Gerhard Hoffmann-Becking – De olho no futuro

Publicada originalmente na Revista BR n. 270 – maio de 1989

Ser indicado para a presidência da maior fábrica de veículos comerciais do grupo Daimler-Benz, fora da Alemanha, constitui um privilégio que apenas poucos executivos, no mundo inteiro, podem saborear.

Exatamente por isso a nomeação de Gerhard Hoffmann-Becking para o comando da Mercedes-Benz do Brasil, em substituição ao empresário Werner Lechner, convidado para integrar a diretoria-geral da matriz depois de oito anos de Brasil, foi recebida com expectativa. O que pouca gente sabia, contudo, é que há quase um ano Hoffmann-Becking vinha se preparando para o cargo, praticamente “escondido” na sede da empresa, em São Bernardo do Campo. Foi ali, e não na Alemanha, que ele pôde se inteirar com calma dos problemas que enfrentaria no futuro, além de repensar as estratégias que adotaria quando assumisse o posto e até dedicar parte do tempo ao estudo da língua portuguesa – que hoje ele domina com relativa tranqüilidade.

Formado em Ciências Juridicas nas universidades de Wuerzburg, Freiburg e Muenster, onde se especializou em direito econômico alemão e internacional, Hoffmann-Becking está há vinte anos na Daimler-Benz.

Depois de acumular passagens por vários cargos, notadamente na área de pessoal, na sede da empresa em Stuttgart, em 1976 ele assumia a direção comercial da fábrica de Duesseldorf, onde são produzidos utilitários e caminhões leves.

Mais tarde, em 1982, Hoffmann-Becking foi nomeado para o mesmo cargo em outra unidade do grupo: a fábrica de Mannheim, especializada na montagem de ônibus e motores veiculares.

Antes de decorrido um mês da divulgação de seu nome para o posto de presidente da Mercedes-Benz do Brasil, Gerhard Hoffmann-Becking recebeu Brasil Transportes para uma conversa, na qual expôs suas idéias e revelou parte de seus planos.

BT – Depois de vinte anos dentro da Daimler-Benz, o senhor chega ao posto de presidente da mais importante fábrica externa do grupo, dentro do segmento de ônibus e caminhões. Essa responsabilidade não o assusta?

Gerhard – Sem dúvida a responsabilidade é grande e o desafio, enorme. Contudo, acho que os acionistas deviam ter suas razões quando se decidiram pelo meu nome. Particularmente, acredito que 20 anos de formação dentro da Daimler-Benz, em postos de responsabilidade bem elevada, influíram bastante para que eu tenha sido escolhido para o posto.

BT – Na Alemanha, o senhor já tinha conhecimento das condições políticas e econômicas que iria enfrentar no Brasil?

Gerhard – Sim. Apesar de o Brasil ficar a mais de dez mil quilômetros da Alemanha, sempre estivemos bem perto economicamente e em termos de informações, porque aqui se encontra a filial mais importante do grupo. Quando surgiu a perspectiva de eu vir trabalhar no Brasil, meu interesse em conhecer as condições politicas e econômicas brasileiras aumentou ainda mais.

BT – O que o senhor mais conseguia aprender nesse seu primeiro ano de Brasil?

Gerhard – Deu para entender um pouco a cultura, o sentimento do povo, e suas reações – que são bem diferentes da cultura alemã. Mas fundamentalmente esse estágio serviu para eu reconhecer que este país, este povo, oferecem tantas surpresas no dia-a-dia que esse aprendizado não tem fim. Segundo compatriotas que estão aqui há mais tempo, todos os dias se descobrem novidades.

BT – Na condição de diretor comercial na Alemanha, o senhor certamente nunca precisou conviver com taxas de inflação ao redor de 30%, como vinha ocorrendo antes do Plano Verão. Como reage um executivo europeu tendo de planejar o futuro de uma empresa em bases tão instáveis?

Gerhard – Sem dúvida esse é um grande desafio. Sobretudo porque não podemos contar sequer com um índice que reflita a inflação real ou que sirva de parâmetro para evitar conseqüências danosas. Muitos empresários preferem trabalhar em dólares e convertem tudo para essa moeda. Outros se baseiam no marco, e assim por diante. Mas tudo isso causa problemas porque você nunca tem segurança sobre o amanhã. Com uma simples medida provisória do governo, a moeda brasileira pode ficar valorizada ou desvalorizada, jogando por terra toda uma estratégia montada. Assim, é difícil estabelecer um horizonte claro. O que se pode fazer é tentar minimizar conseqüências, nada mais do que isso.

BT – Do ponto de vista do desempenho, dos resultados, como é vista a filial brasileira da Mercedes-Benz, em comparação a outras subsidiárias?

