Ano: 1864 – 1870

Guerra do Paraguai

Ocorrida entre os anos de 1864 e 1870, a Guerra do Paraguai, também conhecida como Guerra da Tríplice Aliança, foi um conflito travado entre Argentina, Brasil e Uruguai, de um lado, e Paraguai, do outro.

Existem inúmeras versões que buscam compreender as causas e as consequências do conflito. As mais tradicionais, como a que perdurou durante muitas décadas no Brasil, retrata Solano López, presidente do Paraguai entre os anos de 1862 e 1870, como um megalomaníaco. Movido por um ímpeto imperialista, Solano é visto por essa versão como o principal responsável por uma guerra cujos efeitos foram devastadores para o Paraguai, um país em vias de modernização na segunda metade do século XIX.


Francisco Solano López. Presidente do Paraguai. 1860. 

Essa versão é especialmente consolidada pelos discursos oficiais e nos livros didáticos brasileiros. Nas celebrações que rememoram a Guerra, exaltam-se os heróis, principalmente o Duque de Caxias, e os feitos, como a Batalha do Riachuelo e a capitulação da Fortaleza de Humaitá, que marcaram a vitória do Brasil e da Tríplice Aliança (FAUSTO, 2006).

Já no Paraguai, foi construída uma historiografia oposta, sobretudo ao longo do século XX. Segundo Boris Fausto, o conflito é visto, naquele país, como uma agressão de vizinhos muito mais poderosos. Vale destacar que tal versão serviu, durante as décadas passadas, para glorificar o ditador Alfredo Stroessner, chefe do Partido Colorado e tido como um “continuador das obras do general Bernardino Caballero, fundador do partido, em 1887, e oficial de confiança de Solano López” (FAUSTO, 2006, p. 208).

Mais recentemente, surgiram duas novas correntes de interpretação. Uma delas, estabelecida entre as décadas de 1960 e 1970, buscou interpretar a Guerra do Paraguai a partir dos impactos da exploração imperialista por parte da Inglaterra, sendo essa a causa principal do conflito entre os vizinhos da América do Sul.

Já uma última corrente, surgida entre as décadas de 1980 e 1990, compreende que a guerra foi produto não só da influência do capitalismo inglês, mas das relações entre os países envolvidos e das características de formação dos Estados-nação da região (FAUSTO, p. 209).

Para entender a Guerra, portanto, é crucial compreender a formação dos novos países independentes durante o processo de descolonização da região. A partir de 1810, em menos de 15 anos, os quatro vice-reinos do império espanhol fragmentaram-se em 18 novos países. Já o Vice-Reino do Rio da Prata fragmentou-se em Chile, Uruguai, Paraguai, Bolívia e as Províncias Unidas do Prata.

Segundo Vitor Izecksohn, o processo de descolonização do império espanhol desarticulou também as rotas de comércio, fazendo eclodir uma série de guerras que fragmentaram o poder e as antigas formas de administração colonial. Além disso, a formação dessas nações refletiu, em grande medida, o conflito entre setores separatistas e unionistas (IZACKSOHN, 2009, p. 387-388).

“Como é fato bem conhecido, a independência das ex-colônias espanholas não redundou de imediato na construção de estados ou nações. As forças centralizadoras em cada país persistiram na busca do controle territorial por parte dos novos centros políticos estabelecidos. Na região do Prata esse impasse ultrapassou o período das independências, estendendo- se até a década de 1870. A Guerra do Paraguai, também chamada de Guerra da Tríplice Aliança, Guerra Grande ou Maldita Guerra, foi capítulo importante desse processo. E dramático, tendo cada país pago alto preço em vidas, dívidas e dissensões internas” (Idem, p. 388).

A formação da República Argentina, por exemplo, aconteceu depois de muitos entraves e disputas entre as correntes unitárias e federalistas. Boris Fausto (2006) explica que os unitários representavam principalmente os comerciantes de Buenos Aires que defendiam um modelo de Estado centralizado sob o comando da capital do antigo Vice-Reinado espanhol.

