Rubens Lessa – Setor avança com marco regulatório, mas infraestrutura é desafio

Publicada originalmente na Revista ABRATI n° 119 – março de 2024

O novo marco regulatório trouxe segurança ao setor de transporte rodoviário de passageiros, mas questões envolvendo infraestrutura e meio ambiente ainda trazem preocupação e são motivo de atenção. O presidente da Fetram, Rubens Lessa Carvalho, detalha este cenário e como as entidades de classe estão trabalhando para avançar nesses temas e contribuir para o desenvolvimento do setor e das empresas operadoras.

Revista Abrati | A Confederação Nacional do Transporte (CNT) produziu, em 2023, o estudo Análise de grandes riscos do setor de transportes. Dentre as maiores preocupações, as questões normativas figuravam em primeiro lugar. Hoje, com a publicação do novo marco regulatório, você percebe que diminuímos este risco? Qual a receptividade à nova resolução?

Rubem Lessa | O novo marco trouxe mais segurança para os investimentos e atenuou parte dos riscos nas questões de políticas normativas, criando um ambiente mais favorável para o crescimento e o desenvolvimento do setor de transporte de passageiros interestadual do país. Consideramos um avanço.

RA | Poderia comentar sobre riscos que não foram mitigados?

RL | Podemos destacar as alterações legislativas, principalmente em projetos de lei que modificam normas já pactuadas e estabelecidas. Elas podem gerar impactos significativos nos custos e prejudicar investimentos. As mudanças frequentes nas regras geram insegurança jurídica. Além dos problemas pontuais normativos, o setor enfrenta diversos desafios, como a instabilidade econômica, que gera dificuldades para empresas no acesso ao crédito e a fontes de investimento. Os eventos climáticos, que podem causar prejuízos com interrupção das operações devido a danos causados na infraestrutura geral do país, além da falta de mão de obra qualificada e a escalada da violência e criminalidade em algumas regiões, também são alguns dos obstáculos enfrentados para o desenvolvimento do setor.

RA | A Confederação Nacional e as regionais têm uma estratégia definida para auxiliar o setor?

RL| A Fetram trabalha em parceria com a CNT, o Sest Senat, o Instituto de Transporte e Logística (ITL) e o Programa Ambiental do Transporte Despoluir. Além disso, temos parcerias com outras federações regionais e entidades, como a Abrati, para superar as dificuldades e alcançar os objetivos e melhorias para o setor.

RA | Qual o impacto real da falta de investimentos em infraestrutura e conservação das estradas para os negócios?

RL | A insuficiência de investimentos em infraestrutura é um dos principais fatores que contribuem para o aumento dos custos de transporte. É fundamental que o governo e o setor privado trabalhem em conjunto para melhorar a qualidade da infraestrutura brasileira e reduzir os custos de transporte, beneficiando toda a sociedade. Quando esses investimentos são insuficientes, os problemas se agravam e as consequências aparecem, como a deterioração da malha rodoviária, tornando as vias menos seguras para usuários e profissionais do transporte. O tempo de viagem aumenta devido à má qualidade das rodovias, impactando a produtividade e a competitividade do país e os custos de transporte também crescem com a necessidade de realizar um maior número de manutenções nos veículos.

O aumento do consumo de combustíveis devido à má qualidade das rodovias gera mais emissões de gases poluentes, impactando o meio ambiente. Para se ter ideia, em 2020, de acordo com a CNT, o total investido pelo Governo Federal em rodovias foi de R$ 6,74 bilhões – esse valor foi 31,7% menor do que o que se investia apenas em manutenção de estradas em 2010 (R$ 9,87 bilhões). Em 2022, tivemos uma melhora com o Governo Federal investindo R$ 14,5 bilhões em rodovias. Em 2023, o investimento autorizado foi de R$13,5 bilhões. Apesar da queda em relação a 2022, acreditamos que estamos em um momento de retomada. Para 2024, segundo estimativa do Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA), o Governo Federal deverá investir em rodovias R$ 13,71 bilhões. A CNT, inclusive, analisou o projeto e apontou as necessidades de obras prioritárias em cada estado da federação. O investimento em rodovias é importante para a economia do país, pois melhora a qualidade da infraestrutura da malha viária, reduz o tempo de viagem, diminui os custos de transporte e gera emprego e renda.

RA | Qual é a visão e as ações impulsionadas pela entidade em relação à descarbonização e às obrigações das empresas com o meio ambiente?