Gerhard – Felizmente, a MBB sempre foi considerada uma boa filha. Prova da confiança em nosso desempenho é o investimento programado para os próximos cinco anos, algo em torno de 500 milhões de dólares ou US$ 150 milhões por ano. Em que pesem as dificuldades pelas quais passamos atualmente, a matriz vê com bons olhos o desempenho da filial brasileira.

BT – Quais as perspectivas que o senhor vê para a economia brasileira e em especial para o mercado interno de caminhões, diante do momento econômico e político por que passa o Brasil?

Gerhard – Se levarmos em conta que a população brasileira cresce a uma proporção de 2% ao ano, fica fácil concluir pela necessidade de a economia crescer na mesma proporção ou até mais do que isso. O país não pode sobreviver sem o canal do crescimento. É uma necessidade fundamental, que deve ser acompanhada do crescimento da produção de caminhões. Sem caminhões, nada progride num país como o Brasil.

BT – Em termos concretos, a Mercedes trabalha com uma perspectiva de recessão ou de desenvolvimento?

Gerhard – De maneira geral, nós achamos que 1989 e 1990 não serão anos de uma boa conjuntura, o que não significa que haja declínio bruto da produção, uma verdadeira recessão. Depois de alcançarmos uma produção global em torno de 54 mil unidades, no ano passado, acreditamos que vamos chegar à casa das 50 mil este ano. Isso, contudo, é uma forma de estagnação e não de recessão. Temos esperança de que, passado esse período de dois anos, vamos voltar a crescer de forma satisfatória.

BT – Em que medida essa retração atrapalha os planos da Mercedes, levando em conta a renovação da linha que vem sendo implementada?

Gerhard – Um plano de renovação de modelos exige um planejamento de seis a sete anos e outros 15 de realização. Isso significa que um prazo máximo de dois anos não vai mudar essa situação. Por outro lado, o plano de lançamento dos nossos produtos interliga todas as áreas, do planejamento à produção. Se considerarmos que praticamente, hoje, vivemos em função desses lançamentos, fica fácil concluir que é muito mais econômico manter os prazos originais que protelá-los.

BT – Sempre se acreditou no crescimento do mercado dos caminhões pesados, em substituição aos médios. De 1980 para cá, no entanto, o que se viu foi um decréscimo na produção dos pesados. Quais os entraves que limitam a expansão desse segmento?

Gerhard – Acreditamos que esse setor irá crescer na medida em que o Brasil começar a raciocinar em termos de sistemas de transporte. Não é apenas a grande distância que estimula a utilização do caminhão pesado, mas também a otimização da distribuição de cargas, como ocorre na Europa. Esse é um sistema que já vem se estabelecendo no Brasil e a Mercedes, enquanto produtora de veículos, vai acompanhar essa evolução.

BT – Na disputa por esse mercado, a Scania, e mais recentemente a Volvo, já tomaram a dianteira, mediante a oferta de veículos mais atualizados tecnologicamente. A MBB não corre o risco de perder a participação nesse segmento?

Gerhard – Acho que não. Nossa linha atual continua sendo uma boa alternativa, como os Volvo e os Scania. Tanto assim que temos uma boa parcela do mercado, vamos defendê-la a todo custo e até brigar por sua ampliação. Isso se dará, certamente, com o lançamento da nova linha de pesados em 1990.

BT – Muito se fala na maior integração entre os modais do transporte. A seu ver, o Brasil estaria vivendo o fim da supremacia do caminhão?

Gerhard – Acho que o caminhão tem seu papel natural dentro do progresso do país. Na medida em que a logística da distribuição passa a ter uma importância cada vez maior, você não pode imaginar uma solução sem o caminhão. A menos que você não se preocupe com o nível de serviço oferecido. E esse é nosso objetivo: oferecer alternativas de transporte especializado, levando em conta rapidez e menor custo. Isso significa que na via do progresso vamos chegar a um ponto em que os sistemas de transporte estarão interligados, sem prejuízo de um ou de outro, como já vem acontecendo na Europa.

BT – Quais as principais diferenças entre o transportador brasileiro e o europeu?

Gerhard – Comparar os dois é difícil. O Brasil é um continente e a população está concentrada nas grandes cidades. Além disso, aqui as rodovias são bem diferentes das existentes na Europa. É claro que há alguns traços semelhantes entre as duas realidades. Em São Paulo, por exemplo, existe uma combinação tão densa entre os modais como na Europa, da mesma forma como já começam a surgir os primeiros sistemas integrados de transporte. Então, é muito difícil comparar, embora eu acredite que chegaremos a esse estágio de desenvolvimento.


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