Assim, os setores comerciais, por intermédio do porto de Buenos Aires, local fundamental para manter as relações entre os países e o fomento da comercialização, poderiam assegurar não só o comércio exterior argentino, mas lucrar com os impostos alfandegários sobre os produtos importados (Idem, p. 210).

Já o Uruguai tornou-se independente em 1828, depois de uma série de disputas entre as Províncias Unidas do Prata e o Brasil pela navegação do Rio da Prata e dos Rios Paraná e Paraguai. Sua independência foi apoiada pela Inglaterra, que tinha interesse em assegurar a estabilidade na navegação pelo estuário do Prata. O processo, porém, foi fruto das disputas entre os blancos, compostos sobretudo por elites rurais, herdeiros da tradição espanhola, e os colorados, comerciantes e simpatizantes de ideias liberais (idem, ibidem).

Por sua vez, o Paraguai obteve sua independência em 1811, num processo marcado pelo encaminhamento de medidas autônomas em relação às demais nações sul-americanas. Na verdade, a composição social do país, majoritariamente integrada por uma população mestiça, descendentes de espanhóis e indígenas que utilizavam o guarani como língua oficial, favoreceu, na visão de Vitor Izecksohn, um sentimento de identidade nacional próprio. Em grande parte, essa situação fez com que a população se opusesse às tentativas de controle social e político impostas por Buenos Aires, a antiga capital do Vice-Reinado (2009, p. 389).

As rivalidades foram aprofundadas com o bloqueio naval imposto ao Paraguai pelo governo de Juan Manuel de Rosas, a partir de 1814, e que perdurou até 1852. Essa medida neutralizou qualquer possibilidade de navegação e, portanto, de transporte dos produtos produzidos pelo Paraguai e dos produtos importados, bloqueando o desenvolvimento econômico e o crescimento interno do país.

Com isso, o Paraguai foi levado a empreender uma série de deliberações para avançar de forma autônoma em relação aos outros países da região. As práticas encabeçadas por José Gaspar Rodriguez de Francia (1776-1840) voltaram-se à expropriação de terras e a condutas altamente protecionistas, além da perseguição de portenhos e peninsulares.

Para Boris Fausto, o governo de Francia não foi capaz, como defende parte da historiografia, de conduzir políticas progressistas. Por outro lado, refletiu as contradições entre um país que precisava se modernizar para sobreviver, mas reciclava antigas práticas coloniais, como o uso da mão de obra escrava ou de prisioneiros (FAUSTO, 2006, p. 211).

A formação desses países deixa em evidência outro elemento crucial para entender a Guerra do Paraguai: a Bacia do Prata no desenvolvimento da economia e dos negócios da região. De acordo com Vitor Izecksohn, ela foi a principal via de comércio fluvial entre Buenos Aires e as minas de Potosí, bem como uma área prioritária dos contatos entre os impérios português e espanhol durante o período colonial (2009, p. 387).

Dados do Comitê Intergovernamental Coordenador dos Países da Bacia do Prata mostram que a região compreende os países do Paraguai, Uruguai, Argentina, Bolívia e Brasil. Ela abrange, atualmente, uma população de mais de 3 milhões de habitantes, sendo 100% dos paraguaios, aproximadamente 90% dos uruguaios e 80% dos argentinos (CIC, s/d). Os rios que formam a Bacia são o Paraná, com 4.352 km de extensão, o Paraguai (2.459 km) e o Uruguai (1.600 km).

O conjunto da Bacia do Prata e de sub-bacias, como as do Paraguai, do Paraná e do Rio Uruguai, faz com que o estuário do Prata seja o maior do mundo, medindo 256 km de extensão. Vale lembrar que um estuário se caracteriza justamente por ser um ambiente aquático de transição entre um rio e o mar, o que facilita, evidentemente, o acesso às rotas marítimas. Por isso, não é equivocado afirmar que o estuário não era apenas uma via de transporte fluvial, mas também marítimo.

