Sebastião Ubson Carneiro Ribeiro – Os próximos passos
Publicada originalmente na Revista Brasil Transportes n. 254 de janeiro de 1988
O presidente da NTC/Fenatac, fala do trabalho desenvolvido em 88 pelas entidades maiores do transporte rodoviário de carga, da unificação dessas entidades e da transferência de ambas para a sede construída às margens da Rodovia Presidente Dutra, na vila Maria / SP.
O empresário Sebastião Ubson Carneiro Ribeiro, 57, presidente da Associação Nacional das Empresas de Transportes Rodoviários de Carga (NTC) e da Federação Nacional das Empresas de Transportes Rodoviários de Carga (Fenatac), diz que esse é seu último mandato como dirigente de entidade. A partir de 1990, quando termina sua gestão, Ubson Ribeiro vai dedicar-se à família e à empresa, a Dom Vital. “Com este mandato creio ter dado minha cota de colaboração às entidades do transporte rodoviário de carga”, afirma o presidente da NTC/ Fenatac.
Paraibano de Esperança, pequeno município encravado a cerca de cem quilômetros de Campina Grande, Ubson Ribeiro chegou a São Paulo, vindo de Recife (PE), em 1952. Nunca mais voltou, a não ser de visita ou a negócios. Naquele ano, Sebastião Peregrino Ribeiro, 89, confiou a seu filho Ubson Ribeiro, então com 22 anos, a missão de pilotar a recém-instalada filial paulista da Dom Vital. Na década de 50, o pai de Ubson Ribeiro – fundador da Dom Vital – tomou duas medidas que marcariam a vida da transportadora: deu largada ao processo de abertura de filiais (começou por São Paulo e Fortaleza, no Ceará) e adotou a denominação Dom Vital, em memória do frei Dom Vital, muito popular no Recife do começo do século.
Longo aprendizado – Antes ele instalar-se na filial paulista da transportadora, Ubson Ribeiro dera seus primeiros passos na empresa como ajudante de motorista, ainda menor de idade. O aprendizado foi interrompido no período militar, que Ubson Ribeiro dedicou à Aeronáutica. Na volta à empresa, o futuro empresário foi empregado por eu pai como auxiliar de armazém. O tempo de Ubson Ribeiro passou a ser dividido entre aprender o negócio – “ainda estou aprendendo”, diz- e jogar futebol em Recife, onde chegou a profissional.
A carreira de atleta profissional de Ubson Ribeiro foi interrompida pelo crescimento da Dom Vital. A expansão ela empresa fez com que Peregrino Ribeiro precisasse de todos seus dez filhos para tocar o negócio. Ubson Ribeiro fincou pé em São Paulo, mas não abandonou o futebol, que continuou a praticar como amador. Quem viu Ubson Ribeiro nos campos garante que foi bom jogador. “Ele levou ao futebol sua disposição de não brincar em serviço”. diz um deles. “Quando necessário, jogava duro”.
De atleta, Ubson Ribeiro passou a “cartola” – presidiu por vinte ano o Parque da Moóca, clube tradicional do futebol amador de São Paulo, várias vezes campeão do Estado na categoria de uma das raras equipes não profissionais a jogar fora do País.
Ubson Ribeiro transformou o clube de simples equipe de futebol, cujo patrimônio maior eram os uniformes e as bolas, em uma agremiação, ancorada em sede própria no bairro paulistano da Mooca com equipamento poliesportivos e cerca de cinco mil sócios.
A trajetória no Setcesp – Essa mesma energia empregada na Dom Vital, nos campos de futebol e na direção do Parque ela Mooca, Ubson Ribeiro levou ao Sindicato das Empresas de Transporte Rodoviário de Carga do Estado de São Paulo, o Setcesp que passou a frequentar no início da década de 60, como integrante da comissão que congregava transportadoras que serviam o Norte e Nordeste do País, depois transformada na Comissão de Transportes Itinerantes, a CTI.
“Orlando Monteiro, um dos fundadores da NTC, é meu exemplo da vida sindical”, afirma Ubson Ribeiro. Foi pela mão de Monteiro, uma das lideranças mais expressivas do setor em toda a sua história, que Ubson Ribeiro ensaiou seus primeiros trabalhos na vida associativa. “Aprendi com ele que ninguém faz nada sozinho”, diz o presidente da NTC/Fenatac, ao evocar a memória de Monteiro.
Ubson Ribeiro chegou ao Setcesp com o mesmo espírito do futebol – trabalho em equipe. E os fundamentos de sua posição – meio-campista, ligação sólida entre o que perseguem o gol e a defesa.
