Orlando Monteiro da Silva – Aumento de Combustível Aumenta o Custo de Vida
Publicada originalmente na Revista BR – novembro 1964 – Ano 01
Em declarações prestadas ao Vespertino, “O Globo”, a propósito do projeto de lei que aumenta o imposto único sobre combustíveis, o Sr. Orlando Monteiro, presidente da NTC, concedeu a entrevista, que damos abaixo na integra:
1 – O Senhor que tem acompanhado a tramitação da revisão do Imposto Único sobre combustíveis, acha que ela abre perspectivas, para, melhorando as estradas, conseguir afinal transportes mais baratos?
R.- Em um país de economia estabilizada seria obvia a afirmativa de que a melhoria na construção, traçado e pavimentação das rodovias permite operar em melhores condições econômicas, e consequentemente reduzir os fretes. Todavia, em países como o nosso, o processo inflacionário absorve quase que de imediato essa redução e em pouco tempo, a ultrapassa. A esse propósito, é oportuno um breve comentário sobre o Plano de Viação Nacional, constante do projeto n.2 2.348-64 enviado pelo Executivo ao Legislativo. No setor rodoviário está prevista a construção de 42.500 quilômetros e a pavimentação de 56 mil, unicamente às custas do Fundo Rodoviário Nacional durante um prazo de 25 anos, através de sucessivos planos quadrienais. Para um país, como o Brasil, em ritmo de intenso desenvolvimento, mas sujeito ao ônus da inflação, julgamos visionário um plano de tal envergadura e longevidade, quando novas incógnitas são a todo momento incluídas no equacionamento da reconquista socioeconômica de nosso continental território.
2 – Até que ponto a estrada não pavimentada afeta o custo dos transportes?
R.- A diferença percentual entre os custos operacionais do transporte rodoviário de carga em estiadas não pavimentadas e pavimentadas é sensível, e em média da ordem de 20%. Para tanto contribuem não só os maiores desgastes dos veículos pneumáticos e aumento no consumo de combustíveis, já refletidos na diferença percentual dos custos operacionais citados, como a circunstância de sofrerem as rodovias não pavimentadas maior impacto de agentes fortuitos, como prolongadas chuvas, queda de barreiras, rotura de aterros etc.
CUSTO DE VIDA
3 – O Senhor espera importante alteração no custo de vida com a ligeira alta do preço do combustível com relação ao Imposto Único?
R.- Para melhor facilidade e compreensão do problema exposto, temos a considerar o seguinte demonstrativo referente aos preços da gasolina comum e o óleo diesel para venda, hoje, ao consumidor no Rio de Janeiro:
A lei que reformula o Imposto Único sobre combustíveis e lubrificantes prevê que este sofrerá um acréscimo de 110% para a gasolina e 75% para óleo diesel até 31 de dezembro vindouro, A partir de 1. ° de janeiro de 1965 novos acréscimos de 128% e 80%, respectivamente, serão feitos, todos sobre o preço “ex-refinaria”, ou seja, o custo do produto importado no navio. Se admitirmos que o Conselho Nacional do Petróleo mantenha o dólar de importação na base de Cr$ 1.200,00 o que não acreditamos venha a acontecer – assim como confirme os atuais percentuais para os custos de distribuição e revenda, veremos que o quadro acima se desdobra assim:
AUMENTOS
Como conclusão imediata verificamos que sobre os preços atuais a gasolina sofrerá um aumento de 35,8% e o diesel de 34,3% na primeira etapa e de 83,1% e 75,5% respectivamente, no início do ano vindouro. Em média, 35% e 79% nas duas fases sobre os preços de hoje. E’ de anotar-se o fato de que desprezamos os aumentos do imposto único para lubrificantes, seja a granel ou envasados superiores aos da gasolina e do diesel. Como o peso médio do item “combustíveis”, na composição do custo operacional é de 11,32% teremos pelo raciocínio desenvolvido que a primeira etapa importará em um aumento de custo operacional da ordem de 3,96% (praticamente 4%) e no ano vindouro, um aumento de 8,9%, ou seja, quase 9% nas tarifas atuais. Era nosso pensamento só nos pronunciarmos de público, na qualidade de presidente da Associação Nacional das Empresas de Transportes Rodoviários de Carga quando o Conselho Nacional de Petróleo divulgasse oficialmente os novos preços de venda para usuários. E isto porque, ao que tudo indica, o valor do dólar para importação de petróleo será elevado.
Assim sendo, os quadros demonstrativos acima expostos estarão prejudicados e os aumentos serão bem maiores. Aliás, nos é permitido supor que também sejam modificados os percentuais de distribuição e revenda. Quanto à alteração em que isso importará no custo de vida, o assunto é por demais complexo para respondermos sem elementos definitivos e estudos mais profundos. Contudo, pelo demonstrado acima, permito-me discordar da expressão do repórter “ligeira alta” do preço dos combustíveis; 35% e 79% são percentagens bastantes significativas.
4 – Qual a proporção do custo do frete no valor da mercadoria transportada, em média?
R.- A proporção pretendida está em função do frete cobrado, da distância percorrida e do valor da mercadoria transportada. Para poder responder a pergunta adotamos o valor média de Cr$ 1.500.000,00 para o valor da tonelada transportada e três diferentes percursos e seus respectivos fretes médios:
a) Percurso longo (São Paulo-Recife)
Distância – 2.787 kms.
Frete p/kg .: Cr$ 96,00
Incidência frete/valor: 6,4%
b) Percurso médio (São Paulo-Porto Alegre)
Frete p/kg .: Cr$ 22,00
Incidência frete/valor: 1,46%
c) Percurso custo (São Paulo-Rio de Janeiro)
Frete p/kg .: Cr$ 10,00
Incidência frete/valor: 0,66%.
5 – O povo será compensado daquele aumento de preço do combustível, devido ao Imposto Único?
R.- Logo de início afirmamos que em tese, a melhoria na construção, traçado e pavimentação das rodovias implica em redução de fretes. O aumento de recursos para melhoria e pavimentação significa em países de economia estabilizada do barateamento do transporte. Isso posto, o povo será efetivamente recompensado quando a inflação for detida.
RESTRIÇÕES
6 – Observações do entrevistado.
R.- O transporte rodoviário de carga vem sendo ultimamente, muito onerado nos diversos componentes de seu custo operacional decorrentes do contínuo aumento do custo de vida. Acresça-se a isto as restrições de ordem doutrinária do Exmo. Sr. Ministro Juarez Távora, que acredita ser possível reduzir ou extinguir os déficits dos sistemas ferroviário e marítimo, através de rigoroso disciplinamento do transporte rodoviário. Respeitamos sua opinião, mas dela discordamos, antes de mais nada porque despreza o direito de livre escolha do usuário. A nosso ver, um dos erros das sucessivas administrações governamentais do setor de transporte tem sido o de não se valerem, juntamente com outros importantes subsídios, de assessoria dos homens que vivem a parte prática da exploração mercantil e das relações com os usuários. Por inúmeras vezes nossas entidades de classe têm-se colocado à disposição dos órgãos competentes para esse fim, sem serem levadas na devida consideração. Mais uma vez, e aproveitando a oportunidade, reiteramos nossos propósitos de colaboração desinteressada e, sem qualquer vaidade, útil e necessária para quantos desejarem realmente equacionar e solucionar na prática o que artificialmente se convencionou afirmar: “transporte: ponto de estrangulamento da economia nacional”.
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