Ano: 1889
Proclamação da República
Em “Os bestializados: o Rio de Janeiro e a república que não foi” (2019), o historiador José Murilo de Carvalho aborda o grau de participação e envolvimento popular no processo de construção da República no Brasil.
O anúncio do novo governo, feito na Câmara Municipal do Rio de Janeiro por José do Patrocínio, em 15 de novembro de 1889, não repercutiu entre as classes populares como esperavam os republicanos, que iniciaram a discussão e a construção de um novo sistema como alternativa ao Império desde décadas antes.
Carvalho entende, no entanto, que a baixa adesão popular ao furor dos republicanos naquele 15 de novembro não significou que a República passara despercebida pelas gentes. Pelo contrário, o advento da República no Brasil abriu um debate entre setores importantes da sociedade sobre a cidadania, sobre o problema de uma abolição incompleta e sobre direitos fundamentais, como o de associação e o de voto. Mas esses são temas mais comuns aos primeiros anos da República em si, do que ao processo que levou à sua proclamação, construído anos antes.
De acordo com Renato Lemos (2009), a República não foi inevitável no Brasil. Ao contrário, o historiador argumenta que, tivesse Pedro II recuado em sua política centralista e negociado com os republicanos federalistas, talvez o Império continuasse incontestável por mais algum tempo.
Seja como for, é fato que a Proclamação se constituiu no resultado de um processo gestado desde pelo menos 1870, década que marca a fundação do Partido Republicano Paulista, a expansão do ideário republicano e o agravamento da crise entre os militares e o Império.
Esse processo também se estabeleceu por outras transformações, como as operadas no campo político, social e econômico durante o Segundo Reinado. Sobre elas, cabe destacar o grande impulso econômico conferido pela expansão do café; primeiro, no Vale do Paraíba e, depois, no oeste paulista, durante a segunda metade do século XIX.
Outros setores passaram, igualmente, por modificações, como os dos serviços e transportes. Sobre este último, é importante acentuar que as demandas pela construção de ferrovias para escoamento da produção do café do oeste paulista foram fundamentais para criar um novo setor de investimento e acumulação de capital na economia do país.
Os transportes não só eram o resultado de uma nova economia em ascensão, mas promoviam a integração regional, o aumento da produtividade, a consolidação do Brasil no mercado mundial, e operaram na transformação social e material de todo um conjunto social existente no interior de São Paulo e em outras províncias.
Além disso, a segunda metade do século XIX distinguiu-se por outros acontecimentos importantes, como a Lei de Terras e a extinção do tráfico de escravos, ambas leis de 1850. Esses fatos compuseram o que Lemos chama de “movimento de superação efetiva das estruturas coloniais” (2009, p. 405), no qual também se identifica uma expansão do trabalho livre, a renovação intelectual de vários setores pela influência de teorias – como o liberalismo e o cientificismo –, a imigração europeia e os conflitos entre Estado e igreja.
“Esse desenvolvimento foi especialmente notável na década de 1870, registrando-se a multiplicação dos negócios nas áreas agrícola, comercial e industrial. A evolução do sistema de transportes no sentido das ferrovias; a superação dos arcaicos banguês (uma espécie de padiola, utilizada para transporte) na agroindústria açucareira; a conquista, no oeste da província de São Paulo, de níveis de produtividade bastante superiores aos alcançados nas tradicionais zonas cafeeiras do vale do rio Paraíba; a gestação das primeiras indústrias e a proliferação de organismos de crédito são indicadores de que a economia brasileira se tornava mais diversificada e complexa. Embora a agricultura permanecesse como o principal polo de acumulação de capital, perdia, aos poucos, a condição de campo único e exclusivo de investimentos” (LEMOS, 2009, p. 407).
Manuel Lopes Rodrigues. “Alegoria da República”, quadro pertencente ao acervo do Museu de Arte da Bahia. Domínio Público.
As mudanças operadas na segunda metade do século XIX refletiram na expansão e integração das cidades, causando um crescimento demográfico substantivo, principalmente nas províncias de São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul. Foi nessas regiões que a expansão das atividades econômicas e sociais fez circular novas ideias, influenciando camadas médias mais críticas ao Império e mais propensas a alternativas políticas.
É de suma importância salientar também que, a partir da década de 1870, um outro tema se tornou recorrente no Império: a abolição definitiva da escravatura. Esse processo foi marcado por uma tendência “gradualista” materializada em leis como a do Ventre Livre e a dos Sexagenários, que foram, paulatinamente, concedendo a liberdade aos negros. A abolição definitiva, no entanto, foi postergada devido às pressões das elites rurais proprietárias de escravos que, por motivos óbvios, não apoiavam o fim do regime de escravidão.
