Eduardo Ferreira Rebuzzi – Sindicalismo de qualidade

Publicada originalmente na Revista Brasil Transportes Jovens Empresários n. 06 – 2013

O presidente da Fetranscarga, Eduardo Rebuzzi, está em seu terceiro mandato à frente da entidade e acumula quase 40 anos de atuação no setor. Apesar do tempo, continua um otimista. Em entrevista à revista Brasil Transportes: Jovens Empresários, ele analisa as perspectivas para o setor e diz que o investimento em infraestrutura é inevitável.

Brasil Transportes: Jovens Empresários – O senhor poderia nos contar um pouco de sua trajetória profissional, do início até a presidência da Fetranscarga?

Eduardo Rebuzzi – Iniciei no TRC em 1975, como estagiário da Transportadora Coral, da qual meu pai, Haroldo Rebuzzi, era diretor e sócio. A Coral era considerada a maior empresa de transportes da América Latina, pioneira no transporte rodoviário internacional de cargas, também atuando na multimodalidade ferroviária, marítima e aérea. Em 1981, com meu pai e irmãos, Arlindo e Haroldo Jr., começamos com a Transasa, onde permaneci até 1999, quando me desliguei para seguir outros desafios. Atualmente, trabalho na Unirio Logistica e Distribuição, empresa que fundei em 2006.

Com relação à minha atuação nas entidades empresariais, ingressei na Diretoria do Sindicarga em 1986, na gestão de Baldomero Taques Filho e, em 1993, sucedi a também amiga Tania Drumond, assumindo a presidência da entidade, onde exerci quatro mandatos. Em 2002, fundei a Fetranscarga, voltada exclusivamente ao Estado do Rio de Janeiro, por perceber que nosso estado precisava de uma representação independente e regional, sobretudo pelo fato de sermos o segundo maior PIB do Brasil. Até então, a entidade agrupava os Estados do Rio de Janeiro e Espírito Santo. Destaco, em todo esse processo, o apoio dos presidentes Clésio Andrade, da Confederação Nacional do Transporte (CNT), Flávio Benatti, da NTC&Logística, e Jerson Piccoli, da Federação que antes reunia os dois estados, além da fiel e competente dedicação da Mary Moraes. Na Fetranscarga, estou em meu terceiro mandato, que finaliza em dezembro de 2014.

BTJE – Quais os maiores desafios enfrentados à frente da entidade?

ER – O primeiro deles foi reestruturar a base sindical do Rio de Janeiro, além da consolidação de uma nova entidade no contexto nacional e do próprio estado. Vencida essa primeira etapa, ganhamos corpo para tratar, cada vez com maior representatividade e profissionalismo, dos inúmeros e complexos assuntos e situações que envolvem essa estratégica e apaixonante atividade econômica que é o transporte. Sem falsa modéstia, posso afirmar que a Fetranscarga, com o apoio dos cinco sindicatos da base – Sindicarga, Sulcarj, Setcanf, Sintransportes e SETC -, tem exercido um trabalho bastante importante perante as diversas entidades e autoridades do estado e do país.

BTJE – Como o senhor avalia as mudanças pelas quais o setor de transporte de cargas passou nos últimos anos? Quais foram as mais impactantes?

ER – Historicamente, nosso setor sempre esteve presente abastecendo indústria, comércio e demais setores econômicos, inclusive como elo entre os demais modais de transporte. Não fosse a sua agilidade, criatividade, senso de responsabilidade e competência, não chegaria a ter uma participação acima de 60% da matriz de transportes nacional. A NTC&Logística, por exemplo, que está comemorando 50 anos de criação em 2013, é testemunha oficial e ocular dessa verdade. E muitas foram as mudanças desde a década de 60. Mas, chegando aos anos mais recentes, podemos considerar a Lei 11.442/2007, que disciplina a atividade, e a Lei 12.619/2012, que trata da profissão do motorista e do tempo de direção, uma conquista da sociedade para a preservação da vida, como novidades que impactam positivamente a atividade, mas que ainda dependem de regulamentação e alguns ajustes para a necessária e total aplicação. Além disso, é importante destacar a atuação do setor no tocante às restrições à circulação de veículos de carga nos grandes centros, que dificultam o abastecimento urbano e elevam o custo operacional.

BTJE – Qual a importância do setor para a economia brasileira? Ele é valorizado pelo governo federal?

ER – O TRC está presente em praticamente toda a movimentação de cargas no país, pois, além de sua participação nos serviços porta a porta, também atua de forma imprescindível no apoio e ligação entre os demais modais. Costumo lembrar que o navio tem a “mania” de só andar na água; o trem, no trilho; e o avião, no céu. Mas todos precisam do caminhão para que o transporte de fato se realize. Quanto à valorização da atividade pelo governo federal e, mais, dos governos estadual e municipal, apesar de estar melhorando, infelizmente, ainda está muito longe de chegar à altura da importância estratégica do setor.