Devido à importância da Bacia do Prata para o comércio, a navegação e estabilidade das fronteiras entre as antigas colônias portuguesa e espanholas, a região foi palco de uma série de disputas antes dos processos de descolonização que marcaram a América. A partir do século XIX, a relação entre o Brasil e os países oriundos da desagregação do antigo Vice-Reino do Rio da Prata seria fundamental para manter as rotas de comércio e estabelecer a liderança da geopolítica da região.

Com o objetivo de afirmar sua hegemonia na região e garantir a unidade de seu território, o Brasil buscou manter uma relação de proximidade com Buenos Aires. Após sua independência, apesar dos conflitos entre unionistas e separatistas, a Argentina continuava desempenhando um papel central no controle do comércio e do desenvolvimento econômico da Região Sul. “Temia-se a unificação do país que poderia se transformar em uma República forte, capaz de neutralizar a hegemonia brasileira e atrair a inquieta província do Rio Grande do Sul” (FAUSTO, 2006, p. 211).

Mas, ao contrário do esperado, o foco de tensões que suscitou o início da Guerra do Paraguai não consistiu nas relações frágeis entre Brasil e Argentina, e sim nas relações entre Brasil e Uruguai. Antes da sua independência, o Uruguai tinha feito parte do território do Rio Grande do Sul e, por esse motivo, grande parte dos estancieiros gaúchos recusava-se a reconhecer a existência de uma fronteira entre ambos os países (IZECKSOHN, 2009, p. 392).


Militares brasileiros na Guerra do Paraguai. 1869. Acervo Digital da Biblioteca Nacional. 

A partir de 1862, com a ascensão dos blancos ao poder, iniciou-se uma campanha de nacionalização das fronteiras uruguaias, o que implicava na imposição de taxas para os brasileiros que residiam na região, além do controle de gado e escravos que circulavam entre os países (idem, ibidem).

A situação agudizou-se um ano depois, quando teve início uma guerra civil entre blancos e colorados – estes apoiados pelo Império brasileiro. O passo seguinte foi dado com a intervenção brasileira no Uruguai, em agosto de 1864, em apoio aos colorados, além da decretação do bloqueio naval do Porto de Paysandú, instaurado em águas anteriormente neutras do Rio da Prata.

A intervenção brasileira representou o abandono das negociações diplomáticas e foi a gota d’água para o governo paraguaio, naquele momento presidido por Solano López, que havia se oferecido para mediar diplomaticamente a situação. No entanto, na avaliação de Izecksohn, o Paraguai não considerou o fortalecimento dos estados nacionais brasileiro e argentino na hora de decidir pela declaração de guerra.

Se, por um lado, o Brasil já desempenhava um papel econômico e político de destaque na região, a Argentina, por sua vez, tinha iniciado um programa de modernização que coadunava com a unificação da República e a ascensão de Bartolomeu Mitre, a partir de 1862. Apesar das disputas iniciais entre grupos internos que divergiam sobre a unificação do país, Mitre conseguiu apoio de líderes provinciais, que foram estimulados pela possibilidade de progresso material e desenvolvimento econômico. Essa situação deixa clara, segundo Izeckson, uma situação de estabilidade nacional que asseguraria a adesão da Argentina entre os aliados contra o Paraguai.

“O governo paraguaio preconizava o respeito ao equilíbrio de poder na Bacia do Prata. O desprezo brasileiro foi visto como afronta a esse equilíbrio, só passível de ser respondida pela guerra. Nesse cálculo, o governo paraguaio contava com o apoio de alguns caudilhos e com o suporte de oligarquias dissidentes que se opunham a Buenos Aires. López contava sobretudo com a cooperação do chefe político de Entre Rios, Justo José de Urquiza (1801-1870), apoio que jamais se materializou, uma vez que Urquiza, gradualmente, aceitou as novas regras e os procedimentos estabelecidos na Argentina, postura seguida por outros líderes regionais. Finalmente, o ditador paraguaio também esperava que a presença de escravos e o separatismo gaúcho comprometessem a capacidade operacional do Exército brasileiro. O problema com esses cálculos é que estavam baseados na situação internacional anterior, não levando em consideração as modificações ocorridas na região, que diminuíram as possibilidades de apoio dos paraguaios em caso de guerra” (IZECKSOHN, 2009, p. 394).