A apresentação de um projeto de abolição foi fundamental para aprofundar a crise política do Império. À época, disputavam duas tendências: aqueles que defendiam uma abolição indenizatória e aqueles que pretendiam uma abolição sem indenização aos proprietários.
Em maio de 1888, foi finalmente aprovado o texto do “projeto de Rodrigo Silva, em nome da Princesa Isabel, que se tornaria a Lei Áurea: a abolição da escravidão em todo o território nacional sem cláusula de indenização” (FERNANDES, 2006, p. 182-183).
A nova lei endureceu as críticas ao Império por parte de núcleos fundiários conservadores, como o fluminense. Muitos proprietários sentiram-se lesados com a decisão e engrossaram o rechaço à manutenção da monarquia, ainda que não necessariamente se identificassem com muitas das pautas progressistas do movimento republicano.
Além dos fatores elencados anteriormente, a Proclamação da República está diretamente relacionada a dois fatos: a criação de partidos republicanos em várias províncias e os conflitos crescentes entre o Império e os militares.
Sobre o primeiro, cabe lembrar que, apesar de o manifesto que fundou o movimento republicano ter sido assinado em 1870, desde as décadas anteriores o republicanismo estava sendo assimilado por intelectuais e homens da política no Brasil. Tal discussão foi intensa durante o processo de independência, no qual muitos associavam a ideia de República à da revolução ou de algum tipo de reforma da sociedade (FAUSTO, 2006).
Boris Fausto explica que alguns expoentes do republicanismo da década de 1870, como Lopes Trovão e Silva Jardim, eram defensores de uma revolução popular como caminho para se chegar à República (2006, p. 227).
Essa visão, porém, era minoritária, visto que, apesar das mudanças socioeconômicas ocorridas na segunda metade do século XIX, as elites políticas e intelectuais brasileiras da época ainda eram muito resistentes a qualquer transformação estrutural profunda. Em parte, essa resistência advinha de um interesse geral e local de garantir privilégios. Contudo, havia de fato um medo generalizado em relação à desordem social, num país marcado pela violência escravocrata e a exclusão social de grande parte de sua população.
Nesse contexto e em consequência da crise política causada em 1868, que resultou na derrubada do Gabinete Zacarias e numa cisão interna do Partido Liberal, foi publicado o Manifesto Republicano. Nele, criticava-se “o regime de corrupção e privilégios; as prerrogativas do trono; o centralismo da administração; a ausência das liberdades econômicas, da consciência, de imprensa, de ensino; o sistema representativo limitado etc.” (LEMOS, 2009, p. 413).
A alternativa proposta pelos signatários do manifesto, homens como Quintino Bocaiuva e Joaquim Saldanha Marinho, era a reforma gradual e pacífica da sociedade, cujo objetivo principal era a instalação de uma república federativa e democrática, baseada na soberania do povo e administrada por um governo representativo e responsável (idem, p. 413).
A ideia de uma república federativa refletia a situação social e econômica do país à época. A expansão promovida pelo café no sudeste do país fez consolidar uma classe de produtores que buscava também atuação política, a fim de defender os interesses regionais na política nacional. Em grande medida, a proposta republicana falava mais, portanto, dos interesses de setores de elite de zonas em franco desenvolvimento, do que de um projeto de integração, solidariedade e consolidação nacional.
No Manifesto, lê-se: “A autonomia das províncias é, pois, para nós, mais do que um interesse imposto pela solidariedade dos direitos e das relações provinciais, é um princípio cardeal e solene que inscrevemos na nossa bandeira. O regime da federação, baseado, portanto, na independência recíproca das províncias, elevando-as à categoria de Estados próprios, unicamente ligados pelo vínculo da mesma nacionalidade e da solidariedade dos grandes interesses de representação e da defesa exterior, é aquele que adotamos no nosso programa, como sendo o único capaz de manter a comunhão da família brasileira” (1870, s/p).
Segundo Boris Fausto, a base social do republicanismo nas cidades era formada principalmente por profissionais liberais e jornalistas (2006). No entanto, as ideias republicanas chegaram até os quartéis do Exército, sobretudo entre os mais jovens do Clube Militar do Rio de Janeiro e aqueles que, depois da Guerra do Paraguai, reivindicavam maior participação política e a profissionalização de suas funções.
