Ano: 1549

Missões jesuíticas

Os jesuítas chegaram ao Brasil pela primeira vez em 1549, liderados pelo padre Manoel da Nóbrega e organizados pela Companhia de Jesus, ordem criada por Inácio de Loyola na Universidade de Paris, em 1540 (MESGRAVIS, 2019, p. 25).

Além de Nóbrega, outros missionários, como João Azpilcueta, Leonardo Nunes, Antônio Pires, Diogo Jácome, Vicente Rodrigues e José de Anchieta, foram radicados em terras brasileiras, e sua presença na colônia indicava o “significativo crescimento” da congregação (TAVARES, s/d).

A principal missão dos jesuítas era evangelizar os indígenas e educá-los, garantindo sua proteção e o controle de revoltas que atrapalhavam a expansão do projeto colonizador. Naquele momento, o objetivo de expandir o catolicismo no Novo Mundo contra as influências do protestantismo coadunava-se com as pretensões da Coroa portuguesa, visto que a religião era um dos aspectos fundamentais do poder colonial.

A ordem integrava a comitiva do primeiro governador-geral da colônia, Tomé de Sousa. Para atingir os objetivos religiosos, foram construídos locais para a catequização, como colégios e igrejas. Durante o estabelecimento dos jesuítas em terras brasileiras, muitas foram as missões organizadas pelos padres que, em dado momento, violariam as determinações da Coroa e adentrariam as terras do sertão da Capitania de São Vicente (FILHO, 2004, p. 77-78).


Imagem do Patteo do Collegio, construção derivada da fundação original do colégio pelos jesuítas em 1554.


Gravura do Padre Jesuíta José de Anchieta, nascido em 7 de abril de 1534 e
falecido em 9 de junho de 1597.
Fonte: Acervo Digital da Biblioteca Nacional

Apesar de a data marcar oficialmente a fundação da cidade de São Paulo, vale destacar que os colonizadores haviam fundado, em 1553, a Vila de Santo André da Borda do Campo. Depois da chegada dos jesuítas, o local, que de início serviria aos ensinamentos religiosos e da língua portuguesa, se transformaria na Vila de São Paulo e viria a ser a cidade de São Paulo, a maior do Brasil.


Cópia digital do exemplar da “Arte de grammatica da lingoa mais vsada na costa do Brasil”, escrita em 1595 pelo padre José Anchieta.
O livro é um estudo sobre o tupi-guarani, língua falada pelas tribos que habitavam grande parte da costa brasileira conhecida até então.
Fonte: Acervo Digital da Biblioteca Nacional.

O local de fundação do Colégio era o mesmo da Aldeia de Piratininga, “situada em uma pequena colina estratégica entre os rios Anhangabaú, Tamanduateí e Tietê” (MESGRAVIS, 2019, p. 22). De etnia guarani, a aldeia era chefiada pelo chefe indígena Tibiriçá, que, anos antes, havia estabelecido contato com João Ramalho, um português que vivia em terras brasileiras desde o início do século XVI, não se sabe se vítima de um naufrágio ou abandono.

Numa relação de confiança, Ramalho auxiliou Tibiriçá nos conflitos com tribos tupis da região de Piratininga e, segundo Mesgravis (2019, p. 22), convenceu o chefe indígena a não sacrificar seus inimigos de guerra. Os capturados eram, portanto, vendidos como escravos a navegadores, fato que marcou o início do chamado bandeirantismo de apresamento.

Em 1532, a região ainda seria palco de uma expedição portuguesa, chefiada por Martim Afonso de Sousa e seu irmão Pero Lopes de Sousa, cujo objetivo principal era estabelecer um núcleo de povoado permanente na recém-fundada Capitania de São Vicente.

Esse acontecimento marca um debate historiográfico sobre quando exatamente teria acontecido a fundação da Vila que deu origem à cidade de São Paulo e quem estaria à frente daquela empreitada, se os colonos ou os jesuítas.

Para Jaime Cortesão, importante historiador português do século XX (1884-1960), a fundação da cidade de São Paulo coincide com a fundação da Capitania de São Vicente, em 1532, por Martim Afonso, que acreditava estar próxima da bacia platina (FILHO, 2004, p. 78).

Amílcar Torrão Filho explica que, segundo a interpretação de Cortesão, “uma das motivações que levou o donatário a fundar uma povoação serra acima era a intenção de ligá-la a São Vicente por um sistema único de dois portos, um fluvial e outro marítimo e, assim, transformá-los no grande empório, por onde escoasse a riqueza do Paraguai” (CORTESÃO, citado por FILHO, 2004, p. 78).

“São Vicente seria, na verdade, um “porto platino”, importante nos planos do monarca português de alcançar o Rio da Prata desde esse ponto através dos campos de serra acima. Cumprindo os desígnios do rei, Martim Afonso teria enviado seu irmão Pero Lopes de Sousa em expedição “para fundar Piratininga como ponto de partida para o Prata”. Em seu diário, Pero Lopes afirma que seu irmão teria fundado duas vilas, uma no litoral, outra serra acima, à borda de um rio chamado Piratininga […]” (FILHO, 2004, p. 79).