Esse período foi marcado, portanto, pela ofensiva do Paraguai o Uruguai e os colorados apoiados pelo Brasil. Em resposta ao bloqueio naval imposto pelo governo de Pedro II, apreendeu-se, no Rio Paraguai, o navio mercante Marquês de Olinda, que conduzia o presidente recém-nomeado da Província de Mato Grosso, o que causou o confisco da mercadoria e a interrupção por via marítima das ligações entre aquele território e o resto do Império. A esse fato, seguiu-se o rompimento das relações diplomáticas entre os dois países (FAUSTO, 2006, p. 212).

Solano invadiu, em seguida, a província argentina de Corrientes, inviabilizando, portanto, as possibilidades de uma aliança com as elites locais. Segundo José Murilo de Carvalho, o erro estratégico de Solano López abriu espaço para a cooperação entre Brasil, Argentina e Uruguai contra um Paraguai que permaneceu isolado até o término da Guerra, oficialmente declarado em 1870.

A Assinatura do Tratado da Tríplice Aliança, de maio de 1865, é considerada pela maioria dos historiadores como o símbolo de uma guerra e de uma aliança improváveis. Isso porque o contexto da época mostrava que as rivalidades envolviam muito mais os aliados entre si (Brasil – Argentina – Uruguai), do que propriamente o Paraguai, relativamente isolado nas questões concernentes à região. Esse fato deixava claro que a derrota do Paraguai seria apenas uma questão de tempo.

A Guerra foi marcada por batalhas importantes, responsáveis por causar perdas econômicas e humanas profundas, principalmente para o Paraguai. Em contrapartida, apesar das baixas sofridas e dos impactos econômicos, a superioridade dos aliados confirmou a posição de hegemonia do Brasil na geopolítica da região.

Exemplo disso foi a Batalha do Riachuelo, ocorrida em 11 de junho de 1865, na qual a Marinha do Brasil, sob o comando do almirante Tamandaré, derrotou com grande vantagem a marinha paraguaia em território argentino (FAUSTO, 2006). Bloqueou-se, assim, qualquer possibilidade de o Paraguai e seus efetivos acessarem o exterior pela navegação através do Rio Paraná.


Cópia do original de Victor Meirelles: a Batalha Naval do Riachuelo. Dim. 2,00m x 1,15m. Autor: Oscar Pereira da Silva (1867-1939). 

O Paraguai contava com uma linha defensiva em terra bastante efetiva, que foi capaz de aguentar anos de combate. Ainda em 1865, as forças paraguaias invadiram o Rio Grande do Sul, sendo pouco depois derrotadas. Apesar da derrota do Paraguai em solo brasileiro, importa admitir que a falta de uma estratégia militar concreta dos contingentes aliados não lhes permitiu aproveitar as consequentes vantagens, o que prolongou o conflito.

Um exemplo disso foi a Batalha de Tuiuti, ocorrida em maio de 1866. Sob o comando do general Manuel Luís Osório, travou-se a maior batalha campal da Guerra, cujo objetivo era tomar a Fortaleza de Humaitá. Apesar da superioridade militar, os aliados não conseguiram derrotar completamente os contingentes paraguaios, sofrendo, em seguida, um revés em Curupaiti.

A nomeação do Marquês de Caxias – Luís Alves de Lima e Silva –, em outubro de 1866, foi um divisor de águas na Guerra. O fato é atribuído, segundo Boris Fausto, também às pressões do Partido Conservador, ao qual o marquês era filiado, frente às incertezas da guerra. Em 1868, Caxias também assumiu o comando das forças aliadas, diante da retirada de Mitre para resolver problemas de instabilidade interna na Argentina que poderiam comprometer seu governo e a unidade da Aliança.

