O Dia do Marinheiro – O Almirante Marquês de Tamandaré
Em homenagem ao “Dia do Marinheiro” a Confederação Geral dos Pescadores do Brasil”, que sempre se sentiu ligada a gloriosa Marinha de Guerra do Brasil, por muitos fatores, desde a guerra de nossa independencia, quando os pescadores fundiram Canhão na praia de Itaparica e guarneceram os Navios que deram combate a Esquadra do General Madeira até a boca do Tejo, dando ainda os pescadores o primeiro tiro no mar em defeza da independencia do Brasil, por tudo isto os pescadores tem elevado orgulho de serem reserva da Gloriosa Marinha de Tamandaré, Gomes Pereira, Alexandrino de Alencar e outros valorosos chefes “A VOZ DO MAR” orgão da Confederação dos Pescadores do Brasil, em homenagem ao “Dia do Marinheiro” transcreve o brilhante artigo do ilustre Almirante Frederico Villar em que recorda a vida do Patrono da Marinha.
“O meu Bayard – homem sem medo e sem jaça”
(D. Pedro Segundo)
Joaquim Marques Lisboa, futuro e glorioso Almirante Marques de Tamandaré e Patrono da Marinha de Guerra Nacional, nasceu a 13 de Dezembro de 1807, na Vila de São Pedro do Rio Grande do Sul.
Era o décimo dos treze filhos de Francisco Marques Lisboa e Eufrazia Joaquina de Azevedo Lima Lisboa, moça de grande beleza, inteligência e nobres virtudes cristãs, filha de Viamão, nas proximidades de Porto Alegre.
Criado livremente nas praias de São Jose do Norte, à margem da lagoa dos Patos, na Barra do Rio Grande, cêdo se revelou um apaixonado pela vida do mar.
O jovem praiano gaúcho, destinado por Deus a ser incontestavelmente a maior gloria da nossa Armada, era bom, intrépido, inteligente e hábil. Afrontava com galhardia as fúrias do Oceano, particularmente agitado pelos “pampeiros” que sopram violentamente naquelas águas pouco profundas, tornando-as extremamente perigosas.
Nas férias escolares e nas horas de folga sempre que lhe era possível, enfim – lá estava êle alegremente a pescar, a sondar, a bordejar, horas a fio, nas pesadas embarcações dos “Serviços da Barra”, ajudando seu pai nas labutas diárias do balizamento dos canais navegáveis, facilitando a “praticagem” dos navios conduzidos pela perícia náutica do velho Patrão-Mor. na entrada e saída daquela lagoa, exigindo manobras, quase sempre difíceis, entre os bancos de areia tocados pelos ventos do sul.
Joaquim manifestava, de maneira admirável, a sua coragem, ardor e capacidade para a profissão marinheira, da qual tinha em seu progenitor um consumado mestre.
Em 1808, D. Joao – Principe Regente – abandonara Portugal e, premido pelos ingleses, seus aliados contra Napoleão, franqueara os portos do Brasil ao comercio internacional. Com os progressos da lavoura e da pecuária, Rio Grande, Pelotas e Porto Alegre acentuaram rapidamente a sua produção e comércio. Era mais frequente a navegação, atraindo numerosos navios, que traziam e levavam cada vez maiores e mais valiosas cargas de mercadorias, fazendo do Rio Grande uma das nossas mais ricas e prosperas províncias.
Fosse qual fosse o tempo que reinasse, de dia ou de noite, o valente Patrão-Mor daquela Barra não tinha mais hora de repouso. Estivessem brandas as brisas ou soprassem em furiosas refregas os vendavais de S. W., levantando ondas terrivelmente ameaçadoras, lá ia para o Mar o velho Prático, levando o filho ao leme ou manobrando as velas do seu garboso barco, tornando-o assim um consumado marinheiro.
Era realmente uma bela escola náutica, de técnica marítima e de coragem para formar o caráter e a capacidade profissional do jovem mareante. O velho Francisco Marques Lisboa tinha as honras de Tenente e percebia além das pequenas taxas, para a manutenção dos Serviços da “Praticagem”, dez mil reis de sôldo e cinco de gratificação como vencimentos mensais de Patrão-Mor, mas era como se ele fosse um milionário, pois que estava semeando as glórias que o Brasil colheria abundantemente pelas mãos dadivosas de seu filho.
O belo rapaz correspondia, plenamente, à confiança e no amor do seu velho pai. Eram agora felizes, sonhando apenas com mais largos horizontes no futuro do jovem Joaquim, na Marinha de Guerra, que era o seu ideal.