Três mandatos sucessivos – De membro da comissão Norte-Nordeste. Ubson Ribeiro passou a seu coordenador. Depois ele 1979 a 1987, presidiu o Sindicato em três mandatos sucessivos. Licenciou-se do Setcesp e assumiu a presidência da primeira diretoria unificada da NTC/Fenatac. Na Dom Vital. transferiu- se da divisão comercial para a direção financeira, cargo que ocupa até hoje.
Quando terminar este mandato, Ubson Ribeiro terá mais tempo para o três filho, – Ubson, 18, Simone, 16 e Silmara, 11, que o presidente da NTC/Fenatac quer ver no futuro, à frente da Dom Vital. Será a terceira geração da família a tocar a empresa, nascida na década de 40 no Recife, com um caminhão, com o nome de Transnordestina, pelas mãos do ex-carreteiro Peregrino Ribeiro.
Às vésperas de completar 50 anos, a Dom Vital soma 29 filiais e cerca de 500 veículos comerciais. Da sede do Rio, a empresa vem acumulando os primeiros lugares nos rankings anuais das melhores do setor. Fiel às suas origens, a Dom Vital tem ainda como principal área de influência, as regiões Norte e Nordeste, voltada ao transporte itinerante.
Ubson recebeu a Brasil Transportes às vésperas do Ano Novo para falar dos planos da NTC/Fenatac para 1988. Eis trechos principais da entrevista:
A unificação da NTC/Fenatac é a principal meta
Brasil Transportes – Quais são os planos da NTC para 1988?
Ubson Ribeiro – A meta principal é dar sequência ao processo de unificação das duas entidades nacionais do transporte rodoviário de carga, a NTC e a Fenatac. Esse processo culmina com a transferência de ambas a entidade para o prédio que o Setcesp está construindo às margens da Dutra (rodovia Presidente Dutra, que liga São Paulo ao Rio – nota da Redação), no bairro da Vila Maria, em São Paulo.
BT – Em que pé está a unificação?
Ubson Ribeiro – Estamos identificando os departamentos das duas entidades, com o objetivo de fundi-los. Contratamos uma empresa de organização e métodos, que está diagnosticando o problema da junção, para que esse processo corra com segurança e sem traumas.
BT – Por que não constituir então uma só entidade de representação nacional do sistema?
Ubson Ribeiro – Não seria lógico nem inteligente extinguir a NTC ou a Fenatac. Cada uma das entidades tem missão específica
A NTC, que está às vésperas de completar 25 anos, é uma associação civil; a Fenatac, que vai comemorar seu quinto aniversário, é uma entidade sindical. Coube à NTC, até o nascimento da Fenatac, o papel de única representante nacional da categoria. Ambas podem e devem ser unificadas, mas cada uma tem sua missão a cumprir. Até porque a Fenatac, com o processo de criação de novas federações do setor, está destinada a ser a entidade sindical maior do Estado de São Paulo, abdicando de seu raio de ação nacional. Desde que assumimos a presidência de ambas as entidades Janeiro de 1987), elas estão sob o comando ele uma só diretoria. E creio que vamos bem assim.
BT – Com a futura instalação da NTC, da Fenatac e do Setcesp num só prédio, que papel está reservado ao sindicato paulista?
Ubson Ribeiro – também neste caso não há qualquer possibilidade de atrito ou constrangimento. Com o processo de ampliação da malha sindical paulista, o Setcesp será o sindicato da região metropolitana de São Paulo (compreende a Capital e mais 37 municípios). Enquanto a NTC e a Fenatac cuidam dos assuntos políticos, econômicos e institucionais, em nível nacional, o Setcesp e os demais sindicatos tratam dos assuntos específicos de suas bases territoriais. Temos que separar bem os papéis, na teoria e na prática, para que uma entidade não invada a privacidade da outra.
BT – A NTC e a Fenatac serão inquilinas ou proprietárias do edifício que está sendo construído pelo Setcesp?
Ubson Ribeiro – Isso será decidido nas assembleias gerais que serão realizadas nas três entidades ainda no primeiro trimestre deste ano.
BT – Qual será o destino do prédio hoje ocupado pela NTC e pela Fenatac, no bairro de Vila Mariana, em São Paulo?
Ubson Ribeiro – Cabe também à assembleia da NTC decidir. Um assunto está intimamente vinculado ao outro. O prédio da Vila Mariana, que é de propriedade da NTC. poderá, por exemplo ser vendido. Com a receita da venda a NTC poderá comprar uma parte do prédio que está sendo construído pelo Setcesp se o sindicato paulista estiver de acordo
BT – Como o senhor vai votar nessas assembleias?
