Ladair Pedro Michelon – A expansão da carga frigorífica
Publicada originalmente na Revista BR n. 256 – março de 1988
Certamente o filho de imigrantes italianos Carlos José Michelon, de São Marcos, Rio Grande do Sul, não imaginava, ao comprar uma carroça e duas mulas, há mais de meio século, que estava plantando a semente da Rodoviário Michelon, hoje a maior empresa especializada em transporte de carga frigorífica do Brasil. Sua “frota”, que chegou a três carroças, seria substituída, em 1937, por um pequeno caminhão. Assim, os três filhos – Lauro, Ladair e Dorneles – desde cedo “sentiram o cheiro da gasolina” e se iniciaram na arte de dirigir caminhões.
De caminhoneiros a empresários, eles protagonizaram o que a revista Status apropriadamente denominou de “A Saga dos Michelon”. Aos 15 anos, Ladair fez sua primeira viagem de longa distância, transportando uma mudança de São Marcos para uma cidade do norte do Paraná. Quatro anos depois, transportaria sua primeira carga para São Paulo. Agora, além de dividir a administração da empresa com seus irmãos, preside a Associação Brasileira de Transportadores Frigoríficos (ABTF) e é vice-presidente extraordinário da Associação Nacional das Empresas de Transportes Rodoviários de Carga (NTC).
Com simplicidade, Ladair conta que sempre sentiu fascínio pelo transporte frigorífico, e que a entrada dos Michelon nesse segmento se deu em 1967, com o aluguel de carretas da Sulinpesca, uma empresa por eles adquirida mais tarde. Desde 1969 a Rodoviário Michelon atua no transporte internacional e seus caminhões chegam à Argentina, Paraguai, Uruguai, Chile, Bolívia e Peru. No mercado interno, a Michelon atinge todas as capitais, transportando principalmente frutas, hortigranjeiros e produtos industrializados.
As duras tarefas de caminhoneiro e o sucesso como empresário não obscureceram o espírito humanista de Ladair Michelon. Entre outros gestos de solidariedade humana, ele foi o primeiro a colocar seus caminhões à disposição das autoridades da Defesa Civil e de entidades assistenciais para o transporte de donativos, quando as chuvas castigaram Santa Catarina e durante a recente inundação do Rio de Janeiro. Não um ou dois veículos, mas quantos lhe foram solicitados.
Com 49 anos, casado, um filho e três filhas, Ladair Michelon gosta de, aos sábados, acolher no rústico galpão ao estilo gaúcho, que mandou construir junto aos escritórios da empresa, no bairro de Vila Maria, em São Paulo – amigos, transportadores e clientes para a degustação de impecáveis churrascos à moda dos pampas. E foi com a mais autêntica hospitalidade gaúcha que ele recebeu Brasil Transportes para esta entrevista.
BT – O senhor assumiu, em 1987, a presidência da ABTF e, em janeiro deste ano, foi nomeado vice-presidente extraordinário da NTC para Assuntos de Transporte Frigorífico. Quais os seus planos para a ABTF?
Michelon – A atual diretoria está procurando reestruturar a ABTF, e isso passa, inicialmente, por algumas alterações em seus estatutos, já em andamento. Também contratamos Horst Denny, um experiente executivo da área do transporte rodoviário de carga para a função de secretário executivo. Ele se encarregará do dia-a-dia da Associação, permitindo à diretoria traçar as diretrizes gerais de atuação da entidade e tomar as decisões pertinentes. Essa divisão de atribuições – necessária, desde que os diretores são empresários e têm de cuidar dos seus negócios, de suas empresas – permitirá à ABTF cumprir os seus objetivos com mais eficiência. Outra providência que já tomamos foi alugar um conjunto de salas para o funcionamento da entidade, que não dispunha de uma sede.
BT – Quantas empresas atuam no segmento de carga frigorífica e qual o número de associadas à ABTF?
Michelon – Eu calculo que existam em operação, hoje, de 120 a 150 empresas especializadas, mas à época de minha eleição apenas 22 eram filiadas à ABTF. Um dos nossos objetivos é aumentar o quadro social, mas para que isso ocorra a entidade precisa ser mais dinâmica, mais atuante. As mudanças começaram há dois meses, e, até meados do ano, os resultados já serão visíveis, possibilitando a atração de novos associados.
BT – O senhor acredita que o fato de também exercer uma vice-presidência da NTC poderá contribuir para o fortalecimento da ABTF?
Michelon – Não tenho dúvidas quanto a isso. A NTC é a entidade maior do transporte rodoviário de carga e há 25 anos vem atuando na defesa dos interesses do setor. Pode-se afirmar que o transporte rodoviário de carga não seria o que é hoje, em termos de atividade econômica estruturada e organizada, sem a existência da NTC. Não bastasse isso, a NTC conta com uma eficiente estrutura, que representa importante suporte técnico e político para as associações de transportes especializados, como é o caso da ABTF. Assim, quanto maior for a integração da ABTF com a NTC, mas amplas serão as perspectivas de fortalecimento do transporte frigorífico e o setor como um todo.
BT – A Rodoviário Michelon é a única empresa brasileira filiada à Transfigoroute International (entidade sediada na Suíça que congrega empresas e associações de transporte frigorífico de 30 países). O senhor pretende estabelecer laços oficiais entre a ABTF e a Transfigoroute?