BTJE – Como o senhor vê o setor daqui a 20 anos? Quais os maiores desafios a serem superados?

ER – O quadro atual é tão ruim, em função do que se deixou de fazer no passado, que vejo os próximos anos com mais otimismo em relação ao nosso setor. Parece contraditório dizer isso, mas chegamos em um ponto de tamanha falta de infraestrutura logística e transportes que as autoridades, também pressionadas pelas demais atividades econômicas e suas representações empresariais, forçosamente vão se voltar ao investimento em rodovias, ferrovias, portos e aeroportos. O anunciado “apagão logístico”, termo encontrado para chamar atenção quanto ao gargalo que a economia sofreria impedindo a sustentação de seu crescimento, é, hoje, uma triste e indesejável realidade. Mas a boa notícia é que a sociedade, como um todo, acordou e quer ter melhores serviços de transportes em todos os modais, condizentes com um país continental como o Brasil, a 7a maior economia do planeta. Diariamente, em todos os meios de comunicação, vemos matérias, artigos e debates sobre a falta de infraestrutura, as perdas econômicas decorrentes e, principalmente, as dezenas de milhares de mortes e vítimas do trânsito registradas anualmente em nossas vias e rodovias. Esse é o maior desafio nacional a ser superado.

Com relação ao TRC, especificamente, vejo a efetiva implantação do disciplinamento do setor, com regras claras e firmes que preservem a atividade das empresas e autônomos, como as leis antes mencionadas. Leis estas que valorizarão o setor, melhorando a remuneração dos serviços de transporte, possibilitando que nossas empresas invistam cada vez mais e de forma ainda mais responsável e segura, com contratos formais junto aos seus clientes e embarcadores, estabelecendo condições comerciais e financeiras. Para mim, todo esse novo quadro vai contribuir decisivamente para o fim do predatório leilão exercido pelos contratantes de serviços de transportes sobre as empresas do setor.

BTJE – Como o senhor vê o trabalho realizado pela ComJovem?

ER – A ComJovem foi uma sacada fantástica criada em São Paulo, pelo Setcesp, e estendida a todo o Brasil, pela NTC&Logística. Além de potencializar e agilizar o aumento do conhecimento e da capacitação dos jovens, propicia um maior amadurecimento empresarial e a preparação deles para a atuação nas entidades do setor, qualificando melhor a representação e a defesa dos assuntos de nosso interesse. Também iniciei muito jovem minha vida nas entidades, ingressando com 30 anos no Sindicarga e sendo presidente, pela primeira vez, aos 37. Mas confesso que o aprendizado era mais difícil, já que enfrentávamos muitas barreiras sem uma preparação adequada. Com a ComJovem, isso não ocorre. Basta ver a atuação e participação desses jovens empresários para constatarmos que já estão anos-luz à frente, e isso só se fortalecerá com o tempo, com a colheita de muitos frutos num futuro próximo. É empolgante ver, na convenção anual da ComJovem, a apresentação do trabalho de cada uma das unidades instaladas em diversas regiões do país. Trabalham e realizam ações o ano inteiro.

Parabéns a todos!

BTJE – Que conselho o senhor daria aos jovens empreendedores do setor?

ER – Outro dia, tive o privilégio de participar de um evento com o empresário e líder Jorge Gerdau Johannpeter, presidente do Conselho de Administração do Grupo Gerdau. Na ocasião, falei a ele que ia “roubar” e divulgar duas frases que usou durante sua apresentação na conversa que tivemos. E dou esse conselho aos nossos jovens e motivados empreendedores: sejam fanáticos pela eficiência e pela disciplina, tenham humildade para aprender e capacidade e vontade de fazer. Também acrescento um ditado japonês da Era Meiji, o qual tenho fixado na parede da minha sala de trabalho: “Acreditem! As dificuldades são como as montanhas, elas só se aplainam quando avançamos sobre elas”.

Bate-bola….

Qual sua maior realização pessoal? E profissional?

– Pessoal, sem dúvida, é a linda família que construí ao lado da minha mulher, Ana Maria, com quem sou casado há 32 anos. Temos três filhos maravilhosos, Duda, Julia e Clara, aos quais já se juntou nossa nora Daniele. Profissional, a certeza de que sempre me dediquei com intensidade, ética e respeito a tudo que me propus realizar, tanto em meus empreendimentos particulares como na atuação e representação nas entidades do transporte e do comércio. Tive muito exemplo e orientação dentro de casa, recebidos de minha mãe, Osny, e de meu pai, Haroldo. Por isso, considero-me uma pessoa abençoada.

