Marcelo Perrupato – Acreditando na Intermodalidade
Publicado originalmente na Revista Brasil Transportes – n. 229 – dezembro / 1985
O secretário-geral do Ministério dos Transportes, Marcelo Perrupato e Silva está à frente do programa de corredores de exportação e abastecimento que deve definir, com a aprovação do ministro Affonso Camargo, a divisão de verbas oficiais por setor.
A atual gestão do Ministério dos Transportes assumiu em meio a uma situação de calamidade, com estradas destruídas pelas chuvas no Norte- Nordeste, além do quadro geral de rodovias que apresenta 12 mil quilômetros de estradas totalmente avariados. Como foi encarado o começo do trabalho?
Uma situação de calamidade, como toda crise, leva ao exercício da inteligência com mais ênfase e dinamismo. O caso do Nordeste foi típico. Os estragos foram excepcionalmente grandes e o tempo para trabalhar muito curto, sob pena de que as ligações rodoviárias do Nordeste com as regiões Sul e Sudeste fossem interrompidas nas próximas chuvas. O Governo Federal, como um todo, assumiu seu papel quanto à questão de alocação de recursos. Entretanto, isso exigiu do Ministério dos Transportes um esforço muito grande de agilização de procedimentos, através de processos expedidos de inspeção, soluções de engenharia e contratação de obras. A experiência me levou à convicção de que temos de caminhar para métodos e processos de contratação de obras e elaboração de projetos bastante diferentes dos atuais, ortodoxos e absolutamente burocratizados. No caso da Belém-Brasília, da BR-316 e 222, duramente castigadas pela chuva, partimos para um rápido cadastramento, levantando soluções de engenharia para os pomos críticos e configurando um projeto que pudesse ser imediatamente colocado em prática, em termos de execução.
Contamos com a colaboração de consultores de reconhecida competência e acionamos empresas que atuam na região, com instalações próximas aos pontos críticos. A dispensa de licitação, prevista em lei para os casos de emergência, não significou preços mais altos, pois o DNER dispõe de um acervo de informações, absolutamente confiáveis, sobre os custos das obras. E assim, pudemos dar início às obras num prazo de 90 dias, desde a primeira visita dos técnicos do DNER para o levantamento dos estragos.
O Brasil é um país eminentemente rodoviarista, embora apresente milhares de quilômetros de rios navegáveis não utilizados e espaços vazios que poderiam ser preenchidos por ferrovias. O que faz hoje o Ministério para reverter a situação?
De fato, as rodovias assumiram um papel preponderante na interiorização do desenvolvimento, em função de uma decisão política de governo. Mas não concordo, em princípio, que o País seja vocacionado primordialmente para as rodovias. A opção deu-se em função da busca de resultados mais rápidos, mais baratos, num período em que a indústria automobilística se instalava no País. Nessa época os preços do petróleo eram insignificantes e a crise energética só apareceria duas décadas depois. Hoje as condições estruturais da economia se modificaram bastante. Existe uma demanda de cargas mais do que suficiente para alimentar o sistema ferroviário, que ganhou mais competitividade relativa. Há cargas à beira dos trilhos, mas que não podem ser transportadas devido a necessidade de recuperar a malha ferrovia na. A RFFSA está diante do desafio hoje de recuperar 8 mil quilômetros de linhas de alta densidade de tráfego, além da recuperação de locomotivas e vagões. É obvio também que se deu pouca atenção ao transporte hidroviário, quase nenhuma. Procuramos, no momento, valorizar a participação das ferrovias e hidrovias no sistema nacional de transportes. Os rios por si só não são hidrovias. São necessários investimentos no balizamento do rio, sinalização e naturalmente uma infraestrutura portuária, bem como a necessária integração com o transporte terrestre.
Concluiremos, ainda este ano, um estudo no sentido de individualizar um organismo exclusivamente voltado para a navegação interior, que hoje se abriga na estrutura da Portobrás e que obviamente tem outras prioridades. Fala-se muito que esta organização seria a Hidrobrás, mas isso nem importa no momento, essa questão do nome. Importa é que seja uma organização moderna e eficiente, que não se crie nenhum gigante estatal. Enfim, procuramos criar as condições para viabilizar o transporte intermodal, que exige basicamente a presença do transporte rodoviário. Em algum segmento da cadeia a rodovia tem que existir, pelo menos nos pontos de coleta e distribuição. Um outro aspecto do problema reside na legislação, que estamos aprimorando agora para removendo todos os obstáculos à integração dos transportes. É o caso do Conhecimento Único de Transportes que esperamos lançar até o final do ano e que se torna indispensável para que se tenha uma única responsabilidade desde a origem das cargas até o seu destino final.
A ferrovia do aço foi iniciada e, hoje, incompleta representa um prejuízo considerável para a Nação. O que falta para ser concluída e de onde poderia sair essa verba?
