Walter Pedro Bodini – Ferrovias têm futuro 

Publicada originalmente na Revista Transporte Moderno n. 50 – setembro de 1967 

A conferência realizada no Instituto de Engenharia de São Paulo pelo eng.° Walter Bodini, superintendente geral de transporte da Rêde Ferroviária Federal, é um estudo bem fundamentado do problema ferroviário brasileiro.

O eng.° Bodini analisou em sua palestra três períodos de atividades da R.F.F.S.A.: passado – fase anterior a 1964; presente – de março de 1964 a março de 1967; e futuro. TM estêve presente à conferência e destacou os seus principais tópicos.

Erros – “Em 1964 analisamos a situação empresarial da Rêde, definida, então, em poucas palavras: as linhas de que se serve a R.F.F. foram construídas em obediência a técnicas hoje obsoletas; as zonas a que serve, em muitos casos, perderam sua substância econômica; grande parte de sua infra-estrutura está em frangalhos; o material rodante caminha para a ruína. De outro lado, seus encargos aumentaram, a inflação devorou sua receita, o monopólio de transporte acabou.

“Após essas considerações iniciais feitas em 1964, analisávamos, na mesma época, as causas que pudessem explicar aquela situação”.

Primeira causa – “A criação da Rêde foi providência formal, sem apreciação dos verdadeiros alicerces econômico-financeiros sôbre os quais ela deveria se estabelecer. Foram-lhe legados: 1 – campo de trabalho minado; 2 – infra-estrutura inadequada; 3 – equipamento deficiente; 4 – autonomia fictícia.

“1 – A perda de substância das tarifas da R.F.F., em parte resultante da concorrência rodoviária, evidencia-se nesses dois pequenos exemplos: a) o transporte de arroz rendia, por tonelada, em 1958, o equivalente a 45 quilos dêsse produto e em 1962 a 24 quilos; b) nesses quatro anos, o transporte de uma tonelada de milho que rendia o equivalente a 159 quilos, passou a render 72 apenas.

“A tabela mostra o efeito da inflação sôbre as finanças das ferrovias. Verifica-se que no período 1945/1962, em valores deflacionados, a despesa permaneceu praticamente constante, enquanto a receita se reduziu a um têrço. Êsse resultado se deve às dificuldades opostas às elevações das tarifas.

“A perda de 2/3 de sua receita fêz com que a situação de equilíbrio de 1945 se transformasse no grande déficit de 1962, embora nêsse período se tenha duplicado o trabalho da emprêsa.

“2 – Os mesmos traçados construídos há mais de meio século continuam a ser utilizados; as distâncias rodoviárias são muito menores que as ferroviárias e possuem melhores condições técnicas. O trajeto Rio-Pôrto Alegre por ferrovia é de 2.700km; por rodovia, 1.700km.

“3 – O equipamento obsolescente ou mesmo obsoleto ultrapassou sua vida útil. A Rêde dispõe de 36 mil vagões com vida útil de 30 anos. Assim, 1.200 vagões por ano, ou quatro por dia útil, deveriam ser mandados para o ferro velho e outros tantos comprados, a um custo diário de NCr$ 32 mil. A emprêsa tem mil locomotivas diesel que deveriam ir para a sucata cada 25 anos, correspondendo ao desgaste de uma locomotiva, cada 8 dias úteis, a um custo diário de NCr$ 25 mil. Acrescentando as despesas para substituição de dormentes e trilhos a Rêde precisaria despender cêrca de NCr$ 44 milhões por ano – preços de 1964 -, apenas para não regredir”.

Densidade – “A Rêde foi obrigada a custear a operação de tôdas as linhas ferroviárias, mesmo as antieconômicas. O índice de 500. 000t.km úteis/km de linha-ano, para densidade de tráfego, é o mínimo “minimorum” para sobrevivência empresarial. A Rêde vem mantendo em tráfego linhas com índices muito abaixo daquele número, sendo a densidade média geral da ordem de apenas 2/3 do mínimo exigido. Sessenta por cento das linhas entregues à administração da R.F.F.S.A. não têm condições econômicas de sobrevivência.