Segundo Vitor Izecksohn (2009, p. 408), o diferencial de Caxias foi unir conhecimento e experiência – adquiridos na repressão aos conflitos separatistas do período da consolidação da unidade nacional do Brasil – a talentos políticos, essenciais para o entendimento com os comandantes dos exércitos aliados. Além disso, Caxias acreditava que a reorganização dos contingentes do Exército Brasileiro dependia de tempo para o treinamento e preparação dos efetivos, principalmente dos grupos formados por soldados não profissionais, voluntários recrutados para a guerra, sem experiência no uso de armas de fogo e entrincheiramento.

“Caxias concentrou-se na tarefa de dotar o exército de uma infraestrutura adequada. Só então partiu para a ofensiva. Humaitá capitulou em agosto de 1868, e em janeiro de 1869 os brasileiros entraram em Assunção” (FAUSTO, p. 216).

Foi com o comando de Caxias, também, que as forças brasileiras passaram a ser organizadas segundo padrões mais eficientes e desenvolvidos do ponto de vista estratégico e logístico. Dentre suas ações, destaca-se a reorganização dos corpos (unidades), o que conferiu uma estrutura hierárquica mais efetiva a grupos com origens e objetivos tão distintos (VAZ, 2005).

Além disso, Caxias investiu em armamentos, dentre os quais as armas de “alma raiada”, ou seja, aquelas que utilizam cartuchos de munição com projéteis unitários – revólveres, garruchas, pistolas, carabinas, fuzis etc. Essas armadas foram utilizadas em substituição ao armamento de pederneira, cujo carregamento era pela boca. Caxias ainda fez uso, pela primeira vez, de balões aerostáticos para espionagem e mapeamento do território, o que facilitou a movimentação dos contingentes em território estrangeiro.

Sobre esse importante personagem da história da Guerra do Paraguai vale um parêntese. Luís Alves de Lima e Silva nasceu em 25 de agosto de 1803, na fazenda São Paulo, em Vila de Porto da Estrela, Capitania do Rio de Janeiro, quando o Brasil era Vice-Reino de Portugal. O local de seu nascimento agora é o Parque Histórico Duque de Caxias, na cidade homônima, na Baixada Fluminense do estado do Rio de Janeiro (EB, 2018).

Aos 15 anos, matriculou-se na Academia Real Militar, onde foi promovido a Tenente, em 1821, para servir no 1º Batalhão de Fuzileiros, unidade de elite do Exército do Rei. Esse foi o início de uma carreira marcada por êxitos militares e conquistas no campo da política.


Fotogravura de Luís Alves de Lima e Silva, o Duque de Caxias, patrono do Exército Brasileiro.

Em fins da década de 1830, Caxias foi escolhido para pacificar a Província do Maranhão que, durante o período regencial, havia sido palco de uma série de conflitos contra a centralização do poder. Após campanha exitosa, recebeu uma promoção a Tenente-Coronel, em 1837, e foi nomeado, em 1839, Presidente da Província do Maranhão e Comandante Geral das forças em operações.

“Em 18 de julho de 1841, em atenção aos serviços prestados na pacificação do Maranhão, foi-lhe conferido o título nobiliárquico de Barão de Caxias. Em 1841, Caxias é promovido a Brigadeiro e, em seguida, eleito unanimemente deputado à Assembleia Legislativa pela Província do Maranhão e, já em março de 1842, é investido no cargo de Comandante das Armas da Corte” (EB, 2018, s/p).

Em São Paulo e Minas Gerais, em princípios da década de 1840, Caxias também atuou como pacificador, contendo as insatisfações liberais contrárias ao governo imperial recém-estabelecido de Pedro II. Em 1852, depois de apaziguar as tensões entre o Brasil e o governo de Manoel Uribe, no Uruguai, recebeu o posto de Tenente-General e a elevação ao título de Marquês de Caxias.

