Ano: 1554
Entradas e Bandeiras
Durante as primeiras décadas da colonização, a ocupação do território ficou concentrada nas faixas litorâneas. Os primeiros pontos de estabelecimento de ocupação e povoamento português foram o litoral e o planalto paulista (MESGRAVIS, 2019, p. 21).
As entradas paulistas, expedições determinadas pela Coroa portuguesa que respeitavam os limites do Tratado de Tordesilhas, partiam do litoral para o interior do continente. Dessa forma, portugueses e indígenas nativos escravizados aproveitavam as rotas já abertas desde antes da colonização para a passagem das tropas, mulas e carros de bois.
Acampamento de Bandeirantes.
Representação em desenho, s/d. Autor anônimo.
Acervo digital da Biblioteca Nacional.
Com a ampliação desses caminhos e a ocupação dessas terras, aos poucos foram surgindo povoados, que se tornaram vilas e, depois, cidades. As entradas possuíam um sentido de descobrimento de tais territórios, para o controle das suas fronteiras e a exploração de seus potenciais econômicos.
A crise do sistema açucareiro e o descobrimento da prata em Potosí estimularam o imaginário dos colonizadores que, na esperança de encontrar metais preciosos no interior da colônia portuguesa, organizaram suas expedições.
Um dos grandes incentivadores desse processo foi Dom Francisco de Souza, sétimo governador do Brasil e Marquês das Minas. Sob sua organização, aconteceram as bandeiras de André de Leão e de Nicolau Barreto, às quais se seguiram muitas outras, particulares, na busca por ouro ou visando a escravização de indígenas para o cultivo da terra.
O historiador Boris Fausto afirma que as bandeiras foram a grande marca deixada pelos paulistas na vida colonial. Estas expedições lançaram-se em direção a Minas Gerais, Goiás, Mato Grosso e regiões onde se localizavam as aldeias de índios guaranis organizadas pelos jesuítas espanhóis (FAUSTO, 2006, p. 94). Assim, os bandeirantes chegaram até o oeste do Paraná, entre os Rios Paranapanema e Iguaçu.
A partir desse traçado geográfico das rotas, é possível perceber a diferença crucial entre as entradas e as bandeiras: estas não respeitavam o Tratado de Tordesilhas e, portanto, foram responsáveis pela ampliação do território até então colonizado pelos portugueses. Veja um mapa das entradas e bandeiras clicando aqui.
Apesar de as primeiras incursões no território brasileiro terem começado oficialmente no século XVI, foi no século seguinte que aconteceram as grandes expedições bandeirantes. Uma das mais conhecidas foi chefiada por Raposo Tavares, que percorreu, entre 1648 e 1652, um roteiro de 12 mil quilômetros (FAUSTO, 2006, p. 96).
A expedição de Raposo “[…] caminhou em direção ao Paraguai até os contrafortes dos Andes, seguiu depois no rumo nordeste atravessando o atual Estado de Rondônia, para depois descer os Rios Mamoré e Madeira e, pelo Amazonas, chegar afinal a Belém” (FAUSTO, 2006, p. 96).
Manuel Borba Gato (1649-1718) também é lembrado como importante bandeirante e descobridor de minas. Tendo iniciado suas atividades com o sogro, o bandeirante Fernão Dias Paes, Borba Gato fez parte de uma expedição realizada entre 1674 e 1681 em busca da mítica serra de Sabarabuçu, em Minas Gerais, imaginada pelos exploradores como uma jazida rica em esmeraldas e prata.
Os bandeirantes são lembrados por terem descoberto o ouro das Minas Gerais, na década de 1690. Entretanto, não há um consenso na historiografia sobre quem teria sido o bandeirante responsável por descobrir a primeira jazida de ouro.
João Ramalho, Manuel Preto, Manuel de Campos Bicudo, Domingos Jorge Velho, Francisco Dias Velho, Antônio Dias de Oliveira são alguns dos muitos homens que realizaram incursões para a conquista, controle, defesa e prospecção do território brasileiro. Essa “aventura” misturava-se a objetivos econômicos e à captura atroz de indígenas nativos.
Os bandeirantes são frequentemente caracterizados como “heróis” em documentos oficiais, interpretação reproduzida por muitos livros didáticos e textos sobre a história do Brasil. Tal interpretação, porém, oculta a face devastadora das incursões que chegaram a dizimar tribos inteiras, causando a morte de milhares de indígenas.
Monumento aos bandeirantes.
Obra do escultor Victor Brecheret inaugurada durante as comemorações do IV Centenário da cidade de São Paulo, em 1953.
Segundo Boris Fausto, o espírito aventureiro e desbravador dos bandeirantes foi exaltado por historiadores como Alfredo Ellis Jr. e Afonso Taunay (2006, p. 97), cujas narrativas foram responsáveis por estimular uma apreciação positiva dos bandeirantes, destacando inclusive a superioridade racial, qualidade também atribuída à sociedade paulista do século XVII.
Essa compreensão romântica reflete-se em inúmeros monumentos, estradas, avenidas e até escolas que levam o nome dos desbravadores. Em sua tese, a antropóloga Thaís Chang Waldman (2018) ressalta que a “figura histórica” dos bandeirantes é fruto de uma invenção da metrópole que os próprios bandeirantes ajudaram a construir. Nesse sentido, desnudar os sentidos e as histórias por trás dos monumentos e narrativas produzidas sobre esses homens é fundamental para reconstruir o passado colonial brasileiro.
Sobre a relativa independência das bandeiras, Boris Fausto afirma que, apesar de os bandeirantes não possuírem um comportamento “subserviente” à Coroa portuguesa, seus interesses não estavam completamente desvinculados das pretensões coloniais. “De um modo geral, a busca de metais preciosos, o apresamento de índios em determinados períodos e a expansão territorial eram compatíveis com os objetivos da Metrópole” (FAUSTO, 2006, p. 97).
Assim, por meio de viagens que, inegavelmente, foram responsáveis pela formação geográfica, política e social do Brasil, os bandeirantes ocuparam espaços antes reservados aos espanhóis e alteraram o sentido da colonização brasileira.
Referências Bibliográficas:
ANDRADE, Manuel Correia de. Formação territorial e econômica do Brasil. Recife: FUNDAJ/ Editora Massangana, 2003.
FAUSTO, Boris. História do Brasil. São Paulo: Edusp, 2013.
MESGRAVIS, Laima. História do Brasil Colônia. São Paulo, Contexto: 2019.
WALDMAN, Thais Chang. Entre batismos e degolas:(des) caminhos bandeirantes em São Paulo. 2017. Tese de Doutorado. Universidade de São Paulo.