A vocação pela vida do Mar é absorvente e indomável. Seja pelas influências insondáveis de uma misteriosa sentença divina, seja pelas leis biológicas da hereditariedade, o homem, solicitado pelo Salso Elemento, entrega-se apaixonadamente a inabalável tendencia que o arrasta para a perigosa carreira; é uma devoção diante da qual nada valem os argumentos dos sacrifícios pessoais que a caracterizam, sejam êles quais forem! Só os Eleitos de Deus realmente a compreendem, permitindo-lhes enfrentar, com galhardia, boa mente e decisão extraordinárias as severas provações impostas pelo Oceano.
Só os “Predestinados”, pela estirpe mareante, ou os “Atraídos” por uma inclinação espontânea e irresistível – neles misteriosamente revelados como uma graça do Criador — possuem o “fogo sagrado” que dá a coragem, o amôr e a energia física e moral, a indominável paixão e o espirito de sacrifício indispensáveis para enfrentar as durezas sem par que ali os esperam, revestindo-se com as virtudes másculas necessárias para suporta-las e vencê-las com a bravura que caracteriza os Homens do Mar em sua bela profissão.
São criaturas extraordinárias, nascidas com o instinto náutico marcado de um modo indelével e cujas tendencias vibram e se manifestam irrefreáveis …
O mar os deslumbra, atraindo-os como uma mulher formosa, ardente e adorada … A ele se consagram e, desde muito cedo, se entregam de todo seu coração ao Reino de Netuno! Mal começam a receber a luz da Inteligência, a discernir, não desejam outra coisa senão correr para ele; ir à praia; enlevar-se com idéia de conversar com as “sereias”; ouvir o ribombar das vagas nas arrebentações do litoral; nadar, remar, bordejar em barcos adernados debaixo de brisa fresca; afrontar a fúria louca das tempestades; tomar parte em arriscadas “patescarias” no Oceano, cujos horizontes devassam com os olhos da alma – profundamente apaixonados pela grandiosidade do panorama magnifico, que se desvenda em todo seu esplendor ..
“O Mar, escreveu em linda crônica o primoroso Berilo Neves – é o grande fascinador das multidões. Ninguém resiste à sua atração cósmica, que reflete o prestígio multimilenar das formas primarias que lhe habitaram glauco seio …
“A História Natural proclama-lhe a precedência absoluta no abrigar os primeiros sêres dotados de vida na face da Terra. É mister buscar nas ondas o segredo das forças biogenéticas. Por isso, o Mar e – em conclusão – não apenas um mostruário de espécimes multifários, como também, e sobretudo, um laboratório onde se apuram as Formas e se ensaiam as Existências …
“Tudo no Mar nos lembra a grandiosidade sublime do Criador em seu infinito Poder … “
Com o advento do Cristianismo, o Mar proporcionou ao Senhor dos Mundos os pescadores; em eles o Salvador organizou o seu Corpo de Apóstolos, a sua invencível Milicia Divina … Eis porque os Homens do Mar deram ao Brasil – “Terra de Santa Cruz” – A Liberdade, a Independencia, a Unidade Política e a Soberania, entre as grandes nações do Mundo civilizado, abrindo-lhe o caminho da grandeza e prosperidade que para êle sonhamos.
Não podendo ser matriculado na Real Academia de Marinha, já transferida de Lisboa para esta Capital, pois que ali só eram matriculados portuguêses “nobres ou pelo menos com tradições fidalgas até quatro gerações” – “qualidades Y que nossos patrícios “da Banda de Ca” não possuíam senão na alma – Joaquim Marques Lisboa veio do Rio Grande para o Rio de Janeiro e aqui embarcou como ” Voluntario” na Corveta Niterói, do comando do bravo John Taylor. Uma admirável subscrição pública nos permitiu criar a nossa primeira Esquadra.
Este brilhante Oficial britânico e grande amigo do Brasil – onde se apaixonara por uma linda jovem da família Fonseca da Costa, com a qual casou – recebeu-o com grande carinho a bordo da sua Fragata, instruiu-o paciente e bondosamente nas várias modalidades da profissão – navegação, astronomia, aparelho, manobra, a língua inglesa e a matemática. Ensinou-lhe tudo que sabia … Entregou-lhe por fim – os seus cronômetros … Não lhe podia dar maior prova de confiança!