Vale ressaltar que a influência do manifesto republicano ficou localizada, basicamente, em algumas províncias do país, como São Paulo, onde foi fundado o Partido Republicano Paulista, em 1873, Minas Gerais e Rio de Janeiro. No Norte e Nordeste, a adesão ao movimento foi variada. O Pará organizou o partido em 1886, mas na Bahia, reduto monarquista, a influência republicana ficou restrita aos alunos entusiasmados da Escola de Medicina (LEMOS, 2009, p. 414).
“Província pioneira no abolicionismo, tendo extinto a escravidão em 1884, o Ceará teve seu partido republicano fundado em 1887. Nas províncias do Maranhão, Sergipe, Alagoas, Rio Grande do Norte e Rio de Janeiro, a organização de partidos republicanos só se tornou possível após o fim compulsório da escravidão, que motivou a adesão de escravocratas ressentidos. (…) No sul, o Partido Republicano Rio-grandense foi fundado em 1882, adotando com especial ênfase a vertente federalista do documento. Já o Partido Republicano de Santa Catarina surgiu em 1885, enquanto no Paraná os republicanos não conseguiram superar a fase de organização em clubes” (idem, p. 414).
Homenagem da Revista Ilustrada à Proclamação da República brasileira; Angelo Agostini – Revista Illustrada. Domínio público.
Para Boris Fausto (2006), a novidade da década de 1870, em termos políticos, foi o surgimento de um movimento republicano conservador, tendo o Partido Republicano Paulista (PRP) sido seu principal expoente. Essa tendência dava-se justamente pela ferrenha defesa do princípio do federalismo e por um menor interesse na defesa das liberdades civis e políticas, pauta comum do liberalismo.
As contradições do movimento republicano fizeram surgir duas importantes correntes. Uma delas era a “evolucionista”, que buscava uma implementação gradual da República, baseada principalmente num processo de educação de amplos setores da sociedade, a fim de legitimar o novo sistema (LEMOS, 2009). A proclamação aconteceria apenas após a morte de Pedro II. Tal corrente tinha como expoente Quintino Bocaiuva e era majoritária entre os republicanos.
Já a segunda corrente, denominada “revolucionária”, buscava a implementação da República por meio de métodos diretos para a derrubada da monarquia, incluindo o uso da violência em resposta à ação repressiva do Estado. Essa corrente, minoritária no movimento e representada por Silva Jardim, inspirava-se no jacobinismo francês, apoiando a ampla participação popular na luta pela República (LEMOS, 2006, p. 418).
Um tema importante sobre o movimento republicano é a forma como seus membros se relacionaram com a pauta da abolição da escravatura. Se, por um lado, um setor minoritário defendia a participação popular na construção da República e previa uma mudança estrutural, tanto em termos sociais como econômicos, a grande maioria dos republicanos adotou uma postura conservadora.
Conforme explica Renato Lemos, para a maioria dos republicanos a abolição era menos um problema e mais uma oportunidade política. Apesar de defenderem a mudança nos processos produtivos, em defesa de um capitalismo mais eficiente e que alterasse o mercado de trabalho, sufocavam tendências mais radicais sobre o abolicionismo em troca do apoio de fazendeiros de São Paulo para a causa republicana.
Como se omitiam em assumir a pauta e a resolução do problema, pretendiam que a monarquia decretasse o fim da escravidão a partir de uma política “indenista”, ou seja, que indenizasse os antigos proprietários de escravos pela perda de suas “mercadorias”. Tal postura foi adotada como resultado de um oportunismo político, mas também porque a escravidão tinha sido a base da formação social e da mentalidade das elites brasileiras.
“Os republicanos não conseguiram formular um projeto de fôlego para enfrentar a questão. Ao contrário, procuraram eximir-se dessa responsabilidade, defendendo a tese de que era um problema a ser resolvido pela monarquia e, individualmente, pelas províncias interessadas, de acordo com sua lealdade e com o espírito federalista. Entretanto, apesar de federalistas intransigentes, os republicanos defenderam uma posição unitária em favor dos interesses dos proprietários de escravos, sustentando a bandeira da indenização. Entenderam, também, de forma igualmente unitária, que a abolição deveria ser gradual, de maneira a não provocar um trauma na sociedade” (LEMOS, 2009, p. 417).
Dentre outras razões, explica Lemos, essa postura refletia os interesses dominantes num Brasil ainda escravista, cuja percepção contrarrevolucionária exprimia o medo e os riscos de uma insurgência social entre os negros e abolicionistas, bem como a desordem e o caos.