Ubson Ribeiro: Sou favorável à venda do prédio da NTC, e aplicação do preço de venda na compra de uma parte do novo prédio do Setcesp.
BT – O novo edifício já está batizado?
Ubson Ribeiro – A denominação que está prevalecendo até agora, por sinal a primeira, é Palácio do TRB (TRB; Transporte Rodoviário de Bens).
BT – A sigla oficial do setor é afinal TRB ou TRC (Transporte Rodoviário de Carga)?
Ubson Ribeiro – Durante muito tempo falamos em TRC. A regulamentação do setor, baixada nesta década, utiliza a denominação TRB. Creio que, em função da lei, a tendência é abandonar a sigla TRC e adotar a denominação oficial, TRB.
A transferência para o Palácio será em agosto.
BT – Quando será feita a transferência das três entidades para o novo prédio?
Ubson Ribeiro – Se tudo correr bem, vamos inaugurar o Palácio do TRB em agosto deste ano. O cronograma prevê a instalação das três entidades no novo edifício um pouco antes ou mesmo durante o congresso nacional da categoria, que este ano será realizado em São Paulo, também em agosto. Eu espero, durante o congresso, que será o nono, ser o anfitrião dos transportadores de todo o País na cerimônia de inauguração do novo prédio.
BT – Quantos andares terá o Palácio?
Ubson Ribeiro – Sete andares. Nos próximos noventa dias definiremos a divisão do espaço entre as entidades.
BT – Os sete andares serão distribuídos apenas entre as três entidades?
Ubson Ribeiro – O prédio não está sendo construído apenas para abrigar a NTC a Fenatac e o Setcesp. Afinal, seu nome é Palácio do TRB. Ele é de todo o setor. Sua vocação é servir de teto a todas as entidades do sistema – associações, comissões, entidades sindicais. Todos juntos vamos nos entender melhor. Mesmo as entidades que devem ter, necessariamente, sede em outra cidade. poderão ter no Palácio uma sala, uma delegacia, uma representação. O Palácio será o centro nervoso do transporte rodoviário de carga. Ancorados às margens da Dutra vamos dar um salto qualitativo na representação e na ocupação de espaços na economia nacional. O Palácio não é apenas um prédio, está fadado a ser um símbolo do sistema.
BT – Que outros planos a NTC tem para este ano?
Ubson Ribeiro – Outro ponto capital é pôr efetivamente em prática a legislação que regula o transporte rodoviário de carga. Nos últimos anos, em função de imensos esforços, obtivemos a regulamentação da atividade. Trata-se, agora, de fazê-la valer.
BT – Quer dizer que o trabalho de regulamentação está esgotado?
Ubson Ribeiro – Praticamente. Há alguns pequenos pontos que devem ser aperfeiçoados, mas as bases já estão assentadas.
BT – A legislação está sendo obedecida?
Ubson Ribeiro – Em muitos pontos, não. A lei existe, mas nem sempre é cumprida. Tome-se a lei da balança, por exemplo. Apenas recentemente as autoridades resolveram aplicá-la para valer, e muito ainda a desconhecem. O mesmo acontece com a norma que proíbe as transportadoras de carga própria de prestar serviços mediante frete. Essas e outras normas precisam sair do papel e ser efetivamente aplicadas.
BT – Cabendo a fiscalização ao poder público, o que podem fazer as entidades de classe?
Ubson Ribeiro – As entidades devem pressionar as autoridades, e é o que vamos fazer. Vamos dizer ao governo: aí está a legislação, vamos fiscalizar seu cumprimento. Vamos cobrar a prática da lei até a exaustão, de forma tal que ela passe a ser companheira natural do transporte rodoviário de carga, conhecida e respeitada por todos.
BT – E sobre o controle de fretes pelos órgãos governamentais?
Ubson Ribeiro – Nosso objetivo é obter a liberação dos fretes do controle governamental. Os fretes devem ser regulados apenas pelo mercado. Se há um setor econômico no País em que existe concorrência perfeita, da forma que é descrita nos manuais, é o transporte rodoviário de carga, especialmente o segmento de carga comum, que é o maior deles. Ao todo, são doze mil empresas de transporte e cerca de 250 mil carreteiros, sem falar nas empresas de carga própria. Creio que o governo está convencendo-se de que não é possível que esses empresários reúnam-se numa assembleia e ditem preços ao mercado. Não há razão para o controle, que o governo não pode efetivamente fazer, avilta os fretes e descapitaliza o sistema.
BT – Qual foi o impacto de sua tese sobre comercialização, divulgada na última reunião do Conselho Nacional de Estudos Tarifários (Conet), realizada em novembro, em São Paulo, no sentido de que as entidades não podem se sobrepor ao empresário?
