Darcy Pozza – Transporte não dá voto
Publicada originalmente na Revista BR n. 275 – outubro de 1989
Com o Congresso Nacional fortalecido pela Constituição, o deputado Darcy Pozza (PDS-RS) enfrenta uma contradição na Comissão de Transportes, da qual é presidente. O seu colegiado muito pouco pode influir nas decisões das matérias que tratam do item mais importante para o setor de transportes: dinheiro.
Isso porque, de acordo com as normas regimentais, projetos dessa natureza oriundos do Executivo são votados preliminarmente pela Comissão Mista de Orçamento e depois pelo plenário, sem passar pelo crivo técnico do fórum presidido por Pozza. O pior é que o orçamento proposto pelo governo para 1990 deixa o setor rodoviário à mingua. Mas o parlamentar promete trabalhar muito para mudar esse quadro e salvar o inestimável patrimônio formado pela malha viária do país.
Em função do fracasso do selo-pedágio, até agora configurado, Pozza defende a volta do imposto único sobre combustíveis e lubrificantes, que formava o Fundo Rodoviário Nacional antes da Constituinte. O deputado acha possível ressuscitar o tributo no próximo governo, por meio de uma emenda à Constituição. “Transporte não dá votos.” É assim que o pedessista explica o silêncio dos candidatos a presidente da República no que se refere a problemas do setor.
Para falar dos assuntos afetos à Comissão de Transportes da Câmara, Darcy Pozza recebeu o correspondente da Brasil Transportes em Brasília, o jornalista Edson Beú. A seguir, a transcrição da entrevista.
BT – Como a Comissão de Transportes passou a atuar, depois que a Nova Constituição fortaleceu o poder do Congresso Nacional?
Darcy Pozza – Com a nova Constituição, a própria Câmara dos Deputados ganhou um outro regimento. Ambos, Constituição e regimento, dão maiores poderes aos parlamentares e, principalmente, às Comissões Técnicas Permanentes, como a dos Transportes. Poderes não apenas para legislar, mas inclusive para aprovar projetos tanto do Legislativo quanto do Executivo. A nossa Comissão trata de todos os sistemas de transportes do país, em seus mais diversos modais. Tudo o que se refere à política de transportes passa pelo crivo da Comissão. A princípio, sentimos necessidade de uma nova regulamentação dos transportes do país. E preciso haver uma maior sintonia entre os modais, fortalecer cada vez mais os transportes eficientes como, por exemplo, o rodoviário. Não podemos dar uma marcha a ré na história. Precisamos também incentivar a construção de ferrovias, especialmente de troncais, para escoarmos as cargas pesadas.
BT – Qual é a prioridade da Comissão na política de transportes?
Darcy Pozza – A prioridade será promover uma racionalização de transportes no país, uma interligação modal. E principalmente fazer uma legislação que permita a redução dos custos operacionais, para tornar nossos produtos mais competitivos no exterior.
BT – De que maneira?
Darcy Pozza – Restaurando as estradas, construindo novas linhas rodoviárias e ferroviárias e também melhorando o transporte de cabotagem, a fim de que a soma disso proporcione redução de custos e mais eficiência.
BT – Ultimamente questões fundamentais para o setor de transportes, como a aplicação dos recursos do pedágio e a destinação de créditos adicionais, não passaram pelo crivo da sua Comissão. Foram votadas pela Comissão Mista de Orçamento. Isso não prejudica o seu trabalho?
Darcy Pozza- Temos de fazer uma diferenciação. A Comissão de Transportes é um órgão técnico da Câmara dos Deputados. É de praxe que as matérias orçamentárias sejam tratadas pelo Congresso Nacional, através da Comissão Mista de Orçamento, da qual também faço parte. Portanto, projetos dessa natureza não passam por nenhuma das casas individualmente.
BT – Isso não favorece a adoção de critérios meramente políticos?
Darcy Pozza – Na discussão do orçamento são levadas em conta as sugestões, embora não oficiais, da Comissão de Transportes.
BT – Isso basta?
Darcy Pozza – O ideal seria que todos os recursos destinados ao setor dos Transportes fossem discutidos e recebessem o parecer da nossa Comissão. Mas infelizmente o processo é outro. Tais projetos vão para o Congresso Nacional, daí à Comissão Mista de Orçamento, que engloba deputados e senadores.
BT – O que tocou para o setor de transportes nessa proposta orçamentária que o governo acaba de enviar ao Congresso Nacional para o exercício de 1990?
Darcy Pozza – O que o governo propôs para o setor, para 1990, é tão insignificante que, se não for alterado pela Comissão Mista, teremos a confirmação do caos. Não temos os números, porque a mensagem ainda nem foi lida no Congresso Nacional.
