José Roberto Sampaio Campos – “Temos que acabar com as fronteiras”
Publicada originalmente na Revista BR n.288 – novembro de 1990
No início da década de 70, quando José Roberto Sampaio Campos concluiu seu curso de engenharia mecânica na Faculdade de Engenharia Industrial (FEI), de São Paulo, e foi trabalhar no departamento de manutenção da Mesquita Transportes, o momento era de euforia nas exportações brasileiras. Naqueles tempos, mal poderia ele imaginar, contudo, o quanto o comércio exterior ainda influenciaria sua vida profissional. Passados quase 20 anos, Campos continua no ramo. Hoje, como vice-presidente da Mesquita, e com olhos voltados às operações realizadas entre o Brasil e os países vizinhos. Mas, como homem de transportes, enxergando muito além.
Desde o final de 1988, José Roberto Sampaio Campos é o coordenador da Comissão de Operações de Transportes Internacionais (Cointer), da NTC. E, desde maio de 1989, ocupa a presidência da Associação Latino-Americana de Transportes Rodoviários (Alatac).
Como nada acontece por acaso, Campos só assumiu essas atividades depois de vivenciar de perto as dificuldades enfrentadas pelo transporte internacional dentro da própria Mesquita. A empresa, que opera nessa área desde 1981, enfrentou inúmeras barreiras, inclusive a própria autorização especial para o tráfego internacional, concedida somente em 1987.
Os problemas surgidos nesse longo processo de concessão do documento, por outro lado, serviram para aproximar Campos de outros transportadores internacionais. E, dessa convivência, surgiu a decisão de reativar a Alatac, criada no ano de 1965, mas que nunca havia conseguido manter uma atuação constante.
Foi sobre os planos da Alatac que girou a conversa da redatora Marli Prado com José Roberto Sampaio Campos. Aliás, iniciada momentos depois do entrevistado acabar de ler os jornais com a notícia sobre o acordo de maiores facilidades nas relações comerciais, firmado entre Brasil e Argentina.
Brasil Transportes – Até a sua indicação para a presidência da Alatac, a atuação da entidade era, praticamente, inexpressiva. Por qual motivo isso ocorria?
José Roberto Sampaio Campos – O principal motivo foi a distância entre os países. E não a distância no sentido geográfico. Mas. principalmente. a distância em função das dificuldades do transporte. Além disso, deve ser considerado a existência de um mercado fechado. Ou seja, um grupo muito pequeno, operando o sistema de transportes entre os países.
BT – E quando surgiu a idéia de reativar a Alatac?
Campos – Na 15ª reunião dos ministros de Transportes e Obras Públicas do Cone Sul, em novembro de 1988, na cidade de Canela, nos pudemos ver que realmente o transporte internacional passaria a interferir no transporte nacional de cada país. Por outro lado, o projeto europeu de integração, abriu os olhos dos transportadores sul-americanos.
BT- E como a Alatac foi reestruturada?
Campos – Realizamos uma reunião em Florianópolis, em junho de 1989, onde aprovamos estatutos e elegemos uma diretoria por dois anos. Essa diretoria, de acordo com os estatutos, foi composta por um presidente e mais um ou dois vice-presidentes de cada país – um no setor de cargas e outro no de passageiros. A partir daí, a Alatac começou a participar de reuniões técnicas sobre protocolos específicos da área de transportes -como o protocolo 14 – e de acordos bilaterais entre governos.
BT – Muito se critica a burocracia nas fronteiras. Quais são as propostas concretas para superar esse problema?
Campos – O fundamental é que o caminhão deve ser tratado como qualquer meio de transporte. Não podendo ser responsabilizado porque um determinado participante da operação de transporte não cumpriu com a sua tarefa. Nos já apresentamos sugestões aos ministérios da Fazenda e da Infra-Estrutura, no sentido de que se libere efetivamente o caminhão da burocracia de fronteira.
BT -E como ficaria o funcionamento dessas barreiras, segundo as propostas da Alatac?
Campos – Veja bem: o imposto de importação não tem uma representatividade na arrecadação do País. Ele é simplesmente uma taxação política. Acredito mesmo que seja um imposto negativo, pois tem um custo maior que sua arrecadação. Não tem sentido você aumentar custo quando a idéia é integrar.
BT – Qual seria o maior entrave para resolver problemas como esses?
Campos- O maior entrave para superar isso é a necessidade de uma mudança de mentalidade no sistema aduaneiro do Brasil. Infelizmente. muitas decisões tomadas em Brasília, demoram a chegar nas fronteiras. As vezes são necessárias intervenções diretas do secretário da Receita Federal. Porém, passados alguns dias, as coisas voltam à sua rotina normal e aos aumentos de custos. É fato altamente conhecido o processo de perda de carga nas fronteiras em função dessas paralisações e da necessidade de se mexer na carga para verificá-la. E tudo feito em lugares inadequados. Nós temos que criar uma sistemática em que a carga flua independente do processo documental. Carga é um problema de logística; documento é um problema de arrecadação.
BT – E que tipos de problemas poderiam surgir com a liberação de fronteiras proposta pelo novo acordo entre Brasil e Argentina?
Campos – Nós teremos um período de transição muito perigoso em termos de atividade comercial. No presente momento, o que se vê no tráfego, principalmente entre Brasil e Argentina, ć uma situação bastante difícil para as empresas que estão operando. A entrada de novas empresas nessas operações poderá criar uma situação muito perigosa. Mas. achamos altamente saudável a entrada delas no sistema.
BT – Em relação às diferenças existentes nas normas de dimensões e pesos dos veículos, o que poderia ser feito?
Campos – Eu acredito que a solução está muito mais em medidas políticas do que técnicas. A minha idéia é que permaneçam as normas hoje adotadas em cada um dos países. Depois disso, deve ser feito um estudo integrado comparando as rodovias, as técnicas de construção, para chegar-se a um acordo sobre dimensões e pesos ideais. A minha preocupação é que se tem buscado soluções muito imediatistas.
BT – E quais seriam os projetos a médio e a longo prazo?
Campos – Devem partir de uma análise do continente como um todo. Nós precisamos pensar em como ele vai se portar em relação ao transporte com o restante do Globo.
BT – Quais seriam os maiores desafios nesse processo de integração?
Campos – É necessário que o latino, de uma forma geral, entenda que a fronteira não é aquela que consta do mapa. Isso não é mais uma realidade. As nossas fronteiras foram expandidas pelos meios de comunicação, e hoje não existe mais essa fronteira física. As fronteiras físicas já não existem mais, aqueles que ainda pensam dessa maneira são pessoas realmente com uma mentalidade tremendamente ultrapassada. Os problemas de nossa esfera local refletem em distantes locais do mundo. Eu sou tão igual a qualquer latino-americano quanto a um brasileiro. Essa é a mensagem que temos passado dentro da Alatac.
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