Clésio Soares de Andrade – A CNT precisa ser mais ouvida

Publicada originalmente na Revista Transporte Moderno n° 347 – abril de 1993

Aos quarenta anos, o mineiro Clésio Soares de Andrade assumiu a presidência da CNT – Confederação Nacional do Transporte em janeiro deste ano, cercado de invejável apoio. Mesmo tendo como adversário o ex-presidente da Rodonal, Heloísio Lopes, e enfrentando a oposição do poderoso Camilo Cola, ex-presidente da entidade e maior empresário de ônibus rodoviários do país, acabou eleito por unanimidade – pressentindo a derrota, Lopes retirou a candidatura.

Dono da Itamarati, uma empresa urbana de Belo Horizonte com oitenta coletivos, sócio da Independente, companhia do mesmo ramo, e também com oitenta veículos, de Porto Velho. dono de uma locadora de automóveis e noviço nos setores da construção civil e da importação, Andrade chegava assim ao ponto culminante de uma meteórica carreira iniciada em 1982, quando foi eleito presidente do Setransp, o sindicato de transporte de passageiros de Belo Horizonte, onde permaneceu até 1987. Nesse meio tempo, fundou e presidiu a NTU- Associação Nacional de Transportes Urbanos, e comandou a federação mineira de transporte de passageiros. Na NTU, continua até hoje, enquanto não completa a transição do cargo para o empresário Otávio Cunha, do Maranhão.

Nesta entrevista, Andrade fala do seu grande desafio à frente da CNT – o de inserir o transportador nos grandes debates nacionais – e estabelece as posições da entidade em face dos problemas do setor.

TM- Quais são os seus objetivos à frente da CNT?

Andrade – O maior de todos é inserir o transportador nos grandes debates nacionais. Quando falamos em grandes debates, referimo-nos principalmente à política econômica e à própria vida política do país. Ou seja, em todas as discussões que envolvam o empresariado, o transportador deve ser ouvido através da CNT. É este o nosso grande desafio.

TM- Como se poderá atingir esse objetivo?

Andrade – O primeiro passo está sendo a reestruturação interna da CNT. Precisamos fazer com que a atual estrutura, que é boa, volte-se para fora da entidade. Para isso, estamos reestruturando a entidade. Está sendo implantado um departamento econômico, que pretende acompanhar toda a política econômica, fiscal e tributária do governo. Também haverá um departamento técnico e de desenvolvimento de transportes, que estará mais voltado para o setor. Ambos os departamentos serão alimentados por um departamento de estatísticas e de pesquisas, que estará sempre levantando a opinião dos transportadores em relação aos temas mais importantes. Estamos fechando, por exemplo, uma pesquisa sobre sistema e forma de governo, onde o presidencialismo está vencendo por larga margem. O departamento de Administração e Finanças será mantido. Criaremos mais três assessorias, a jurídica, a de relações institucionais e a de relações governamentais.

TM- Além da pesquisa sobre o plebiscito, há outros trabalhos importantes em andamento?

Andrade- O departamento técnico trabalha, neste momento, na possível isenção de ICMS para os transportes de carga e de passageiros. A área jurídica pretende elaborar, nos próximos sessenta dias, um anteprojeto para a nova Constituição, para ser apresentado à Comissão de Reforma Constitucional, que será instalada no dia 5 de maio. A CNT também está preocupada com as formas de exploração de linhas, com terminais de cargas, com a deterioração da infra-estrutura dos transportes, com a reforma portuária e com os aspectos da reforma constitucional específicos do setor de transportes.

TM- O que a CNT pretende fazer para melhorar a imagem do setor?

Andrade- O transportador sempre foi visto como um vilão, o que torna prioritária a preocupação com a melhoria da imagem do setor e da própria CNT. A começar pelo público interno, pois, devido à falta de comunicação com a base, muitos transportadores ainda não sabem o que é a CNT.

TM- Como realizar essa comunicação sem atropelar as federações, os sindicatos ou as associações?

Andrade- A CNT precisa distinguir bem entre o que é geral e o que é específico. O que é setorial ou regional ela pode até mesmo apoiar, desde que não se manifestem interesses conflitantes. Mas o papel da CNT é o de atuar nos assuntos macro-econômicos.

TM- E quanto ao público externo, haverá alguma campanha publicitária para conquistá-lo?

Andrade- Não constitui papel da CNT fazer campanha comercial – até mesmo porque ela não dispõe de recursos para tanto. Campanha comercial tem de ser feita em cima do produto. Desse modo, cabe a cada empresa fazer a sua. Estamos preocupados principalmente em conquistar credibilidade na grande imprensa, como já o fizeram outras confederações.

TM- Por falar em recursos, como andam os convênios com a CNI?

Andrade- O Senai tem repassado para a CNT um valor irrisório. Como o convênio venceu em dezembro e como boa parte do setor de transportes não está sendo bem atendida pelo Sesi e pelo Senai, chegou o momento de rediscutir tudo isso. Queremos também convênios regionais entre a CNI e as federações. Se conseguirmos tudo isso, renovaremos o acordo e continuaremos utilizando os serviços do Sesi e do Senai, que já contam com uma estrutura montada. Caso contrário, insistiremos na votação, pela Câmara, do projeto que cria o Sesi e o Senai, e que já foi aprovado por todas as comissões. Vamos, inclusive, reapresentá-lo no Senado, com algumas atualizações, por intermédio da senadora mineira Júnia Marise.