Ubson Ribeiro – Creio que a mensagem está sendo bem assimilada. Vender bem seu produto é a primeira regra de qualquer empresa. Quem sabe como vender é a empresa, não a entidade. Esta deve incentivar os empresários a se reunir e discutir seus problemas. Deve também difundir o sistema tarifário, para que as empresas aperfeiçoem seus métodos. E na convivência com os colegas que o empresário verifica que os problemas que imaginava só seus são comuns a todos.
BT – No campo fiscal, como a NTC encara o fato de o transporte rodoviário de passageiros pagar alíquota reduzida de Imposto de Renda, isto é, de 6%?
Ubson Ribeiro – O objetivo da NTC é obter a equiparação fiscal. Transporte rodoviário de passageiros e de carga são atividades co-irmãs, e as mesmas razões que levaram o governo federal a conceder alíquota reduzida ao transporte de passageiros – renovação de frota, tarifas mais baixas – estão presentes também no transporte de carga. Dessa forma, vamos continuar ao longo deste ano instituindo junto às autoridades no sentido de que o transporte rodoviário de carga passe a ser tributado também à alíquota reduzida De 6%, em lugar dos 35% (NR: a entrevista do presidente do NTC foi concedida dias antes de o “pacote” fiscal da última semana de dezembro ter extinto a alíquota de 6% do Imposto de Renda do transporte rodoviário de passageiros, setor que, a partir de 1988, passa dessa forma a pagar imposto de Renda à alíquota de 35%).
BT – Falando em transporte rodoviário de passageiros, como está o transporte de encomenda por ônibus?
Ubson Ribeiro – Acredito que em pouco tempo esse caso terá uma solução satisfatória para ambos os setores e, também, o público. Estamos elaborando em conjunto com a Rodonal (entidade que congrega as empresas de transporte rodoviário interestadual de passageiros) um projeto de norma complementar sobre o assunto, a ser submetida ao Departamento Nacional de Estradas de Rodagem, o DNER. A ideia básica é permitir o transporte de encomenda por ônibus. Será disciplinado o que ônibus pode transportar a esse título, apenas com a finalidade de evitar concorrência desleal com o transporte rodoviário de carga.
BT – Como o senhor resumiria 1987?
Ubson Ribeiro – Do ângulo da representação do setor, iniciamos a caminhada para a unificação das duas entidades maiores, com bons resultados. O setor de transporte rodoviário de carga não andou bem como, por sinal, toda a economia, que arca com as consequências das indefinições políticas.
BT – E como deve ser encarado 1988?
Ubson Ribeiro – Com muita preocupação E necessário definir rumos. Primeiro, o País precisa resolver a questão política. Creio que deve ser levado a bom termo o processo constituinte, promulgada a nova Constituição, e em seguida, realizadas eleições para presidente da República. Instalado um novo governo, com legitimidade e credibilidade, deve ser implantada uma política econômica estável, que permita aos agentes econômicos planejar, trabalhar e produzir.
BT – A Constituinte deve manter a nacionalização do transporte rodoviário de carga, implantada em 1980?
Ubson Ribeiro – Sim. Essa legislação é necessária. Não somos contra o capital estrangeiro, que é bem-vindo quando ajuda o País a se desenvolver. Ele é dispensável nos setores em que os brasileiros dominam o processo, os sistemas e a tecnologia. Esse é o caso do transporte rodoviário de carga, em boa hora nacionalizado pelo então presidente Figueiredo. O capital estrangeiro pode participar do setor, mas como sócio minoritário.
BT – Mas o setor está com dificuldades de renovar a frota, e o governo de preservar e ampliar a malha viária …
Ubson Ribeiro – Essa é outra questão mal posta e mal compreendida. De duas uma: ou os fretes são liberados, e o mercado comanda, e não tem cabimento falar em tabelas de fretes mínimos, mas apenas referências, ou então os fretes são controlados, e são acionadas duas tabelas de fretes-piso, uma para as empresas, outra para os carreteiros. Não é possível fazer conviver uma tabela de fretes mínimos de carreteiros com livre mercado para empresas de transporte. Creio que a tendência é caminhar para o livre mercado, com tabela de carreteiros referencial. Isso também precisa ser negociado entre empresas e autônomos. Os que pretendem jogar carreteiros contra empresas estão fadados ao insucesso. Não há transporte sem empresas e sem carreteiros. São os dois lados da mesma moeda.
(*) presidente da Associação Nacional das Empresas de Transportes Rodoviários de Carga (NTC) e da Federação Nacional das Empresas de Transportes Rodoviários de Carga (Fenatac).
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