Michelon – Atualmente, a nossa empresa representa oficialmente a Transfigoroute no Brasil. Naturalmente, para a ABTF, é interessante filiar-se a essa entidade internacional, sob vários aspectos, entre eles a possibilidade de intercâmbio de informações e experiências. Os transportadores de outros países – europeus, principalmente -, demonstram muito interesse pelo Brasil. Aqui nós operamos o transporte frigorificado em um país de dimensões continentais, sob diferentes condições climáticas, sem contar que levamos cargas também aos países vizinhos, inclusive alguns da região andina. A magnitude de nossa atividade, por si só, já é suficiente para estimular o interesse dos associados e da diretoria da Transfigoroute, ao ponto de até não ser remota a possibilidade da realização de um congresso da entidade em nosso país.
BT – Quando o encontro poderia ser realizado no Brasil?
Michelon – Minha vontade seria de que ocorresse em 1990, durante o Congresso Mundial da International Road Transport Union (IRU), a mais importante entidade do setor rodoviário de carga, a nível internacional e a quem a NTC e a Transfigoroute são filiadas. Em setembro do ano passado visitei a sede da IRU, em Genebra, e da Transfigoroute, em Berna. Nos contatos que mantive com diretores da IRU, senti grande receptividade à proposta de realização de congresso de 1990 no Brasil, posição já confirmada oficialmente pela diretoria executiva da entidade. Agora em abril será tomada a decisão final e tudo indica que será favorável, coroando os esforços empreendidos pelo vice-presidente extraordinário da NTC para Assuntos de Relações Internacionais Thiers Fattori Costa (veja nota na página 8). Como a IRU e a Transfigoroute são estreitamente interligadas, a diretoria da ABTF, com o apoio dos associados, pretende realizar gestões para que a Transfigoroute também promova seu encontro aqui, na mesma época.
BT – Quais as características do transporte frigorífico e quais as maiores dificuldades para a sua operação?
Michelon – O transporte frigorífico é um dos segmentos mais especializados do setor rodoviário de carga, com características muito peculiares. A começar pelos produtos que movimenta e pelos equipamentos que utiliza. Sua operação exige trabalho ininterrupto – 24 horas por dia e plantão nos fins de semana. Afinal, nós transportamos produtos perecíveis, que exigem da empresa prestadora do serviço impecável estrutura operacional, incluindo-se veículos adequados, pontos de apoio bem distribuídos e eficiente manutenção. Essa estrutura só é possível com pesados investimentos e o custo operacional é o mais elevado entre todos os segmentos.
BT – Por que os custos são tão elevados?
Michelon – Isso se deve ao fato de que não utilizamos uma carreta comum. O “baú” frigorificado é construído com poliuretano, material que permite o controle e isolamento térmico. Esse produto é importado e custa caro. Depois, além do consumo de combustível, há o motor que aciona o equipamento de frio. O consumo desse motor equivale ao de um Mercedes 608. Durante o transporte, a carroceria fechada é uma câmara de estocagem – passam-se dez, doze e até quinze dias, como numa viagem a Manaus, e a temperatura tem de ser mantida nos níveis corretos, do contrário a carga se deteriora. Outro aspecto que não se pode esquecer é o custo de manutenção e recuperação do “baú”. Num acidente, o “baú” representa uma perda maior que a do próprio caminhão. Isso explica por que a Rodoviário Michelon mantém, em São Marcos, uma unidade capaz de fabricar e recuperar “baús”.
BT – Quais os outros fatores que afetam o transporte frigorífico?
Michelon – O mais importante é a sazonalidade, que atinge principalmente as empresas de porte menor, que atuam fora de São Paulo, em Estados como Minas Gerais, Mato Grosso e Goiás. A sazonalidade ocorre, por exemplo, no transporte de frutas e da carne, e implica ociosidade de equipamentos caros e especializados, porque não compensa utilizá-los no transporte de carga seca. Para efeito de comparação, seria como usar um caminhão Mercedes para transportar a carga que caberia num fusquinha. As empresas maiores e bem estruturadas não são afetadas pela sazonalidade. No caso específico da Rodoviário Michelon, praticamente não existe esse problema, porque trabalhamos mais com o transporte de produtos industrializados, que têm demanda para o ano todo.
BT – Quais as tendências e perspectivas de expansão do transporte frigorífico no Brasil? O senhor é otimista quanto ao futuro?
Michelon – As perspectivas são de crescimento. Há cerca de três ou quatro anos o segmento vem assistindo a uma importante mudança, representada pelo encurtamento das distâncias em que é utilizado o transporte frigorífico. Inicialmente, as empresas especializadas eram contratadas para o transporte a longa distância e agora são cada vez mais requisitadas para prestar serviços entre localidades mais próximas.
BT – A que se deve essa tendência?
Michelon – Ela resulta de maior conscientização dos usuários – em especial dos grandes distribuidores de produtos alimentares, hortifrutigranjeiros e frutas – quanto às vantagens do transporte frigorífico na preservação da qualidade dos alimentos e quanto às possibilidades concretas que oferece de minimizar ou evitar perdas desses produtos. Na outra ponta, cresce o nível de exigência do consumidor, que pressiona por melhor qualidade. Os usuários, principalmente as redes de supermercados, estão descobrindo que o custo é pouco afetado e, mesmo que haja um pequeno acréscimo, esse acaba sendo compensado. Até recentemente a distância entre São Paulo e Rio era considerada curta, dispensando o transporte frigorífico. Hortigranjeiros, por exemplo, somente eram levados de São Paulo à noite, em caminhões abertos. Esse quadro já está se alterando. A própria Rodoviário Michelon já tem contratos com empresas distribuidoras para o transporte de frutas e hortigranjeiros para o Rio. Uma de nossas clientes é especializada na distribuição de frutas já embaladas, que nós entregamos diretamente a supermercados do Rio, inaugurando a operação de carga frigorificada fracionada.
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