Vander Francisco Costa – Transporte essencial
Publicada originalmente na Revista Transporte Atual n° 290 – março de 2020
O mundo parou diante de um vírus. Nos últimos meses, a notícia da propagação do novo coronavírus tem sido a realidade em inúmeros países. No Brasil, não seria diferente. A pandemia tem abalado economias, alterado formas de relacionamento e cobrado a adoção de novas posturas no mundo corporativo.
O setor de transporte tem sentido os impactos dessa nova realidade de forma bastante severa. O aéreo foi o primeiro a acumular perdas. Agora, os prejuízos chegaram a todos os modais. Ainda é cedo para fazer projeções do volume total do impacto e quais as consequências para as empresas e para o país. O cenário é muito volátil e, a cada dia, novas medidas estão sendo tomadas para minimizar o problema.
Nesta entrevista especial, o presidente da Confederação Nacional do Transporte, dos Conselhos Nacionais do SEST e do SENAT e do ITL, Vander Costa, analisa como o setor transportador tem atuado, de maneira conjunta, para superar a crise e aprender com a nova realidade que se impõe.
Na visão dele, o reconhecimento do transporte como serviço essencial é um dos principais pontos na articulação que tem sido realizada junto ao governo federal no combate ao novo coronavírus.
“É o transporte que leva o remédio aos hospitais. É o transporte que leva a comida para as pessoas que estão em casa.”
Vander Costa também fala sobre como o corte de 50% nos recursos do SEST SENAT, definido em medida provisória, vai impactar a prestação de serviços aos trabalhadores do transporte.
Acompanhe a seguir.
Revista CNT | O mundo passa por um momento único em meio à crise de saúde causada pelo novo coronavírus. Diante desse cenário, como o senhor avalia a importância do setor de transporte?
Vander Costa| O setor de transporte foi recentemente reconhecido como atividade essencial e, neste momento de crise, exerce seu papel como nunca. A logística de pessoas e de bens será fundamental para superar a crise. Acredito que é necessário o distanciamento social, termo que reflete melhor a estratégia para conter a propagação do vírus do que o isolamento, mas pessoas que exercem funções fundamentais precisam se locomover.
Entre as profissões, eu me limito a olhar para os hospitais. Temos médicos, enfermeiros e, também, o pessoal de apoio, como aqueles que trabalham na limpeza e na higienização. Para eles se deslocarem, é necessário mantermos o transporte público em funcionamento. Da mesma forma, os hospitais precisam ser abastecidos com remédios, alimentos, materiais de apoio.
Tudo isso será transportado pelos caminhões, com motoristas que precisam ser orientados e capacitados para exercerem a sua função com segurança, sem se tornarem vetores do vírus.
Revista CNT | Como foi a atuação da CNT junto aos governos e ao setor no sentido de minimizar os impactos negativos da crise sobre o transporte?
Vander Costa | As primeiras ações foram adotadas pelos presidentes das federações filiadas à CNT. Desde o primeiro momento, a Confederação Nacional do Transporte fez a coordenação dos trabalhos e, com todo o apoio do Ministério da Infraestrutura, conseguimos reverter as restrições que impediam o funcionamento de uma atividade reconhecida como essencial. Como as restrições continuaram, e na impossibilidade de acompanharmos diariamente a situação dos mais de 5.000 municípios do país, entramos com uma ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental) no STF (Supremo Tribunal Federal) para garantir o abastecimento de todos os municípios do Brasil.
Revista CNT | O que esses acontecimentos, na sua opinião, ensinam sobre a importância do trabalho representativo?
Vander Costa| A representação organizada se mostra ainda mais fundamental na coordenação dos trabalhos em momento de crise, evitando desperdícios de esforços e potencializando o conhecimento e o relacionamento de cada um.
Revista CNT | Qual vai ser a importância de o transporte se manter unido daqui para a frente, especialmente nos próximos meses?
Vander Costa | Precisamos nos concentrar em vencer a pandemia. Simultaneamente a isso, devemos cuidar para que as empresas continuem vivas e em condições de se recuperarem quando passar a turbulência. Teremos meses bastante complicados pela frente. Ainda não sabemos nem mesmo o tempo que se demandará para vencer o vírus. Mas é preciso cuidar da saúde das empresas. Esse vai ser um trabalho duro que exigirá muita sabedoria. Temos que cuidar das pessoas e das empresas. Neste momento, é preciso ter muita temperança.