“A terceira causa apontada em 1964 para explicar a situação existente na R F.F. analisa os serviços não remunerados por ela prestados: transporte gratuito de malas postais em vagões especiais; matérias-primas sob tarifas de subvenção; serviços de subúrbio a preços baixos; pontes rodoferroviárias por ela mantidas; e execução de serviços de passageiros em trens preferenciais, com tarifas não remuneradoras.

“A quarta causa são os deveres impostos à Rêde em desacordo com outras emprêsas nacionais: pagamento de salário-familia em nível superior ao da indústria privada, além de parte da aposentadoria, licenças para tratamento de saúde, passes livres para aposentados, famílias e dependentes”.

Presente – “Propôs-se a Rêde, na fase “presente”, já definida como o período de março de 1964 a março de 1967, a executar um programa de inversões para atendimento das necessidades imediatas, sem comprometer ou chocar-se com o plano que viria a ser executado pelo GEIPOT.

“Entre as providências tomadas para o aumento da receita destacam-se as de ordem tarifária, bem como as relativas às operações, para aumentar o trabalho realizado.

“Os resultados têm sido compensadores. O número de t.km úteis transportadas passou de 8.554,4 em 1964 para 9.577,2 em 1966. A receita unitária da t.km em moeda de 1966 evoluiu de NCr$ 0,0134 em 1964 para NCr$ 0,0156 em 1966. A receita passou de NCr$ 198.889.600,00 em 1964 para NCr$ 249.812.500,00 em 1966.

“Da mesma forma foram contidas as despesas, com redução do número de empregados – através da não admissão de novos -, estabelecimento de política salarial mais consentânea com os demais setores de produção, melhor aproveitamento do pessoal e contenção das compras e gastos.

“Embora em 1964 não tivessem sido destinados substanciais recursos para investimentos, foram equacionados os problemas mais prementes e programadas obras que produzissem significativo aumento da produtividade, contando com as fontes de recursos reais”.

Futuro – “Erram os que afirmam estar no fim a vida dos transportes sôbre trilhos. Estão ai os relatórios do GEIPOT sôbre as possibilidades de financiamento para as inversões impostergáveis, do que dependerá a sobrevivência do nosso sistema ferroviário.

“Um país com as dimensões e características do Brasil, com uma produção mineral e agrícola de grande potencial, jamais poderá prescindir do transporte ferroviário que é básico para o binômio: volume x distância. Torna-se imprescindível que se dêem às ferrovias as características que a época atual exige, a fim de que possam operar nos mesmos padrões de eficiência das congêneres de outros países.

“Não há por que nos afastarmos da filosofia econômica da ferrovia, para nos voltarmos às suas finalidades sociais.

“Muito nos preocupa a questão dos déficits ferroviários que, entendemos, não podem ser justificados apenas em função dos benefícios sociais por esses transportes proporcionados.

“Para comparação dos déficits de nossas estradas com ferrovias de outros países há necessidade de confrontar-se, também, a qualidade dos serviços prestados às suas respectivas comunidades”.

Desenvolvimento – “Não ignoramos a natureza sócio-econômica a que está vinculado o transporte ferroviário. Todavia julgamos que melhor poderia ser explicada a finalidade social dêsse transporte, pelo fato de possibilitar o desenvolvimento da produção agrícola, industrial e mineral da zona a que serve; por representar no mercado de mão-de-obra papel tão importante para a nossa comunidade; e, finalmente, por se constituir em elemento regulador dos níveis de preço de transportes nas regiões servidas.

“O déficit ferroviário deve ser combatido pela minimização das despesas de administração, conservação e operação. Ela é obtida através da eficiência dos serviços, melhoria das condições técnicas da via e material rodante, emprêgo do sistema de tração mais adequado e de uma justa tarifação”.


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