Realmente em grandes números, pode-se dizer que temos hoje 2 bilhões de dólares investidos na ferrovia do aço, absolutamente sem condições de gerar nenhum benefício para o País. Algo que nos custa anualmente cerca de 240 milhões de dólares perdidos, se considerarmos uma taxa de custo de oportunidade de capital por volta de 12%. O País pode se dar ao luxo, de jogar esse dinheiro pela janela? Essa é a grande questão, que atinge toda a sociedade, pois o prejuízo pesa sobre todos nós. Ainda que o orçamento de 1986 não contemple a continuação da obra, acreditamos ser ela viável, não em sua totalidade, mas no trecho que vai de Jeciaba a Volta Redonda, que significa uma alternativa à linha do centro, no seu segmento de pior traçado e, portanto, de custos mais elevados. Os investimentos necessários para operar esse trecho, com locomotivas a diesel e a necessária superestrutura, mais simplificada, são de 160 a 180 milhões de dólares, menos que o custo de oportunidade anual do capital que lá está inerte. Infelizmente a RFFSA não pode bancar esse investimento, já que está comprometida com a recuperação dá malha ferroviária. Existem sinais, no entanto, de interesse da iniciativa privada em participar do empreendimento, os próprios grandes usuários da linha de centro, por meio de investimentos que pudessem posteriormente serem ressarcidos através de debates em tarifas. O previsível aumento da demanda por minério de ferro, nos próximos anos, pode contribuir positivamente para isso. Uma das grandes mineradoras da região, a MRB, já vislumbra essa perspectiva. Ela transporta hoje cerca de 12 milhões de toneladas pela linha de centro, necessita de transportar mais 2 milhões e espera ampliar suas encomendas em mais 4 milhões de toneladas dentro de 2 a 3 anos. Tais metas, esbarram hoje na impossibilidade da linha de centro atender essa e outras demanda adicionais, que podem atingir até 20 milhões de toneladas/ano. Nesse caso, é mai viável concluir a ferrovia do aço do que ampliar a capacidade da linha de centro. A essa conclusão chegaram os membros, de um grupo de trabalho formado especialmente para estudar o problema. O relatório do grupo foi enviado recentemente ao Presidente da República, foi bem recebido, mas depende ainda de um maior detalhamento dos aspectos operacional e financeiro da empreitada. Quando todos os custos estiverem criteriosamente levantados, o que esperamos num prazo curto, serão encaminhados à Seplan, e só então nos sentaremos à mesa com os setores privados realmente interessados no projeto.
Com relação ao incentivo à intermodalidade qual a divisão de verba por setor para 1986?
Os investimentos que permitirão a intermodalidade não estão destacados de forma autônoma. São investimentos a serem feitos ora pelo setor rodoviário, ora pelo ferroviário, ou pelo hidroviário. A individualização desses investimentos é algo em que estamos trabalhando agora, ao montar o programa de corredores de exportação e abastecimento, com a participação dos principais usuários, dos coordenadores dos corredores e de todas as empresas estatais envolvidas: Portobrás, Rede, Fepasa, Vale do Rio Doce e DNER. Para se operar com o transporte intermodal hoje é necessário dar maior agilidade aos pontos de quebra de carga, na passagem de um meio de transporte para outro. Esse processo de transbordo tem que ser absolutamente eficiente, dinâmico, ou então não consegue competir com o porta-a-porta rodoviário. Temos de investir em terminais de transbordes nos portos brasileiros e nos pomos de integração das rodovias com as ferrovias. Depois de levantar todas essas necessidades, levaremos um estudo ao ministro Affonso Camargo para discutirmos as divisões de encargo. Já sabemos de antemão que muitos desses investimentos são absolutamente viáveis. É o caso, por exemplo, do porto de Pirapora, onde a Rede já tem os trilhos colocados. E a própria Rede, dadas as proporções razoáveis do investimento, teria condições de arcar com os custos para completar a obra, pois significará mais cargas a serem transportadas.
Quanto da dotação orçamentária da Pasta (porcentagem) será gasta anualmente até o final da gestão, para a recuperação das rodovias destruídas?
No ano que vem estaremos alocando para a restauração das estradas cerca de um terço das disponibilidades totais de investimentos consignadas em orçamento. Em números, significa o investimento aproximado de 7 trilhões de cruzeiros, dos 22 trilhões disponíveis. A recuperação dos 30 mil quilômetros de estradas. em mau estado e em estado regular, exigirá, em grandes números, aproximadamente 1,8 bilhão de dólares, baseando-se num preço médio de 60 mil dólares por quilômetro. A prioridade para esse investimento já está assegurada, do ponto de vista de decisão de governo, no atual PND. Se os recursos vierem através da vinculação do Imposto Único, melhor ainda, porque tornaria as coisas mais claras e transparentes, do ponto de vista do usuário, que paga pelo investimento no próprio setor.
O ministro Affonso Camargo deve deixar o cargo no próximo ano para se candidatar a um novo cargo público. O Sr. acha que será possível continuar a desenvolver a política atualmente praticada no setor?
Deixar ou não o cargo será uma decisão do próprio ministro. Mas gostaríamos até que isso não estivesse hoje em di cu são. A experiência das áreas técnicas de trabalhar com q ministro Affonso Camargo é absolutamente alentadora e favorável. Ele tem uma vontade política muito grande de realizar as coisas. Creditamos a ele o sucesso nas definições políticas do setor de transporte, inclusive no aspecto de viabilização de recursos. No entanto, as prioridades do setor são tão evidentes que passam a não depender mais das pessoas. É um problema de vontade nacional. Existe hoje uma canalização de interesses, a tal ponto convergentes, dos diversos segmentos da sociedade, em torno das questões fundamentais do setor, que chegamos a ter a impressão e que ninguém poderá destruir esse processo. Se o ministro Affonso Camargo não tivesse se empenhado de corpo e alma, nessa luta, talvez não tivéssemos essas definições a tão curto prazo.
(*) Secretário Geral do Ministério dos Transportes
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