Revista CNT | A CNT atuou junto ao governo federal para garantir a inclusão do transporte de cargas e de passageiros como atividade essencial. Qual a importância disso?
Vander Costa | Trabalhamos junto ao governo federal para a inclusão do transporte como atividade essencial. Isso foi fundamental para, depois, conseguirmos a liberação do transporte de cargas para o abastecimento das cidades. Esse pleito é antigo do setor, e o reconhecimento da essencialidade vai nos permitir fazer mais coisas pelo transporte, não só durante a crise mas depois dela também.
Revista CNT | Empresas de todos os modais têm sofrido com as restrições impostas para conter a propagação da pandemia. O que é possível aprender com isso?
Vander Costa | Primeiro, é preciso compreender a gravidade da pandemia, a velocidade que o vírus se espalha e o risco para toda a população. Isso é fundamental para compreendermos a necessidade de restringir a circulação de pessoas, mesmo sabendo o prejuízo que essa atitude trará para as pessoas no futuro. Por outro lado, temos que pensar que precisamos das pessoas vivas para darmos continuidade ao transporte de passageiros. Acho que ainda estamos nos estágios de sofrimento e de entendimento para, no futuro, podermos usufruir de algum aprendizado disso tudo.
Revista CNT | Qual é a sua opinião sobre a máxima “as oportunidades aparecem em momentos de crise”?
Vander Costa | É muito sábia, porém, é preciso ter muita consciência para não agirmos com leviandade. As oportunidades aparecem na crise e devem ser aproveitadas, mas não podemos nos aproveitar da crise para impormos vontades pessoais. Aproveitar as oportunidades que aparecem é diferente de se aproveitar da crise para criar oportunidades.
Revista CNT| Este momento também demonstrou a importância do SEST SENAT? Como foi a atuação da instituição para apoiar os motoristas, fortemente afetados, mesmo com o orçamento ameaçado devido ao corte imposto pelo governo federal durante a crise?
Vander Costa | O SEST SENAT já vem apoiando os motoristas assim como os demais trabalhadores do transporte há muito tempo. Por já termos experiência em ações anteriores, tivemos condições de sermos rápidos na resposta às necessidades atuais dos trabalhadores do setor, principalmente dos caminhoneiros que enfrentam dificuldades nas estradas. A crise é inédita, e estamos todos aprendendo a enfrentá-la. Os motoristas continuam rodando com a nobre missão de abastecer o país de alimentos, medicamentos e produtos essenciais. Nossas equipes estão dando todo o suporte necessário, levando esclarecimentos, alimentos e materiais de limpeza para a higienização das mãos e dos veículos. Em uma semana, atendemos mais de 100 mil profissionais.
A proposta inicial é permanecer com a ação pelo tempo suficiente para dar o suporte aos caminhoneiros. No entanto, diante do novo cenário imposto pela MP n.º 932, que determina o corte de 50% dos recursos destinados ao SEST SENAT, estamos reavaliando o período da mobilização nacional.
Da mesma maneira que estamos reavaliando a continuidade de outros projetos da instituição. Cortar recursos do SEST SENAT significa deixar desamparados caminhoneiros e outros motoristas profissionais no exercício do seu trabalho em um dos momentos mais necessários como este que o mundo vive. Não há dúvidas de que o transporte é uma atividade essencial para o país. O próprio governo federal reconheceu. Especialmente neste momento, é uma atividade fundamental para manter o país abastecido e viabilizar os deslocamentos de quem precisa trabalhar a fim de garantir o funcionamento de outros serviços também definidos como essenciais para o país.
Reduzir a capacidade de ação do SEST SENAT – estrutura que dá suporte à atividade e que garante que seja realizada com segurança, qualidade e eficiência – é, no mínimo, contraditório.
Revista CNT | Como o senhor avalia a atuação do governo federal, especialmente por meio do Ministério da Infraestrutura, nas medidas para enfrentar essa crise?
Vander Costa | O Ministério da Infraestrutura tem nos dado todo o apoio para minimizarmos os efeitos da crise. O ministro Tarcísio de Freitas e seus secretários têm uma atuação bastante técnica e conhecem a realidade do transporte e da logística no Brasil. Isso facilita o diálogo e o entendimento necessários para apoiar as propostas apresentadas por nós.
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