Qual o seu livro, filme e música favoritos?

– Confesso que peco um pouco na minha leitura, pois acabo usando muito de meu tempo para as revistas e notícias técnicas e de economia. Mas, recentemente, li o livro “Sonho Grande”, de Cristiane Correa, que relata a interessante história de sucesso dos empreendedores Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Beto Sicupira. Acredito que esse livro também já deve estar sendo devorado pelos nossos jovens empresários. Quanto aos filmes preferidos, posso citar “Cinema Paradiso” e “A Vida é Bela”, ambos italianos, de 1988 e 1997, e “Forrest Gump”, americano, de 1995. Com relação à música, poderia citar muitas, de Vinicius de Moraes, Tom Jobim, Chico Buarque e Roberto Carlos, entre outras. Mas vou destacar uma, em especial, do Gonzaguinha: “O que é, o que é?” (“viver e não ter a vergonha de ser feliz”).

Qual o melhor destino em que o senhor esteve? Por quê?

 – Conheci muitos lugares em viagens adoráveis com minha mulher e também com nossos filhos. Mas vou citar dois momentos mágicos. As viagens que fiz aos parques de Orlando e adjacências, nos Estados Unidos, com meus filhos, desde pequenos. O olhar deles, o brilho da doce magia da infância não me saem nunca da lembrança. E, recentemente, uma viagem que fiz a Baixo Guandu, cidade do interior do Espírito Santo, em companhia de tios e primos capixabas, quando levei minha mulher para conhecer o lugar onde passava minhas férias de julho, até os 11 anos de idade, no sítio de meus avós maternos. Quando cheguei na represa do rio Doce, em frente à casa onde tanto brinquei, chorei de verdade. Fazia 46 anos que não ia lá, e muitos dos locais ainda se mantinham como naquela época. Foi muita emoção.

Quais suas principais virtudes e defeitos?

 – Bem, acho que uma linha para as virtudes e páginas para os defeitos. Mas me considero uma pessoa com bons princípios de cidadania, respeito e ética, além de, modéstia à parte, ser vascaíno, virtude essa hereditária de meus pais e extensiva a todos os filhos, netos e bisnetos. Quanto aos defeitos, o fato de ser exigente e meio chato com minhas cobranças é um deles. Já fui mais esquentado, digamos assim, mas a idade vai nos tornando mais calmos e pacientes.

O que o senhor melhoraria no Brasil?

 – Começo por uma citação de um amigo, Antonio Cupello, italiano de 80 anos e no Brasil há mais de cinco décadas: “o que falta no Brasil é brasileiro”. Pois é, acho que falta o espírito de brasileirismo, de amor à nação, de respeito à ética, de vergonha de se fazer o errado. Acontecimentos recentes reforçam isso. A população tem se manifestado contra essa situação, contra a corrupção, a favor do respeito e seriedade no uso e aplicação dos recursos públicos. Exemplos que venham a contrariar isso levam a uma falta de esperança da população com os rumos do país, favorecendo o egoísmo e a falta de compromisso com o próximo, prevalecendo a vontade de se obter o ganho rápido e de qualquer forma. Então, eu melhoraria o modo de atuação dos três poderes: Legislativo, Executivo e Judiciário.

O que o faz puxar o freio? E acelerar?

– Falta de respeito e covardia, em todos os sentidos, me fazem não exatamente puxar o freio, mas reagir. Já me coloquei em risco e me meti em muita confusão por causa disso. Para acelerar, é só perceber pessoas que agem com respeito ao próximo e aplicam o bom senso em prol do bem comum. Parece meio genérico ou superficial, mas estar com pessoas do bem faz a gente acelerar e ter vontade e mais confiança para trabalhar e agir.

De quem pegaria carona? Por quê?

– Já peguei, há 38 anos, de minha mulher, quando comecei a namorar Ana Maria. O motivo? O tempo vivido é uma prova, e os projetos e sonhos para o futuro, um combustível.

De quem não compraria um carro? Por quê?

– A lista é longa, mas passa pelos poderes públicos. Conheço bons exemplos de representantes desses poderes, mas, infelizmente, perdem longe para o outro grupo.

Para onde vão as estradas do Brasil?

 – Com exceção das concedidas e sob gestão privada, elas estão no buraco, literalmente, mas acredito que, a médio e longo prazos, como disse antes, vão nos levar melhor aos nossos destinos, com mais segurança e conforto. Se não for assim, o Brasil vai parar mesmo.


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