Sua maior consagração, porém, veio na década de 1860, depois que, já nomeado Comandante-Chefe das Forças do Império em operações contra o Paraguai, e efetivado Marechal-do-Exército, conseguiu reorganizar as tropas da Tríplice Aliança e capitular as forças paraguaias. Como retribuição pelo seu trabalho na Guerra, Caxias teve seu título nobiliárquico elevado a Duque em 1869 – fato inédito, visto que Caxias foi o único brasileiro a se tornar Duque, o título mais prestigiado entre a nobreza e o mais importante da hierarquia nobiliárquica.

Voltando à Guerra do Paraguai, cabe salientar outro aspecto importante e decisivo para o êxito dos países aliados: o emprego da engenharia militar. De acordo com o pesquisador Braz Batista Vaz, a engenharia foi aliada num momento em que se fizeram necessários avanços em ações que, antes, eram improvisadas pelas tropas da Tríplice Aliança.

Dentre os avanços promovidos pela utilização da engenharia, ressalta-se, principalmente, a possibilidade de mapear o território, localizando espaços favoráveis para a construção de estradas, pontes, trincheiras e fortificações (VAZ, 2005, p. 6-7).

Com isso, foi possível melhorar não só o transporte, mas o abastecimento e a manutenção das tropas e dos equipamentos. Nesse sentido, confere-se grande importância ao Rio Paraguai e, especialmente, ao Rio Paraná, cruciais para o transporte e abastecimento de gêneros alimentícios, armas, munições e contingentes para os acampamentos militares da Tríplice Aliança (VAZ, 2012).

De acordo com Maurício Braida do Amaral, apesar de as fontes descreverem genericamente o plano logístico de transporte de materiais e pessoas, é possível considerar que o Rio Paraná desempenhou um papel de “eixo de suprimento fundamental da força brasileira”. Cabia à Marinha Imperial, portanto, a navegação por aquelas águas e a tarefa de transportar tudo o que fosse necessário, além de promover o deslocamento das tropas mobilizadas em todo o país até as regiões de conflito na fronteira entre Paraguai e Brasil (2017, p. 8).

Apesar dos avanços elencados anteriormente, a Guerra deixou marcas em todos os países envolvidos no conflito. Segundo José Murilo de Carvalho, para o Paraguai a situação foi mais drástica, visto que mais ou menos a metade de sua população foi dizimada, sobretudo homens (2012). Não à toa, ao final do conflito, resistiram velhos e até crianças entre as linhas de frente de Solano.

“O Paraguai saiu arrasado do conflito, perdendo partes de seu território para o Brasil e a Argentina e seu próprio futuro. O processo de modernização tornou-se coisa do passado, e o país se converteu em um exportador de produtos de pouca importância. Os cálculos mais confiáveis indicam que metade da população paraguaia morreu, caindo de aproximadamente 406 mil habitantes, em 1864, para 231 mil em 1872. A maioria dos sobreviventes era de velhos, mulheres e crianças” (FAUSTO, p. 216).

Na Argentina, a guerra tornou impopulares as pretensões de Mitre, que teve que abandonar o comando das tropas para retornar ao país e resolver a instabilidade interna. O mesmo aconteceu no Uruguai, com Flores, posteriormente assassinado, apesar de que o país conseguiu consolidar suas fronteiras, resolvendo os problemas com os estancieiros do Brasil.


Pelvilain, Julio, ca. 1795-1871. ¡Viva La Legion Militar!: Toma de la Loma Valentina por los aliados. El 27 de Diciembre 1868. Buenos Aires [Argentina]: Lit. de Julio Pelvilain, 1871. Acervo Digital da Biblioteca Nacional. 

Já para o Brasil, apesar da vitória e da posição geopolítica privilegiada, os impactos econômicos foram desastrosos. “As despesas públicas cresceram em mais de mil por cento. O governo viu-se forçado a aumentar impostos, emitir moeda e contratar empréstimos internos e externos no valor de 76 mil contos de reis. O custo total da guerra foi calculado pelo governo em 614 mil contos, cerca de US$ 49 milhões” (CARVALHO, 2012, p. 106).