O ponto de desequilíbrio no projeto republicano gradual foi, sem dúvida, a participação dos militares. As insatisfações geradas entre setores mais jovens e inconformados da corporação foram fundamentais para acelerar a queda da monarquia no Brasil.
Os estranhamentos entre Império e militares aprofundaram-se na década de 1870, principalmente em função das reivindicações gestadas após a Guerra do Paraguai. Durante o conflito, algumas mudanças foram operadas para aumentar o quadro de efetivos enviados à Guerra, o que refletia também o tratamento desigual e o descrédito conferido ao Exército após a criação da Guarda Nacional.
Com a vitória na Guerra do Paraguai, porém, os militares passaram a exigir a profissionalização de suas carreiras. Essa insatisfação somava-se à falta de participação política desses homens e foi canalizada por uma nova composição social do Exército.
Segundo Boris Fausto (2006), durante a segunda metade do século XIX, a maioria dos novos oficiais que compuseram o exército provinha de municípios do interior do Nordeste e do Rio Grande do Sul. Além disso, a baixa remuneração e as pobres condições de vida desencorajavam filhos de famílias abastadas a se dedicarem à carreira militar.
As críticas contra o governo do Império entre os militares começaram a surgir antes mesmo da Guerra do Paraguai. Mas foi depois do conflito que ganharam corpo demandas variadas, como critérios de promoção e o direito a se casar sem o consentimento do Ministro da Guerra, além da defesa do fim da escravatura, melhor atenção à educação e outros temas gerais que tocavam as questões sociais e políticas do país.
A partir de 1883, surgem alguns atritos decisivos para o aumento da insatisfação dos militares com o Império. Um deles foi o caso Sena Madureira, Tenente-coronel de prestígio e amigo do imperador, que convidou um jangadeiro que participou da libertação dos escravos no Ceará para visitar a Escola de Tiro do Rio de Janeiro.
Sena Madureira foi punido com transferência para o Rio Grande do Sul, onde publicou, no jornal republicano A Federação, um texto narrando o episódio e se opondo à sanção sofrida (FAUSTO, 2006, p. 233-234). Em razão disso, o Ministro da Guerra assinou uma ordem que proibia militares de discutirem, através da imprensa, questões políticas ou vinculadas à corporação.
A situação gerou grande inconformidade entre os militares do Rio Grande do Sul, que realizaram uma reunião em Porto Alegre em protesto contra a determinação do ministro. O então presidente da Província, Deodoro da Fonseca, recusou-se a punir os oficiais, sendo chamado ao Rio de Janeiro (idem, ibidem). O fim da querela deu-se por meio de uma fórmula conciliatória, pela qual se revogou a proibição, e o gabinete foi censurado pelo Governo.
O contexto é marcado também pela crescente organização do Clube Militar, como associação que defendia os interesses dos militares. Com Deodoro à frente da presidência do Clube, várias reivindicações foram organizadas, dentre elas a de que os militares não mais fossem obrigados a caçar escravos fugidos.
A insatisfação militar confluiu com a propaganda republicana. O auge desse processo aconteceu em 1889, quando a proposta de formação de um novo gabinete por parte de Pedro II, tendo o Visconde de Ouro Preto à frente, resultou na indicação de Silveira Martins, inimigo pessoal de Deodoro da Fonseca, à presidência do Rio Grande do Sul.
Benedito Calixto, Proclamação da República do Brasil. 1893.
O resultado dos problemas entre militares e Império foi a organização de uma proposta republicana que deveria ser implementada com urgência, com a ajuda dos militares mobilizados contra qualquer tipo de repressão por parte do Império e da Guarda Nacional. Essa proposta derrubava por terra a ideia gradualista de aguardar a morte de Pedro II para implementar a República. Por outro lado, também não contava com adesão popular, visto que precipitou o surgimento da república por um movimento articulado basicamente pelas elites.
“A 11 de novembro de 1889, figuras civis e militares, como Rui Barbosa, Benjamin Constant, Aristides Lobo e Quintino Bocaiuva reuniram-se com o marechal Deodoro, tratando de convencê-lo a liderar um movimento contra o regime. A participação de Deodoro era importante como figura conservadora e de prestígio no Exército. Ele resistia por ser amigo do Imperador e não gostar da presença de paisanos na conspiração. O problema lhe parecia de ordem estritamente militar. Mas uma série de boatos espalhados pelos jovens militares, falando da prisão de Deodoro, da redução dos efetivos ou mesmo da extinção do Exército, levou Deodoro a decidir-se pelo menos a derrubar Ouro Preto” (FAUSTO, 2006, p. 234-235).