RL | O segmento de transporte de passageiros se preocupa e dedica extrema atenção ao meio ambiente e à sustentabilidade de suas operações. O setor trabalha em diversas frentes com o objetivo de minimizar o seu impacto ambiental. Temos o Programa Ambiental do Transporte Despoluir, que promove a melhoria da qualidade de vida dos transportadores, engajando-os em ações de responsabilidade socioambiental. Uma das ações do Despoluir de maior destaque é a Avaliação Veicular Ambiental nas principais cidades brasileiras. A ação tem o objetivo de melhorar a qualidade do ar, cuidar da saúde dos trabalhadores e estimular o uso racional de combustíveis. Essa linha de ação já atendeu cerca de 55 mil transportadores e realizou mais de 43 milhões de avaliações veiculares. A estrutura do programa contempla 24 federações participantes em 108 unidades de atendimento pelo Brasil. Com o novo marco regulatório e a expectativa de retomada de investimentos, a partir do ganho de eficiência com o reequilíbrio financeiro do sistema, as empresas passam a ter o estímulo para a renovação de frota, adequando-se às novas tecnologias, como a dos motores Euro 6, que emitem 75% menos poluentes na atmosfera em relação aos motores anteriores. Um exemplo vem do sistema de transporte urbano da cidade de Belo Horizonte (MG) que, no ano passado, adquiriu mais de 600 novos veículos na configuração Euro 6. Com isso, ganha o meio ambiente com menos poluentes no ar, ganha a saúde dos passageiros e dos profissionais com veículos menos poluentes.

RA | Recentemente, o governo anunciou o aumento do percentual de biodiesel no diesel, como foi a recepção no setor desta mudança?

RL | O Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) decidiu no final do ano passado aumentar o teor de biodiesel na mistura ao óleo diesel de 12% para 14%, a partir de março de 2024, e para 15%, em março de 2025. Entendemos que as mudanças não levaram em consideração as consequências e impactos desse aumento. Estudos realizados pela Universidade de Brasília (UnB), demonstraram que o aumento no percentual de biodiesel a partir de 7% eleva a emissão de CO2 e diminui a potência dos motores, o que gera, por consequência, mais consumo de diesel e impacta com a necessidade de mais importação desse combustível pelo país. Para se ter ideia, esse índice é de 7% na Comunidade Europeia e de 5% nos Estados Unidos. Aqui, pode chegar a 15% em 2025. Esperamos uma reavaliação de todos os riscos para afastar a possibilidade de uma crise futura de desabastecimento por falta desse insumo.

RA | O transporte coletivo, como um todo, tem atravessado desafios quanto ao número de passageiros. O setor rodoviário tem reagido bem, mas ainda não alcançamos os números pré-pandemia. Quais os maiores entraves para superar estas marcas?

RL | Houve uma retomada dos transportes urbanos e semiurbano, mas os sistemas ainda apresentam retração em torno de 25% em sua demanda de passageiros desde a pandemia. Em contraste, as operações rodoviárias vivem um melhor momento, com crescimento de 23% no último trimestre. Esse crescimento é explicado principalmente pelo encarecimento do custo das viagens aéreas. No entanto, é importante ressaltar que esse crescimento não deve ser visto como uma solução permanente para os problemas do setor de transporte. É fundamental que o Governo Federal priorize investimentos em infraestrutura rodoviária, com foco em melhoria das condições das rodovias existentes e da construção de novas rodovias. Que estimule a renovação de frota com taxas de juros mais baixas e recompra dos veículos para desmanche para os veículos mais antigos. O setor precisa de obras para eliminar gargalos que tanto afetam as operações nos grandes centros. E que se reconheça o transporte público como prioritário nas vias das principais cidades brasileiras. Com isso, teremos vias mais seguras e estruturadas, tornando as operações mais eficientes no custo e no tempo das viagens.

RA | Muitos empresários transportadores não participam de entidades de classe. Como aproximá-los e estimular o acompanhamento da Diretoria de Transporte de Passageiros?

RL | Precisamos ampliar continuamente as nossas ações e divulgações, com o objetivo de alcançar esses empresários e mostrar a importância de sua participação junto a um sindicato, uma Federação e em sintonia com entidades como a CNT, Abrati e NTU. Muitos empresários desconhecem o trabalho que as nossas entidades têm realizado junto ao Poder Executivo, Legislativo, Judiciário e de imprensa, na defesa do setor. Nas intervenções, apresentamos nossas demandas com as dificuldades e realidades enfrentadas em cada região. Atendimento importante para os empresários associados vêm do corpo jurídico das entidades, que estão sempre atentas para informar, em primeira mão, as alterações nas legislações e questões relacionadas a sua gestão e de seu corpo de trabalhadores. Temos trabalhado em constante movimento com o Sest Senat, o ITL e o Programa Despoluir para nos aproximarmos desses empresários que ainda não compreendem a dimensão, o alcance e os benefícios da união de forças para o crescimento do setor. O Sest Senat tem mais de 160 unidades no Brasil, oferecendo desde treinamento e cursos de capacitação até serviços essenciais de saúde nas áreas de odontologia, fisioterapia, nutrição e psicologia para os profissionais transportadores. Essa infraestrutura está à disposição e de seus familiares e em contínua evolução.

RA | O Sistema Transporte tem o projeto de desenvolver uma pesquisa sobre o perfil empresarial do setor rodoviário de passageiros, nos mesmos moldes que realizou no ano passado com o setor urbano. Qual a importância deste levantamento para o setor?

RL | Toda pesquisa é importante para que se compreenda a realidade e os desafios que afetam todo o setor. A partir dos dados coletados, torna-se mais assertivo desenvolver planos de ações no segmento, em conjunto com o poder público e a sociedade. Conhecer os problemas é o primeiro passo para enfrentá-los.


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