José Carneiro de Gusmão Lacerda – Fretes inadequados descapitalizam as empresas rodoviárias de carga

Publicada originalmente na Revista BR n. 61 – agosto de 1969

O sr. José Carneiro de Gusmão Lacerda, presidente da Associação Nacional das Emprêsas de Transportes Rodoviários de Carga, em entrevista à “Gazeta Mercantil”, de São Paulo, atribui aos fretes inadequados a maior parcela de descapitalização das emprêsas rodoviárias de carga.

Foram as seguintes as perguntas formuladas por aquêle diário, acompanhadas das respectivas respostas.

1- Pergunta: verdade que está ocorrendo uma perigosa descapitalização das emprêsas rodoviárias de carga e dos carreteiros em geral, devido à inadequação dos fretes?

Resposta: Tal como ocorre em qualquer atividade privada, sujeita ao regime de livre concorrência, o transporte rodoviário de carga encontra-se diante de um problema que só poderá ser resolvido com o sistema de “permissão” oficial para sua exploração, em condições realmente econômicas e dentro de rigorosa regulamentação.

O enfraquecimento de outros sistemas de transportes carreou para o rodoviário de carga contingentes cada vez mais expressivos na movimentação do nosso mercado de trocas. Esta procura dos serviços das emprêsas de transporte rodoviário resultou, nos últimos anos, na “descoberta” de uma atividade que se afigurava muito promissora. Como resultado veio a proliferação das organizações de transporte e a pronta absorção pelo mercado do serviço que ofereciam, uma vez que êste era – como de resto ainda o é – o mais eficiente. Contudo, o surgimento indiscriminado de emprêsas, sem qualquer controle por parte do Poder Público provocou a reversão do fenômeno: a oferta de carga até bem pouco tempo superior à capacidade das emprêsas, acabou por ser superada pela oferta de serviços. Sem contar com instrumentos legais que protegessem seus interêsses e antes de tudo preservassem um sistema tão importante para a circulação de bens em nosso País, ou talvez até mesmo por despreparo de certos dirigentes – registre-se que a atividade é muito nova – viram-se as emprêsas de transportes envolvidas numa política competitiva de preços perigosa até mesmo para sobrevivência de muitas delas.

Deve ser chamado à ordem como co-responsável, também certo tipo de usuários do transporte rodoviário de carga, que agindo com irresponsabilidade vêm provocando a concorrência de preços entre organizações de níveis diferentes entregando para transportadores inabilitados técnica e econômicamente, cargas de elevado valor apenas e tão somente porque destes receberam ofertas de tarifas inferiores, marginalizando em sua concorrência organizações outras que, por apresentarem lastro patrimonial e garantias mais condizentes com a responsabilidade da atividade exercida, possuem efetivas condições de responder, em qualquer situação, pelo que lhes é confiado e, por isto mesmo, são obrigadas a solicitar remuneração mais em consonância com o verdadeiro custo operacional.

Nesta disputa absurda, todos perdem, inclusive os carreteiros e a descapitalização já é uma realidade que não pode ser ignorada. Ameaça a estrutura de muitas emprêsas que já vêm tendo seu capital de giro solapado com uma antecipação para o impôsto de renda, descontado na fonte, em total desacôrdo com o que seria aceitável.

2- Pergunta: A regulamentação do transporte rodoviário de carga poderia melhorar a situação relevante? Até que ponto?

Resposta: Não pode haver dúvida que a regulamentação deverá corrigir parcialmente esta situação. Entretanto, a maior responsabilidade estará dividida entre o empresário e o usuário do sistema. O primeiro encarando com mais realismo o problema do custo operacional e os riscos da descapitalização e o segundo, conscientizando-se de que sendo patente que apenas o transporte rodoviário de carga possui condições de atender convenientemente aos seus interesses, deve escolher melhor a emprêsa e não apenas promover concorrências de preços, nas quais os únicos itens considerados sejam as tarifas.