Em termos humanos, a Guerra do Paraguai expressou as contradições do sistema escravista ainda vigente no Brasil. Sem um exército profissional de recrutamento regular, os primeiros contingentes enviados para a Guerra faziam parte da Guarda Nacional, cujos membros eram recrutados aleatoriamente, sem receber treinamento adequado para conflitos desse porte. Em meio às necessidades da Guerra, o governo imperial encaminhou medidas para estimular o alistamento no corpo dos chamados Voluntários da Pátria.

A questão do recrutamento para o exército sempre foi um problema para o Império, discutido muito mais em âmbito local do que nacional. Isso implicava que qualquer mudança no sistema de recrutamento pudesse ser considerada uma medida de intervenção imperial. Além disso, durante o século XIX, o recrutamento recaiu, basicamente, sobre as populações vulneráveis e pobres desprotegidos, como desempregados, migrantes, criminosos, órfãos e desocupados. Isso passava a imagem de um exército desprestigiado e fora dos planos de carreira profissional para membros de classes menos vulneráveis da sociedade brasileira (IZACKSOHN, 2009, p. 398).


Soldado paraguaio preso por oficial brasileiro. Paraguai: [s.n.], [entre 1865 e 1870]. Acervo Digital da Biblioteca Nacional.

De acordo com Braz Batista Vaz, entre as fileiras do exército, no contexto da Guerra do Paraguai, havia entre 17 e 18 mil homens, ainda que se saiba que, na realidade, esse contingente tenha sido bem mais baixo, o que revela o déficit de homens nas frentes de batalha.

Além dos recrutados oficialmente, fizeram parte da estrutura de guerra os membros da Guarda Nacional e os integrantes dos corpos de voluntários, formados por grupos com origens, motivações e finalidades bastante distintas, como milícias regionais e parte da Armada Imperial (VAZ, 2005, p. 3).

Num contexto de guerra, no qual se exigem contingentes maiores de combatentes, o Império conseguiu implementar algumas medidas que promoveram a rápida ampliação do Exército. Uma delas foi a criação dos corpos de Voluntários da Pátria, cuja estratégia foi fazer do Exército um lugar sem diferenças sociais, aceitável para os brasileiros, independentemente de suas classes sociais.

“Afluíram voluntários de várias partes do território, chegaram donativos de diferentes grupos sociais, incluindo imóveis, dinheiro, serviços e escravos, que eram libertos sob a condição de servir. A perspectiva de uma guerra curta, que se definiria a partir de algumas batalhas decisivas, motivara a maioria dos voluntários, que partiam para o que acreditavam ser aventura breve, oportunidade de conhecer realidades diferentes de suas cidades e vilas. Motivava-os também a promessa de terras, empregos públicos e pensões, feita aos Voluntários da Pátria” (IZACKSOHN, 2009, p. 399).

Além de ganhos econômicos, o governo recorreu também à alternativa de barganhar alforria aos escravos que se alistassem entre os contingentes. Mas nem sempre foi assim. Izecksohn explica que, no começo da campanha contra o Paraguai, escravos e libertos foram alistados no Exército e na Marinha também pela força, por doações ou até mesmo quando escravos fugidos se apresentavam como homens livres (2009, p. 405).

Somente em 1866, diante da necessidade de ampliar os contingentes, Pedro II tomou a decisão de libertar um número mais expressivo de escravos. Assim, decidiu-se libertar, primeiro, os escravos da nação; depois, os escravos de conventos e ordens religiosas. Num terceiro momento, o governo imperial estimularia a venda de escravos de particulares, que seriam comprados pelo próprio governo e cuja função seria sua integração ao Exército (idem, ibidem).

