O Brasil precisa de uma nova Petrobras

Mais uma vez a Petrobras mostra que está distante do dia a dia e dos problemas do povo brasileiro. Enquanto os transportadores amargam o custo absurdo do diesel e as famílias se esforçam para contornar os altos preços dos alimentos, da gasolina e do gás de cozinha, a estatal tem mais um trimestre de lucros astronômicos.

A insistência na política preços dos combustíveis atrelados ao dólar consolidou a percepção de que a estatal deixou de servir ao país para se tornar uma organização de interesse de seus funcionários, de alguns políticos e de um pequeno grupo de acionistas. É preciso impedir que tal deformação continue causando prejuízos à população e ao desenvolvimento do Brasil.

Há um justo clamor pela adoção de uma política energética adequada às demandas do País. O novo governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva deverá estar atento a este anseio da sociedade.

Numa economia de mercado é justo e esperado que as empresas realizem lucro. No entanto, a Petrobras por ser uma estatal, goza de privilégios que são viabilizados graças ao esforço e a contribuição de toda população. Nesta condição, o lucro não pode estar acima dos interesses da coletividade. Muito menos pode causar prejuízos para os contribuintes aos quais a estatal deve servir.

Hoje a Petrobras é a petrolífera mais lucrativa do mundo. No último trimestre deste ano, ela alcançou lucro de R$ 46 bilhões – uma alta espetacular de 48%. Isso ocorre porque a receita oriunda da venda de combustíveis a preços dolarizados sobe mais rápido do que os custos de produção da empresa.

Ao contrário de suas concorrentes, a Petrobras aplica uma parte muito pequena de seu faturamento em investimento. Isso provoca uma redução na capacidade de refino e isso faz a empresa importar mais. O combustível fica ainda mais caro. Hoje, o preço do diesel está muito acima da gasolina e do álcool – uma tragédia para um país que depende do transporte rodoviário para quase tudo.

O resultado de tanto desequilíbrio é escandaloso. A Petrobras é a sexta petrolífera do mundo em valor patrimonial, mas é a primeira do planeta em termos de lucro. Na média, as maiores empresas de petróleo deram retorno de 12,2% sobre o patrimônio. Já a Petrobras rendeu 40,1%. Outra barbaridade: se não bastasse render mais, a Petrobras decidiu distribuir mais dividendos para seus acionistas. Agora mesmo, o Conselho de Administração da empresa anunciou que vai pagar R$ 43,68 bilhões de dividendos graças ao lucro do terceiro trimestre. Com isso, os proventos anunciados pela estatal chegam a R$ 179,96 bilhões neste ano.

A Petrobras tem 80% de seus custos em reais e 80% da produção extraídos diretamente de solo brasileiro. Só a ganância justifica a dolarização dos preços. Como pode uma empresa que detém o monopólio definir os seus próprios preços? Isso tem que acabar.

A nova política energética, além de eliminar a dolarização, deve estabelecer parâmetros para a produção e a venda de derivados de petróleo de acordo com as demandas do Brasil. A nossa dependência do transporte rodoviário, por exemplo, deve orientar a política de preços do diesel. Se necessário importar, como está ocorrendo agora, a tabela de preços da gasolina e do álcool deve prever um subsídio ao diesel, já que este combustível está na base da matriz de transporte e seu custo causa impactos em toda a economia, desde o setor de alimentos, até a produção industrial e a mobilidade social.

Também é recomendável a abertura do mercado para outras empresas, já que o petróleo e o subsolo pertencem à União. Junto com a privatização e a abertura do mercado, é importante que o setor de combustíveis seja regulado pela Agência Nacional do Petróleo (ANP), que deverá estabelecer uma política de preços, com planilha em reais, preservando o lucro da Petrobras com justiça e sem abusos. Além disso, a legislação deve ser alterada para que a Petrobras tenha, em seu conselho administrativo, um integrante da sociedade civil, representante legitimo dos maiores consumidores de gasolina e de etanol e um integrante dos transportadores, representante legitimo dos maiores consumidores de diesel.

Enquanto as mudanças estruturais não vêm, a Petrobras deve segurar os preços dos combustíveis. A empresa tem obrigação de equilibrar sua busca por resultados financeiros com as necessidades das empresas e da população brasileira. Até o final do ano que vem, pelo menos, parte do lucro deve ser usada para baixar e manter os preços em valores razoáveis, especialmente do óleo diesel, que tem impacto em toda a economia. Certamente, os acionistas muito bem remunerados nos últimos anos, entenderão que o momento exige moderação e austeridade em nome do bem comum.

Medidas como estas vão ajudar o Brasil a se desenvolver de forma sustentável, trazendo benefícios para a economia, para o governo e para todos os cidadãos brasileiros.

 

Autoria: Clésio Soares de Andrade *

Data: 04 de novembro de 2022

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(*) Empresário, empreendedor social, foi vice-governador de Minas Gerais, ex-senador, ex-presidente da CNT – Confederação Nacional do Transporte e fundador do SEST SENAT.