Melhores traçados ferroviários

Agradecendo a honra de falar aos ilustres leitores da prestigiosa REVISTA FERROVIARIA, ocorre-me um tema de atualidade, colhido da observação, em golpe de vista, sobre a viação nos solos do Brasil. Os nossos organismos de transportes ferroviários vêm-se ocupando do reajustamento dos seus serviços, sob normas gerais mais apuradas e controladas. Noticiam-se insistentes medidas de racionalização e de economia, na tração, na linha, na locomoção, no movimento dos trens e nos processos administrativos, pelos vários setores; e. diretamente, enfrentam as cifras tarifárias e os meandros das receitas, da concorrência etc.

Parece, no entanto, que circunstâncias intrínsecas, decorrentes da própria evolução dos sistemas de viação, sobretudo no nosso país, estão a influir, como geradoras de uma perniciosa anomalia, ainda não pressentida ou não fixada entre os nossos técnicos ou observadores.

Quero referir-me às contingências peculiares que têm envolvido a constituição das linhas ferro e rodoviárias, determinando condições técnicas desproporcionadas, para os traçados de uma e outra espécie dessas estradas dos nossos dias.

São característicos congénitos, denunciadores de épocas do surgimento ou da expansão preponderante, de um e do outro meio de locomoção.

De fato. As ferrovias, em grande ponto, brotaram do século passado. E o normal de nossas linhas férreas – já não considerados os troncos por demais sacrificados, pelas penosas condições de origem ou de concessões censuráveis – mas o normal das nossas vias férreas herdou, assim, do tempo de sua execução, uma configuração técnica para hoje, inadequada ou insatisfatória. Foram linhas aprestadas, apenas, para a missão primária, para um tráfego simples e tranquilo, desavisado quanto a importunação de uma vizinha como a rodovia, que sobreveio.

Em contraste com esta modesta origem, a estrada de rodagem aparece e avulta, nos nossos dias, já talhada para o maior progresso, oferecendo extenso rasgo de ação ao automóvel – largas chapas modernas e diretriz desenvolta, solicita às mais eficientes utilizações.

A consequência salta de imediato.

Resulta numa vantagem flagrante, que está a beneficiar a rodovia no confronto ou na concorrência. o seu traçado é conformado em condições técnicas, relativamente, muito superiores; pois foi estipulado por tona compreensão evoluída desse novo meio de transporte. A ferrovia, ao invés, ficou, em grande parte, vinculada às prescrições, que ditaram a sua interpretação nos tempos passados; e, ainda, novos cometimentos não se arejaram de uma perspectiva bastante avançada, para sobrepô-la, hierarquicamente, às criações rodoviárias contemporâneas.

Um exemplo: há poucos meses, visitando, com alunos da Escola de Engenharia, importante escritório federal de estradas de rodagem, esclareceu-os o digno colega, projetador de um novo trecho de autoviação: “a nossa diretriz não poderá acompanhar o aterro da ferrovia, ao longo desta forte curvatura, que para nós é excessiva; esse raio seria, por demais reduzido; não contornaremos, assim, o fundo do vale; atravessaremos, em melhor traçado, embora com obra maior e mais custosa”!!!

E o paralelo se fazia com a principal ferrovia do país!

A observação é expressiva, mas não isolada.

Seria, somente, um contraste de épocas diversas, que aí se defrontam?

Certo que não. É mais que isto. É um característico de orientação geral. É a desproporção de interpretações ou de critérios, constatados perante as ferrovias e ante as rodovias.

E a observação, é, sobretudo, concludente.

Não que as rodovias devam recuar nas suas concepções perfeitas, condizentes com a época.

Ao contrário. A ferrovia precisa avançar – mais ciosa de suas prerrogativas e de sua função.

É à estrada de ferro que compete dispor de traçados diretos, desembaraçados, para a sua missão inconfundível – e para possibilitar o aperfeiçoamento dos serviços (maiores trens, maior velocidade, menor custeio), pelo que tanto se batem aos nossos técnicos, no afan administrativo, por vezes, mesmo diante o impasse ou defronte percalços levantados pela robusta ou abastada concorrente.

Por todos os princípios e observações, as verbas não se devem contrair ou regatear, por ocasião de se decidir sobre traçados de ferrovias, para que estas não continuem, amesquinhadas, a confirmar e sublinhar este contraste chocante dos nossos dias.

Melhores condições técnicas no lançamento das novas ferrovias futurosas, assim como no tocante à remodelação dos trechos antigos, incompatíveis com a exigência da vida atual – são os imperativos que se estão a recomendar, portanto, de modo inquestionável, até mesmo pela coerência técnica e econômica da nossa viação terrestre.

Autoria: Jeronimo Monteiro Filho (*)

Data: fevereiro / 1942

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(*) Engenheiro civil da Escola Politécnica