejada para ocorrer durante a festa de São Benedito, e a Revolta de Bananal, que abrangia, em seu plano inicial, a mobilização de escravos de várias fazendas, planejada para acontecer na noite de São João, em 1881.

Ainda que não necessariamente executadas, porque muitas eram descobertas antes da data programada, as rebeliões expressavam uma resistência coletiva que, ao longo das décadas, se tornava cada vez mais dinâmica e complexa.

Prova disso é que, ao final do século XIX, a resistência escrava foi se articulando com a população livre. Segundo Reis, “com isso cresceram as alianças entre escravos e setores livres, inclusive parte da elite branca, alianças que antes eram ocasionais ou envolvendo interesses individuais restritos, como foi o relacionamento dos quilombolas com taverneiros, lavradores etc. Na conjuntura abolicionista o campo político da atuação escrava se ampliaria, potencializando o movimento escravo, emprestando-lhe novos conteúdos […]” (1996, p. 30).

Outro aspecto importante do processo de abolição no Brasil é a existência de vários quilombos e mocambos, sendo estas comunidades de tipo “aldeias”, que diferiam dos quilombos por seu tamanho, mas que também serviam para abrigar escravos fugitivos.

O quilombo mais importante foi o dos Palmares, localizado no estado do Alagoas e destruído ainda no século XVII, pelos portugueses. De acordo com João José Reis, Palmares era, na verdade, uma federação, de vários agrupamentos, que chegou a contar com uma população de alguns milhares de pessoas (1996, p. 16). Seu líder, Zumbi dos Palmares, foi morto pela Coroa, e a derrota dos negros aquilombados passou a ser um trunfo da política escravista diante de qualquer tipo de resistência.

Apesar dos mitos e crenças sobre esses locais, sabe-se que, independentemente de seu tamanho, tinham organização política e social, e seus membros desenvolveram formas originais de produção e de família.

Entre 1817 e 1840, surgiram quilombos em Recife e Olinda, ao redor de Salvador e de São Paulo. Foram registrados, ainda, o Quilombo do Piolho, nas vizinhanças de Cuiabá, surgido na década de 1860; os fluminenses da bacia do Iguaçu e da periferia da Corte, e os da periferia de Porto Alegre. “Todos mantinham redes de comércio, relações de trabalho, de amizades, parentesco, envolvendo escravos ainda assenzalados, negros livres e libertos, comerciantes mestiços e brancos” (REIS, 1996, p. 18).

Além das revoltas e dos quilombos, práticas de resistência cotidiana ao açoite e ao trabalho escravo, como casos de agressão a capatazes e senhores, fugas e “indisciplina”, eram cada vez mais frequentes no século XIX. Essas formas de resistir à escravidão operaram decisivamente no processo de abolição do Brasil.

Todo esse conjunto de ações sociais e legais constituídas pelos mais diversos grupos sociais, nos espaços públicos e nas instituições políticas, resultou na Lei Áurea de 13 de maio de 1888 – cujo texto fora elaborado por João Alfredo e aprovado no parlamento –, sancionada pela regente Princesa Isabel. A lei instituía o fim do regime de escravidão e a abolição de todos os escravos, sem restrições e sem indenizações aos senhores.

Apesar da libertação dos escravos, a lei não foi acompanhada de nenhuma medida de reparação. Em grande medida, apesar da abolição e da Proclamação da República, os grupos vulneráveis, como negros recém-libertos e trabalhadores pobres, foram deixados à mercê de uma concepção restrita de cidadania. Muitos negros e negras continuaram a viver em situação de miséria e desemprego, pela inexistência de direitos sociais e políticos, afora o crescente racismo, praticado até os dias atuais.

A articulação de movimentos negros, antirracistas e abolicionistas ao longo do século XX foi responsável por questionar as limitações da Lei Áurea e as narrativas oficiais sobre a abolição. Não à toa, tais movimentos não reconhecem o 13 de maio como marco de suas lutas. Desde a promulgação da Lei 12.519/2011, a data de 20 de novembro, escolhida em alusão à morte de Zumbi dos Palmares, ocorrida em 20 de novembro de 1695, é reconhecida e celebrada como o Dia da Consciência Negra. O objetivo é não somente disputar os sentidos institucionais da abolição, mas reconhecer e ressaltar as histórias de resistência da população negra desde o início da colonização, também responsáveis pelo fim da escravidão.

Referências Bibliográficas:

ALONSO, Angela. O abolicionismo como movimento social. Novos estudos CEBRAP, p. 115-127, 2014.

BIBLIOTECA NACIONAL. Luiz Gama, ativista abolicionista. 13 de maio de 2020.

CARDOSO, Ciro Flamarion. A brecha camponesa no sistema escravista. In. Agricultura, escravidão e capitalismo. Petrópolis: Vozes, 1979.

CHALHOUB, Sidney. “População e Sociedade”. In. CARVALHO, José Murilo de (coord.). História do Brasil Nação: 1808-2010. A Construção Nacional. Rio de Janeiro: Objetiva, 2012. V. 2.

FAUSTO, Boris. História do Brasil. São Paulo: Edusp, 2006.

GORENDER, Jacob. O escravismo colonial. São Paulo: Editora Ática, 1978.

MAMIGONIAN, Beatriz. Africanos livres: a abolição do tráfico de escravos no Brasil. Editora Companhia das Letras, 2017.

REIS, João José. Quilombos e revoltas escravas no Brasil. Revista USP, n. 28, p. 14-39, 1996.