Na visão de Vitor Izecksohn, porém, tais medidas não signficavam a intenção do governo de desapropriar escravos nem de manter um exército formado por cativos. Pelo contrário, ele buscava a cooperação de senhores e religiosos por meio de um apelo “patriótico”, que poderia também servir à estabilidade do Império e à união da nação contra um inimigo comum. Basicamente, a resposta a esse chamado, por parte de proprietários e senhores, dependeu de uma contrapartida que foi justamente a compra dos escravos pelo governo (IZECKSOHN, 2009, p. 406).

Com isso, entre os mais de 139 mil combatentes da Guerra, existiram aproximadamente 4 mil negros libertos brasileiros (CARVALHO, 2012, p. 107). Sua presença, no entanto, lembrava que, apesar da alforria, suas famílias continuavam vivendo em regime de escravidão no Brasil.

Além disso, internamente, as correntes abolicionistas pressionavam o governo imperial: se era tão conveniente e simples conceder alforria aos negros que se alistassem na Guerra, por que era tão complexo abolir totalmente o sistema escravocrata?

Politicamente, a Guerra foi decisiva para encaminhar a crise no Segundo Reinado. Um fator importante desse processo foi a mudança do gabinete no pós-Guerra. Preocupado em manter-se alinhado aos militares vitoriosos, Pedro II compôs um novo gabinete dando o poder aos membros do Partido Conservador, dentre eles o Marquês de Caxias. A mudança, porém, não agradou aos liberais e progressistas, que dominavam a Câmara naquele momento e que acusaram a medida de “golpe”, apesar das atribuições do Poder Moderador do qual gozava Pedro II.

A vitória na Guerra também suscitou mudanças profundas na estruturação do corpo militar no Brasil. A partir da década de 1880, um novo espírito, construído durante o período bélico, foi se firmando e abrindo espaço para duas tendências. Uma delas, atrelada aos contingentes vitoriosos de alta patente da Guerra do Paraguai, buscava maior participação política. A segunda, emanada dos efetivos militares voluntários, lutava por melhores condições profissionais e econômicas no exercício de suas profissões dentro do Exército.

A Guerra do Paraguai expressou ainda as contradições da formação dos Estados-nação nos pós-independência. Ela revelou os conflitos internos das tendências unionistas e separatistas entre os países emanados do antigo Vice-Reino do Rio Prata. Além disso, trouxe à tona as marcas de um passado de exploração colonizadora espanhola e portuguesa, numa região dividida não só por aspectos econômicos e políticos, mas também sociais e étnicos.

Outro aspecto fundamental da Guerra do Paraguai foi transparecer a relevância do controle e do acesso às vias de navegação e comercialização fluvial, além das questões de fronteira, na região da Bacia e do estuário do Prata. Nesse sentido, o Império brasileiro buscou consolidar sua posição e exercer influência em uma área estratégica para o desenvolvimento social e econômico do país.

Referências Bibliográficas:
AMARAL, Maurício Braida do. A logística do exército imperial brasileiro na guerra da Tríplice Aliança contra Solano López. Anima Educação. 2017.
CARVALHO, José Murilo de. A vida política. In: CARVALHO (org.). A construção nacional: 1830-1889. Volume 2. Rio de Janeiro: Objetiva, 2012.
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EXÉRCITO BRASILEIRO. Departamento de Educação e Cultura do Exército. Centro de Estudos de Pessoal e Forte Duque de Caxias. A Vida de Duque de Caxias. 2018. Disponível em: http://www.cep.eb.mil.br/a-vida-de-caxias.
FAUSTO, Boris. História do Brasil. São Paulo: Edusp, 2006.
IZECKSOHN, Vitor. A guerra do Paraguai. In: GRINSBERG, Keila; SALLES, Ricardo. O Brasil Imperial, volume lI: 1831-1870. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2009.
VAZ, Braz Batista. Considerações sobre logística na Guerra do Paraguai. ANPUH – XXIII SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA – Londrina, 2005.
_______________. Aspectos “logísticos” da Guerra do Paraguai – 1864-1870: algumas considerações. Arquivo Ana Lagoa. UFSCAR, 2012.