Nota do Editor: Segundo a assessoria do ministro José Reinaldo Tavares, a proposta do governo destina NCz$ 570 milhões para o setor de rodovias. Nesse caso, o DNER trabalhou com a previsão de arrecadar NCz$ 300 milhões com a cobrança do selo-pedágio. NCz$ 129 milhões são recursos do Tesouro, e o restante proveniente de “outras fontes”. Esses valores estão sujeitos à correção monetária, mas, mesmo assim, ficam muito aquém do NCZ$ 1,7 bilhão que a diretoria do DNER pleiteava.
BT – O que os parlamentares podem fazer para garantir mais recursos ao setor de transportes?
Darcy Pozza – Estamos pensando em formar uma comitiva de parlamentares, membros da Comissão de Transportes e da Comissão Mista do Orçamento, e mantermos audiências com os ministros da Fazenda e do Planejamento, na tentativa de conscientizá-los de uma necessidade de recursos muito mais substanciais do que esses previstos na proposta do Executivo.
BT – Qual a sua opinião sobre a privatização?
Darcy Possa – Sou adepto da livre iniciativa. Acho que tudo deve ser regulado pelas leis do mercado. Considero a iniciativa privada mais organizada, mais competente, embora não seja, no momento, contra nenhuma estatal. Sou da opinião, também, de que este governo não está em condições de iniciar nenhum projeto de desestatização. Isso deve ficar a cargo do próximo presidente da República, que irá definir uma nova política econômica para o país.
BT – Não temos ouvido os candidatos à presidência da República falarem sobre política de transportes. O que o senhor acha disso?
Darcy Pozza – Há um esquecimento, não sei se proposital. Mas parece que transporte não dá votos, porque esse setor não vem recebendo a necessária atenção dos candidatos.
BT – A receita do selo-pedágio não garante a manutenção das rodovias, e os recursos propostos no Orçamento da União são insuficientes. Qual vai ser a solução?
Darcy Pozza – Acredito que o quase fracasso do selo-pedágio deve-se a sua imagem negativa perante a opinião pública. Foi mal lançado. A idéia foi vendida de forma errada, de tal modo que a população ficou convencida de que a relação custo-benefício seria desfavorável ao usuário. Começou com a suspeita de que o dinheiro arrecadado seria desviado para outras finalidades, quando sabemos que isso não acontece. Precisamos encontrar uma forma para o Estado dotar o setor de transportes de mais recursos e salvar a malha rodoviária do país, cujo valor investido é 50% superior à dívida externa. Há um movimento ganhando vulto, no sentido de se voltar a cobrar o imposto único (extinto pela Constituinte), para formar o Fundo Rodoviário Nacional. Ou seja, que a contribuição se faça no momento em que o usuário abasteça o veículo. Acho que seria uma forma mais simples e mais eficaz
BT – Mas, para isso, seria necessário alterar a Constituição.
Darcy Pozza – Pode-se fazer isso. Mas não adianta fazer isso agora. Só no novo governo teremos condições de promover uma alteração constitucional, conscientizando a opinião pública da necessidade desses recursos, sob pena de perdermos todo o investimento feito até agora no setor rodoviário.
BT – O próximo governo assume em março. Em novembro, haverá eleições para deputados e senadores. Acha que o Congresso Nacional vai pensar devidamente nesse problema?
Darcy Pozza – Poderemos realizar uma votação em regime de urgência. Em se tratando de um assunto relevante à economia nacional, temos de acreditar na possibilidade dessa alteração.
BT – Como o senhor vê a proposta do governo de alterar a composição do Conselho Nacional do Trânsito (Contran), aumentando o número de representantes do Estado, em detrimento do espaço do setor privado?
Darcy Pozza – Entendo que tanto quanto possível devemos deixar a iniciativa privada atuar na economia. No setor de transportes, claro que não poderia ser diferente. Por isso não estamos vendo com bons olhos esse projeto do Executivo, que aumenta a presença do governo no Contran. Acho que devemos pelo menos promover o equilíbrio entre o poder público e o privado, para que os assuntos discutidos pelo Conselho sejam tratados com maior isenção. O projeto de lei ainda vai ser apreciado pela Comissão de Transportes, e iremos nos empenhar para aumentar o espaço das entidades privadas nessa composição.
Nota: (Atualmente o Contran é constituído por sete representantes do setor público e seis da iniciativa privada. O projeto de lei 824/88 ao Executivo inclui mais nove membros nessa formação, sete dos quais do governo.
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