Confiamos na regulamentação e ela está prestes a ser transformada numa realidade. Mas é preciso que as emprêsas de transportes tenham condições de superar as dificuldades do momento e subsistir até que ela, a regulamentação, possa apresentar resultados realmente positivos.

3- Pergunta: V. Sa. que tem uma experiência de mais de 45 anos no setor de transporte de carga poderia apontar os caminhos pelos quais o Brasil conseguiria superar as suas atuais dificuldades e caminhar celeremente para a integração de todos os sistemas?

Resposta: Segundo informa a publicação “Lista de reajustamentos, licitações, impôsto único, planos quadrienais e Conselho Nacional de Transporte”, o transporte interno de carga no País cresceu durante o decênio de 1950 a 1960 à taxa média anual cumulativa de 8,8%. Prevê-se que em 1970 a demanda total do transporte interno de carga no País será da ordem de 2,5 vêzes a quantidade de trabalho executado em 1960.

A projeção para 1970 do crescimento da demanda em cada meio de transporte autoriza prever a seguinte participação para os diversos sistemas:

Rodoviário……..78,1%

Aquaviário……..12,7%

Ferroviário……..8,7%

Aeroviário e Dutos……..0,5%

De tal forma predomina o transporte rodoviário de carga sôbre os demais que se torna extremamente difícil cogitar-se da integração dos diversos sistemas.

A nosso ver, torna-se necessário ultrapassar a atual fase de expectativa com vistas nos resultados das importantes medidas que o Governo Federal vem tomando no sentido de reequipar nossa Marinha Mercante, nossos portos, e eliminar os déficits ferroviários. Só então será possível, analisadas as condições do momento, voltar ao assunto.

4- Pergunta: V. Sa. pode nos apontar porque um caminhão, carregado do sal, saindo da região salineira do Rio Grande do Norte, pode entregar o produto aqui em São Paulo por um preço mais barato do que o navio? Seria porque as tarifas rodoviárias estão em níveis inadequados ou por problemas fiscais?

Resposta: Isto constitui para nós, do transporte rodoviário de carga, uma verdade até certo ponto lamentável. Êste tipo de carga é o que normalmente se classifica como “grandes massas a grandes distâncias”, melhor dizendo, carga de característica ferroviária e/ou marítima.

Êste transporte só vem sendo feito pelo rodoviário diante de um fenômeno peculiar às linhas de transporte rodoviário para o Norte/Nordeste: o desequilíbrio do fluxo de retorno, em relação à carga de ida. Para não voltarem vazios, os caminhões trazem até mesmo êste tipo de carga e, o que é pior, por qualquer preço.

5- Pergunta: Até que ponto os transportadores rodoviários terão condições para resistir à descapitalização do setor? Se não houver uma melhoria substancial das tarifas, o setor poderia entrar em colapso ou a tendencia é absorver os custos e continuar a desenvolver as atividades em regime normal?

Resposta: Nem uma coisa, nem outra. A Revolução de 1964, que acertadamente vem corrigindo e disciplinando distorções que se verificavam em outras atividades econômicas, oferecendo-lhes condições de sobreviver a crises, que em alguns casos chegaram a ser muito mais penosas do que a atualmente vivida pelo transporte rodoviário de carga, voltou seus olhos para as dificuldades do transportador, quando, pelo Decreto-Lei 121 determinou a regulamentação geral dos transportes rodoviários. Uma comissão foi encarregada de elaborar o anteprojeto desta legislação.

Desta comissão participou também a Associação Nacional das Emprêsas de Transportes Rodoviários de Carga – NTC – que teve, assim, oportunidade de levar a experiência dos operadores do sistema ao projeto de diploma legal que regerá nosso trabalho em futuro muito breve.

Estamos certos que o govêrno saberá compreender e aplicar as regras indispensáveis ao aprimoramento do transporte rodoviário de carga, dando a êle condições de continuar sendo no futuro, tal como tem sido nas últimas décadas, o grande instrumento de penetração, colonização e progresso para o nosso País.


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