Assim, o historiador português buscou destacar a participação da Coroa e dos colonos no processo de fundação de uma das principais cidades do Brasil e minimizar os feitos da Companhia de Jesus. Essa querela revela as disputas pelo passado histórico do Brasil Colonial e mostra as nuances da formação das identidades e da configuração geográfica de São Paulo.

Os conflitos entre colonos e jesuítas desdobram-se nas narrativas que compõem a historiografia sobre o período. Por um lado, os padres e missionários contam a história da fundação da Vila de Piratininga, bem como de outras missões jesuíticas, em suas cartas e documentos, através do olhar daqueles que desejavam construir sociedades utópicas e imunes aos colonizadores. Por outro lado, os portugueses e administradores locais buscavam reivindicar a fundação do que viria a ser a cidade de São Paulo como um projeto colonial sob o estado português (FILHO, 2004).

Os jesuítas também organizaram missões de aldeamento na Bahia, no sul do Mato Grosso, no Rio Grande do Sul e no Paraguai. Segundo Laima Mesgraves, o objetivo era estabelecer núcleos de indígenas liderados pelos jesuítas em regiões afastadas do controle da Coroa, onde os padres pudessem organizar a catequização e construir sociedades livres dos “vícios europeus” (MESGRAVES, 2019, p. 27).

Amílcar Filho discorda, porém, de que o objetivo dos jesuítas tenha sido construir povoados isolados. “Não era o isolamento que desejavam, mas a criação de um povoado cristão serra acima próximo dos índios do sertão que se acreditava mais suscetíveis à conversão e que fosse próspero o suficiente para atrair colonos cristãos que pudessem servir de exemplo aos catecúmenos” (FILHO, 2004, p. 79).

Seja como for, ao longo dos anos, as motivações e crenças jesuítas colidiram-se com a expansão do projeto colonial. Enquanto, para os portugueses, a utilização da mão de obra escrava era um recurso legítimo do capitalismo mercantilista, para os jesuítas a escravização dos indígenas só seria justificável se motivada pela “guerra justa”. Caso contrário, o aprisionamento dos povos nativos violava a crença de que esses homens e mulheres “puros” poderiam ser salvos através da catequização e da conversão.

Nesse sentido, as relações entre jesuítas, colonos e autoridades da Coroa portuguesa sempre se mostrou contraditória e complexa. Se, num primeiro momento, as pretensões dos jesuítas de povoar o território brasileiro se conciliavam com as dos portugueses, com o passar do tempo, os padres encontraram muitas dificuldades de coadunar seu projeto com os colonos, que, segundo Laima Mesgraves, “queriam escravos e mulheres que pudessem servi-los e satisfazer seus desejos sexuais” (2019, p. 29).

Por fim, os jesuítas, antigos administradores de colégios e protagonistas importantes de um processo de povoamento pelos interiores do Brasil, sofreram com a perseguição das expedições de bandeirantes, que destruíram missões e aldeias indígenas em busca da escravização dos nativos e da conquista do território. Saiba mais sobre o assunto no marco “Entradas e bandeiras”.

Em 1640, os jesuítas foram expulsos de seus colégios em São Paulo, Santos e São Vicente pelos administradores das vilas. No século seguinte, o Marquês de Pombal decretaria a expulsão dos jesuítas de todas as regiões da colônia em 3 de setembro de 1759. Os missionários tiveram que abandonar aldeias, colégios e perderam funções administrativas em todo o território sob o controle de Portugal.

Apesar das diferenças entre os métodos utilizados pelos jesuítas e pelos colonizadores, Amílcar Filho destaca que o objetivo de ambos os grupos era o mesmo: o índio. “Em ambos os casos, é uma face da civilização europeia que está em jogo na conversão do indígena americano” (FILHO, 2004, p. 83).

A empreitada de jesuítas e colonizadores, por conseguinte, resultou na desconfiguração e no desaparecimento de centenas de grupos indígenas, quer pela integração forçada, promovida pela catequização e gradativo esvaziamento das tradições e identidades indígenas, quer pelos conflitos diretos, a escravização e a violência desatada pelos colonos e, especialmente, pelos bandeirantes. Muitos nativos foram perdendo, paulatinamente, suas características físicas e culturais pela miscigenação, outros morreram em guerras ou pelo trato brutal da escravização.

Referências Bibliográficas:

FILHO, Amilcar Torrão. “A cidade da conversão: a catequese jesuítica e a fundação de São Paulo de Piratininga”. Revista USP, n. 63, p. 74-85, 2004.

MESGRAVIS, Laima. História do Brasil Colônia. São Paulo, Contexto: 2019.

MONTEIRO, John Manuel. Negros da terra. São Paulo: Companhia das Letras, 1994.

TAVARES, Célia Cristina da Silva. “Companhia de Jesus. Os Jesuítas no Brasil”. Disponível em: http://bndigital.bn.gov.br/companhia-de-jesus/