Raul de Bonis – Há muito tempo ônibus perderam a qualidade
Publicada originalmente no jornal O Globo – 06 de maio de 2001
Para especialista, a deficiência dos coletivos é o que mais contribui para a proliferação do transporte irregular.
Coordenador do Programa de Engenharia de Transportes (PET) da COPPE e ex-secretário estadual de transportes do governo Garotinho, Raul de Bonis, defende a integração dos sistemas de transporte como uma das medidas para melhorar a qualidade dos serviços de ônibus. Ele diz, no entanto, que empresários do setor, montadoras de carros, fabricantes de pneus e distribuidores de combustíveis tentam dificultar as mudanças do atual modelo de transportes no estado. O professor propõe que os municípios da Região Metropolitana formem um colegiado para que possam participar diretamente de decisões e estudos sobre o sistema de transportes.
O GLOBO: Repórteres do GLOBO constataram, na semana retrasada, que nove ônibus municipais, em 11 horas, cometeram, em média, uma infração a cada quatro minutos. O serviço de ônibus tem piorado?
RAUL DE BONIS: Ele acaba piorando, à medida que a circulação de veículos cresce. Mas há muito tempo esse serviço já não tem qualidade por diversas razões: falta planejamento, fiscalização e uma política mais bem definida que trate da questão da integração, tanto no plano municipal quanto no intermunicipal.
O GLOBO: O crescimento do número de vans e kombis seria decorrência da deficiência dos ônibus? De acordo com o que foi publicado ontem no caderno Retratos do Rio”, do GLOBO, o número de vans já supera o de ônibus na capital.
RAUL: Esse não é o único fator. Há outros, como a facilidade de acesso à aquisição do veículo. Várias pessoas que perderam seus empregos e tinham algum recurso para investir compraram vans. Agora, o principal fator é a deficiência dos ônibus. Se houvesse mais qualidade, além de fiscalização, planejamento e controle dos coletivos, seria menos provável que as vans tivessem um campo tão fértil para crescer.
O GLOBO: O senhor acha que as lotadas devem ser legalizadas?
RAUL: Na proposta que apresentamos na Secretaria estadual de Transportes, em 1999, não havia lotada. Era transporte ponto a ponto, de modo que pudesse ser controlado, dentro de uma visão de transporte integrado. Então, teríamos meios de transporte de grande capacidade (trens, metrô e barcas) que fariam os eixos principais. A partir daí, teríamos serviços complementares de ônibus e vans.
O GLOBO: Existe saída a curto prazo para o transporte no Rio?
RAUL: Não há mágica. É preciso aproveitar os sistemas de grande capacidade. Mas não há como se mudar esse quadro de uma hora para outra.
O GLOBO: Qual seria a primeira providência?
RAUL: É necessário um conjunto de primeiras providências. Por exemplo, retomar a questão do aproveitamento da Baía de Guanabara para o transporte. Precisamos ainda desenvolver o projeto de recuperação e ampliação do serviço ferroviário e fazer o estudo de demandas. Temos, também que ter fiscalização mais efetiva e usar melhor os terminais. Mas não são ações de curto prazo.
O GLOBO: O prazo mínimo seria de quanto tempo?
RAUL: O processo tem de ser iniciado e, se trabalharmos para valer, a cada ano teremos avanços. Em um ano, podemos melhorar o sistema de integração e o serviço de trens.
O GLOBO: Esse trabalho tem de envolver estado e municípios?
RAUL: Os municípios da Região Metropolitana deveriam ser um colegiado, de forma que todos pudessem participar da tomada de decisões e dos estudos. Há que se tratar esse problema na dimensão metropolitana ou será muito difícil avançar.
O GLOBO: O “Retratos do Rio” de ontem diz que o trânsito se move a apenas 14 quilômetros por hora. Como o senhor avalia isso?
RAUL: Nos últimos quatro anos, tivemos um crescimento da frota de veículos que circulam nas áreas urbanas do país, e não apenas no Rio. Houve uma facilidade de compra, uma certa estabilidade na economia, um estímulo à fabricação de veículos. Na medida em que não se consegue ampliar com a mesma velocidade a infraestrutura viária – e nem tem sentido pensar nisso – agravam-se os congestionamentos.
O GLOBO: A saída para acabar com os engarrafamentos também é a integração?
RAUL: É a integração. Fazer cada modalidade de transporte cumprir seu papel. Caímos sempre na mesma receita. Mas eu colocaria uma questão central: a política. Há necessidade de se ter uma decisão política.
O GLOBO: A solução para o transpor e depende mais de uma decisão política?
RAUL: Ela esbarra numa questão de dimensão política muito grande. Como não temos uma pressão social forte, o que é um pouco característico dos brasileiros, acaba não se conseguindo avançar. Então, todos estamos perdendo para que muito poucos ganhem
O GLOBO: Não se consegue avançar por pressão dos empresários de ônibus?
RAUL: Empresários de ônibus e tudo o que pode estar representado pelo modelo atual. Você tem montadoras, distribuidoras de combustíveis, pneus, ou seja, um conjunto de interesses. Tudo isso somado acaba permitindo que o modelo se perpetue.
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