TM- A CNT tem trabalhado para melhorar as condições de financiamento às empresas de transportes?

Andrade- Como promotor do desenvolvimento econômico, o governo tem obrigação de traçar uma política de financiamento à iniciativa privada. Os últimos governos acabaram se descuidando muito do assunto, especialmente porque os rombos das estatais passaram a absorver todos os recursos. Mas o governo atual está sendo mais sensível à questão. Dentro disso, conseguimos na câmara setorial da indústria automobilística a elevação da participação da Finame de 40% para 70% no financiamento de caminhões, cuja frota está em situação mais crítica, e de 40% para 50% no de ônibus.

TM- Essa elevação já está sendo praticada?

Andrade- O assunto ainda depende de resolução do BNDES. Quando o Banco aprovou a elevação na câmara setorial, contava com recursos do FAT – Fundo de Amparo ao Trabalhador, que seriam liberados pelo Ministério do Trabalho. Uma opção seria a captação de recursos externos. Outra seria a utilização das reservas cambiais. O país tem US$ 20 bilhões em caixa, quando US$ 10 bilhões são suficientes. Não haveria pressão inflacionária se esses US$ 10 bilhões fossem investidos gradativamente em bens de capital.

TM- Desde a gestão de Camilo Cola, a CNT promete financiamento para o carreteiro. Por que o tema não foi incluído no pacote da câmara setorial?

Andrade- A reivindicação foi violentamente rechaçada pelo BNDES na câmara setorial. Alegam que o financiamento de autônomos envolve muito risco para o agente financeiro devido à ausência de garantias, especialmente no caso de acidente com o veículo.

TM- O Ministério dos Transportes anuncia a volta do pedágio nas rodovias federais. Até o final de março, saem os editais para contratar empresas que vão cobrar a taxa na ponte Rio-Niterói. Em abril, virão os editais para estradas consideradas mais importantes e de movimento superior a dez mil veículos por dia. Qual a posição da CNT sobre o assunto?

Andrade- Se tivéssemos um sistema tributário simplificado, o pedágio seria até mesmo admissível. Porém, com tantos tributos, temos de ser contra qualquer um a mais. A volta do pedágio é uma aberração, que só irá trazer mais custos para o transportador, encarecer os fretes e provocar uma enxurrada de ações na justiça.

 

TM- O pedágio seria ilegal?

Andrade- A CNT está estudando o assunto e não descarta o incentivo aos transportadores que buscarem evitar, na justiça, mais esse abuso tramado por tecnocratas de gabinete, e cuja arrecadação é caríssima. A péssima experiência do selo-pedágio, implantado em 1990, mas logo derrubado nos tribunais, mostra que poderemos ter sucesso nessa empreitada.

TM- O governo acredita que pode tornar a cobrança mais eficiente, delegando a manutenção das estradas a empresas privadas?

Andrade- A concessão pode funcionar, mas apenas em alguns casos particulares, como o da Ponte Rio-Niterói, o da Dutra e os de mais duas ou três rodovias. Mas tudo isso ainda depende da aprovação da lei das permissões e concessões.

TM- Enquanto o pedágio não volta, a única fonte de recursos adicionais é o imposto sobre importação de combustíveis, duplicado recentemente de 19% para 38%. A CNT apóia essa medida?

Andrade- O imposto sobre importação de petróleo pode ser considerado um tributo inteligente. E um dos três ou quatro que achamos que deve existir, pois tem cobrança simples e barata, não envolve grande burocracia e evita a sonegação. A não ser que a Petrobrás resolva ‘sonegá-lo’, como aconteceu algumas vezes.

TM- A CNT tem restrições ao texto em tramitação da lei das concessões e licitações?

Andrade- O texto é positivo, pois cria condições de se transferir qualquer serviço público para a iniciativa privada. Peca, porém, por ser muito genérico, abrangendo desde transporte até energia, e passando pela questão das obras públicas. Também criticamos a exigência de preço mínimo. Isso seria até mesmo possível para uma empreitada. Mas como estabelecer, por exemplo, preço de tarifa de ônibus para daqui a cinco anos? O projeto cassa o contrato de todas as atuais concessões, além de proibir transferências. Desse modo, empresas em dificuldades não poderão se desfazer de uma de suas linhas para resolver seus problemas. Mas é melhor ter uma lei genérica do que não ter nenhuma.

TM- A CNT apóia mudanças no vale-transporte?

Andrade- O vale-transporte melhorou a relação entre o usuário e o transportador. Foi uma válvula de escape contra a pressão social em cima das empresas de ônibus. Mas sua operação em algumas cidades, como é o caso de São Paulo, exige aperfeiçoamentos. A empresa compradora precisa encontrar todos os vales de que necessita em um mesmo local.

