Eduardo Suplicy – Queremos a estatização dos transportes coletivos em SP
Publicada originalmente na Revista BR n°227 – outubro de 1985
Entrevistar Eduardo Matarazzo Suplicy, o candidato do Partido dos Trabalhadores – o PT – à Prefeitura Municipal de São Paulo, não é tarefa tão fácil. E por várias razões. Uma delas, o tempo, restrito a alguns minutos obtidos a duras penas entre o final de um debate ou uma aula, já que o professor continua trabalhando na Fundação Getúlio Vargas deixando sua cadeira na Câmara Federal, em Brasília. Outra é o cará ter pouco personalista que o candidato dá as suas entrevistas. Nunca fala exatamente aquilo que pensa, pois o que ele procura – e isso é uma posição – é passas as ideias do partido, que foram discutidas e analisadas em reuniões, seminários e debates, juntamente com os filiados, simpatizantes e interessados.
As posições e as colocações de Eduardo Suplicy são resultados de reflexões partidárias. É comum, por exemplo, ele falar “nós verificamos em Santo Amaro..” e por aí vai. Evita, portanto, aquelas expressões “eu acho que o transporte deve.., ou “eu penso que.”.
Foram necessários ouvir dois debates, um na Câmara Municipal sobre transportes e outro com alunos de um curso de publicidade numa escola do Bexiga, e ainda assistir a um seminário na Getúlio Vargas sobre o assunto, para conseguir extrair do candidato suas impressões e as posições do partido a respeito de transporte na cidade de São Paulo.
A maior parte das posições do candidato petista estão contidas num livreto de 58 páginas, impressas em papel ofício e intitulado “Anteproposta Política do PT para o Município de São Paulo (versão preliminar)”, resultado do Seminário de Alternativas Políticas para a cidade, realizado nos meses de março e abril deste ano.
– Como o senhor vê a questão do transporte em São Paulo?
– Bem, o Partido dos Trabalhadores defende o controle estatal dos transportes coletivos em São Paulo. E nós estamos cientes de que para estatizar o transporte não é possível uma ação rápida, do dia para a noite, porque na atual estrutura encontraríamos limitações de natureza jurídica e orçamentária. Mas procuraremos caminhar na direção de um processo que traga para as mãos da CMTC o controle total dos transportes, para garantir um planejamento adequado e o cumprimento de uma tarifa única e social, que deve ser no máximo igual a 7% da renda do trabalhador, como aliás está previsto na estruturação do salário-mínimo. Transporte coletivo é um serviço público e não um negócio.
– Mas que negócio é esse? Como é que o partido encara o problema?
– Há nos transportes coletivos dois interesses difíceis de se conciliar: de um lado a necessidade do serviço pela população e de outro o lucro. Como a empresa privada tem seu principal objetivo no lucro, a rentabilidade de uma linha de ônibus passa a ser o primeiro critério a ser considerado. Dessa maneira, os empresários procuram uma tarifa mais alta, pressionando o poder público. E desenvolvem uma busca por menos custo, que é observada pela menor oferta de ônibus, fazendo com que estes trafeguem lotados, e maior exploração de seus funcionários.
– E como a CMTC vem atuando? O senhor conhece bem a CMTC?
– A CMTC tornou-se, desde a minha adolescência, uma empresa exemplo de má administração, de cabides de empregos, de abusos concedidos, infelizmente até por prefeitos eleitos diretamente e que fizeram-na ser objeto de uma enorme pressão para que o transporte público fosse cedido às empresas privadas, concessionarias ou permissionárias. Por um informativo de março de 85, o número de passageiros que a companhia transportou no ano passado, é o maior dos últimos 25 anos. Mas esse número, o PT comprovou, é menor do que o de 1959, quando a companhia operava sozinha e praticamente detinha o monopólio do transporte na cidade. Hoje a CMTC transporta menos passageiros do que a 25 anos atrás.
– E o que veio a acontecer nesses 25 anos? Há uma análise?
– Nesses 25 anos, a CMTC teve como principal objetivo servir de suporte às empresas privadas. Não eram as linhas que a CMTC tinha dificuldades de operar que eram cedidas às empresas privadas, mas sim aquelas que davam melhor rentabilidade. Segundo a própria empresa, numa CEI na Câmara Municipal, foi dito que 2/3 de suas linhas são deficitárias e consomem cerca de Cr$ 1 bilhão, a preços do ano passado. Explicam também que são linhas sociais e que não podem parar, o que nós concordamos. Mas onde estão as linhas rentáveis? Nas mãos de empresas privadas, o que está obrigando a CMTC, que hoje transporta 32% dos passageiros usar que andam de ônibus em São Paulo, а critérios de desempenho econômico para operar as linhas. Daí, ela vai também ter de superlotar seus ônibus.
– E as propostas do prefeito atual, Mário Covas?
– Bom, a intervenção feita pelo prefeito Mário Covas em algumas empresas, logo no início da gestão do PMDB, embora tenha apresentado a possibilidade de se ter conhecimento de alguns dados importantes que confirmam que as denúncias são verdadeiras – o transporte é ineficiente e dá lucro, por exemplo -, não foi feita claramente. As empresas que sofreram intervenção são, na realidade, as que fazem o melhor serviço. Agora, como é que nós podemos saber das demais? São ao todo 36 empresas operando. E quando o governo do PMDB aumentou a tarifa de transportes de 500 para 900cruzeiros e não discutiu suficiente e abertamente com a população e com os interessados. O que fez, foi apenas com base numa justificativa de que em breve os combustíveis iriam aumentar, assim como os salários dos funcionários das empresas, aumentar as passagens em 80%.
– E como o PT faria a estatização, com que dinheiro? E como ficam as empresas de transporte de carga em São Paulo?
– Não será fácil conseguir a estatização. Mas é possível. Para se ter uma ideia, a CMTC gastará este ano, com a compra de mais de 1.000 ônibus, cerca de Cr$ 330 bilhões. Em recente levantamento efetuado, se conseguiu apurar que as empresas particulares de São Paulo têm um patrimônio de pouco mais de Cr$ 360 bilhões. Mesmo assim, achamos que deve ocorrer um processo de quatro anos para se configurar essa estatização. Em relação as empresas de transporte de carga, temos informações que mais de 70% do transporte de cargas é feita pelo modo rodoviário е que o transporte de cargas, se não me engano, possui 37% da frota nacional. E um grande movimento. Em São Paulo, como o planejamento não é adequado, os horários de distribuição de carga e coleta coincidem com os picos dos horários de ônibus e isso é uma dificuldade. Quanto aos terminais, que são a possibilidade para que as transportadoras possam atuar sem causar problemas para o trânsito e danos as ruas, podem ser construídos. Agora, se o Governo tiver que conceder terrenos de sua propriedade, ou facilitar, deverá exigir dos empresários uma contrapartida. Não concordamos com pressão de grupos privados para empréstimos a juros subsidiados. Pretendemos racionalizar os transportes como um todo e aplicar o dinheiro da melhor maneira possível. É o que propõe o partido.
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