Na manhã do dia 15 de novembro, Deodoro, à frente das tropas, marchou ao Ministério da Guerra, onde estavam a postos os líderes monarquistas. Seguiu-se, segundo Boris Fausto, um episódio confuso, no qual não se sabe ao certo se foi proclamada a República ou se apenas se considerou derrubado o ministério.
Generalíssimo Manoel Deodoro da Fonseca [Iconográfico]: Primeiro Presidente dos Estados Unidos do Brazil. Imprenta, Rio de Janeiro, RJ : Livraria de J. G. de Azevedo, [18–]. Biblioteca Nacional Acervo Digital.
O anúncio da República, feito por José do Patrocínio naquele mesmo dia, portanto, resulta de uma série de fatores que foram convergindo durante as décadas finais do século XIX. Como consequência, derrubou-se a monarquia e o último lastro de permanência portuguesa entre a elite política no Brasil.
O primeiro presidente do Brasil que, paradoxalmente, foi investido de poderes ditatoriais, foi Deodoro da Fonseca, cujo governo esteve inserido numa fase de “transição” entre o Império e a República. Seu ministério foi integrado por republicanos, como Campos Sales, Benjamin Constant e Quintino Bocaiuva, e por liberais da monarquia, como Rui Barbosa e Floriano Peixoto.
O governo provisório foi marcado por uma forte crise, que ficou conhecida como “encilhamento”. Em poucas palavras, o Ministério da Fazenda, sob o comando de Rui Barbosa, estimulou a emissão de papel moeda para financiar a expansão industrial e de outros setores, como a agricultura. No entanto, acabou tendo efeito reverso, causando forte surto inflacionário e provocando a drástica desvalorização do “mil réis”, a moeda da época.
Como missão, o governo buscou apagar todos os símbolos que remetessem ao período imperial, criando, por exemplo, uma nova bandeira, um novo brasão e o hino nacional. O novo regime também aboliu a Constituição imperial, de 1824, outorgada por D. Pedro I. Em 1891, foi promulgada a nova Constituição, inspirada na carta dos EUA, a começar pela própria denominação adotada para o país: “Estados Unidos do Brazil”, o que já traduzia a forte opção pelo Federalismo.
Apesar de sua orientação liberal e da ampliação dos direitos individuais, a Constituição de 1891 reforçou o caráter elitista da sociedade brasileira e não avançou em questões que eram fundamentais na época, como garantias sociais, sobretudo de moradia, emprego e educação, para a vasta população negra recém-libertada.
O novo sistema não resultou, desde logo, numa ampliação do exercício da cidadania. A “república que não foi”, nas palavras de José Murilo de Carvalho, retrata justamente um novo sistema político que apenas acomodou os interesses das oligarquias regionais que continuariam comandando os primeiros anos da República.
Assim, a proclamação do dia 15 de novembro não foi capaz de alterar substancialmente o quadro político, social e econômico do país. O voto continuou restrito a determinadas faixas de renda, a questão da abolição transformou-se numa realidade de segregação e exclusão dos negros libertos do mundo do trabalho e da vida social, a política brasileira passou a ser exercida por elites regionais que, através do mandonismo e do coronelismo, consolidaram seu poder nas províncias do país.
Era preciso pensar ainda num projeto de integração para além dos interesses regionais. O início da República marcaria um processo árduo de consolidação do Estado-nação brasileiro, para o que, entre tantas outras prioridades, buscava-se forjar símbolos importantes para a construção da identidade nacional, em substituição à figura do Imperador, que cumpria também esse papel.
Referências Bibliográficas:
BARATA, Carlos Eduardo. Manifesto Republicano de 1870 (Subsídios biográfico-genealógicos) 1870.
DE CARVALHO, José Murilo. Os bestializados: o Rio de Janeiro e a República que não foi. Editora Companhia das Letras, 2019.
FAUSTO, Boris. História do Brasil. São Paulo: Edusp, 2006.
FERNANDES, Maria Fernanda Lombardi. Os republicanos e a abolição. Revista de Sociologia e Política, p. 181-195, 2006.
LEMOS, Renato. “A alternativa republicana e o fim da monarquia”. In. GRINBERG, Keila; SALLES, Ricardo. O Brasil imperial. Rio de Janeiro: Civilização brasileira, 2009. 3v.