 

TM- A CNT está acompanhando a ‘desmunicipalização’ do transporte público paulistano?

Andrade- Isso era previsto. A prefeitura não ia agüentar subsidiar tanto o transporte urbano em detrimento de outras prioridades. Principalmente porque a administração do PT permitiu um aumento excessivo dos salários dos trabalhadores em transporte, o que inflacionou as tarifas de todas as outras capitais. Paulo Maluf nada mais fez do que dar um basta, como qualquer governante o faria.

TM- O senhor apóia as medidas de Maluf?

Andrade- Temos restrições quanto aos valores. O preço de US$ 0,30 por passageiro é impraticável. Temos informações de que há empresas reduzindo o número de ônibus e outras que já não estão pagando dívidas. A tendência é a de queda na qualidade do serviço. Esperamos que haja investimento na infra-estrutura para melhorar a velocidade comercial. Este é um caminho mais técnico e menos político. Em vez de inchar a frota, como fez o PT, deve-se aumentar a velocidade comercial.

TM- Cidades como São Paulo não exigem também maiores investimentos em trens, em metrôs e em VLT?

Andrade- Esses sistemas são necessários em grandes cidades. Mas não dá para generalizar o seu uso. Por isso, mais de 60% do transporte público continuará sendo feito sobre pneus.

TM- Isso não torna indispensável o uso mais intenso do gás natural, para reduzir a poluição provocada pelos ônibus?

Andrade- As experiências feitas até agora – especialmente a de Natal – são negativas. Um ônibus com seis cilindros de gás fica pesadíssimo, não consegue rodar o dia todo e leva muito tempo para ser reabastecido. As adaptações eram mal-feitas e havia muita dificuldade para se conseguir peças. Com a entrada da Mercedes-Benz, o veículo melhorou. Mas o governo precisa assegurar recursos para que as empresas possam investir em veículos e em postos de abastecimento.

TM- A CNT apóia o projeto do governo de alterar o regulamento do transporte rodoviário de passageiros?

Andrade- A CNT tem evitado se pronunciar sobre regulamentação do setor de passageiros e sobre carga em ônibus porque os dois assuntos envolvem interesses conflitantes de seus associados. Porém, na minha opinião pessoal, o regulamento que está aí não serve nem ao usuário nem à maioria das empresas, e nem ao governo. O que eu tenho ouvido de um grande número de empresários é que o regulamento acaba privilegiando o grupo das grandes operadoras em detrimento da maioria, e que, além disso, não assegura todos os direitos do passageiro.

TM- O que o senhor acha de uma abertura total de mercado, como quer o governo?

Andrade- A desregulamentação é perigosa. Poderá comprometer a segurança do transporte e deixar sem atendimento as linhas socialmente necessárias mas comercialmente inviáveis. Linha rentável com linha não-rentável só se equilibram com transporte regulamentado.

TM- E quanto à carga por ônibus?

Andrade- Este é um assunto a ser resolvido entre a NTC, a Rodonal e a NTR. Aliás, o fato de que há duas entidades cuidando dos interesses do transporte interestadual é, por si só, um sintoma de dissidência no setor. Além disso, a carga por ônibus fortalece essa divisão. Se o ônibus foi feito para transportar passageiros, no momento em que transporta carga está ampliando seu número de adversários. Além de enfrentar o adversário interno, também passa a enfrentar o inimigo externo. Antes de resolver o problema da carga no ônibus, o transporte de passageiros precisa buscar rapidamente um acordo para evitar essa cisão interna.

TM- Qual a posição da CNT a respeito da Lei 8 630, que quebrou o monopólio dos sindicatos no fornecimento da mão-de-obra portuária?

Andrade- A Lei 8 630 é um grande avanço para o país, principalmente porque cria melhores condições para o comércio exterior. Passado o prazo de noventa dias, se a convenção não for fechada, será criado o órgão gestor.

TM- Então, é melhor que a convenção não seja fechada?

Andrade- Uma convenção acabaria absorvendo alguns resquícios da lei antiga, mantendo privilégios que podem prejudicar a modernização dos portos. A criação do órgão gestor seria a opção mais eficiente, pois esse órgão teria mais flexibilidade para implantar as mudanças.

TM- Fala-se no estabelecimento de um contrato de gestão entre a Rede Ferroviária Federal e o governo, e também na privatização das operações. Como a CNT vê essas idéias?

Andrade- Sou muito simpático a essa tese. Pelo que sabemos, a ferrovia transporta hoje menos cargas do que o fazia há dez anos. O fato de ter permanecido na mão do governo criou muitas dificuldades e ineficiências. Hoje, o que não faltam são locomotivas paradas por falta de manutenção. Se a iniciativa privada não entrar no setor, a tendência é piorar.

 

TM- O setor aéreo continua fora da CNT?

Andrade- Continuamos com algumas dificuldades para acertar os ponteiros com o presidente do sindicato do setor, o SNEA, Rubel Thomas, também presidente da Varig, que tem uma visão muito pessoal da CNT. Mas, em último caso, poderemos instalar a seção inscrevendo diretamente as empresas do setor.


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