Marques Lisboa mostrou rapidamente os seus progressos nos estudos, a sua inteligência e o seu nobre caráter. Em pouco tempo o nosso “Voluntario” impôs-se a admiração dos britânicos. Observava, calculava e manobrava magistralmente! Sem demora, dizia Taylor, “tornou-se capaz de levar um navio a qualquer parte do Globo”. Era, também, de uma bravura espartana!
Graves acontecimentos se precipitaram na política lusitana contra os interêsses do nosso País. D. Pedro resolveu então aderir aos Movimentos dos Independentes brasileiros, que bravamente se acentuaram – em defesa da nossa autonomia – desde quando, por determinação do Congresso de Lisboa – daqui partiu D. João VI de volta a Portugal.
E como – na frase feliz de Martim Francisco -“A Providência Talhara para o Brasil os mais Altos destinos da Gloria e Prosperidade, que só podem ser salvaguardados por uma Marinha respeitável, apta a defender-lhe quer a extensa costa, quer o rico, ameno e fértil território, assegurando o comércio dos nossos contínuos portos”, foi lançada em todo o Brasil e coroada de êxito magnifico, uma ampla subscrição pública, organizando-se assim a nossa primeira Esquadra! Eram os milagres do patriotismo!
Para comandá-la foi convidado o notável Almirante da Real Marinha Britânica Lord Cochrane, Conde de Dundonald, marinheiro ilustre que acabava de libertar o Chile do jugo espanhol e se encontrava em Santiago: – “Earl of Dundonald, one the finest Captain in the classic age of naval history. The “Sea Wolf” for his daring skill and interprise, not only in the British Navy but later in the service of Chile, Brasil and Greece, in whose struggle for freedom he was an outstanding leader”. (Christofer Lloyd, London 1947). E logo se fez ao mar… em defesa da liberdade do Brasil.
Nesse laboratório, “onde se apuram as Formas e se ensaiam as Existências”, o futuro Almirante Tamandaré desde então se devotou religiosamente à Pátria Brasileira nas lutas pela sua Independencia, na guerra Cisplatina e nas sangrentas campanhas do Uruguai e do Paraguai, bem como em todas as conflagrações separatistas do Império, revelando um espírito organizador extraordinário e constituindo-se o defensor heroico da nossa Pátria ao Mar, assegurando à Nação um futuro de união política e prosperidade, cada vez mais sólidas!
“Os fidedignos documentos que se referem ao Almirante Tamandaré, diz o notável “well informed” Professor Roberto de Barros, constituem em alto relevo psicológico, o tema de uma grande e proveitosa vida. Por eles pode-se gizar, sob o critério rigoroso da justiça histórica, a figura indelével de um vulto máximo nos fastos do heroísmo nacional. Dêles emerge, o perfil militar do “Nelson Brasileiro”.
“Com eles, através da palavra austera do segundo Imperador, pode-se-lhe conferir o título de “Condestável do Mar”, nessa invejável analogia que o coloca, símbolo da honra, ao lado de Bayard o homem “sem medo e sem macula”
“Este meu Bayard, costumava dizer o Imperador a Princesa D. Isabel e ao Professor Paixão, em Petrópolis – êste meu Bayard é bem difícil” – mas não queria menos por isso porque as suas “maneiras” eram reflexos da sua dignidade e altivez – por ventura esquecidas pelos que o não conheciam”. Que o diga o Visconde do Rio Branco, que teve disso duras provas quando ousou pretender desconsiderá-lo pagando caro as suas desatenções.
“De humilde praiano a um grande homem do Império: de rude “Voluntario” a Almirante coberto de glórias: de marujo anônimo a Patrono da Marinha de Guerra Nacional. Ba com a higidez das suas elevadas virtudes e o pundonar da sua impecável dignidade militar, conclui Roberto de Barros. Tamandaré realiza, física, moral e profissionalmente, o tipo completo do Homem do Mar dedicado ao serviço das armas”. Tornara-se, ao mesmo tempo, um interessante estudioso das línguas, das letras, das artes e das ciências, o que lhe deu uma inteligencia iluminada por uma formosa cultura, Era um gentleman elegante, encantador, das mais finas maneiras e possuindo um nobre caráter altivo e digno. Nunca foi um áulico e isso o impunha à estima e ao respeito do próprio Imperador Pedro Segundo e da família imperial, que muito o admiravam.
O nosso grande Almirante casou em 1837, aos trinta anos de idade. Desposa uma formosa e muito prendada Senhorinha – Maria Eufrasia Lisbôa – sua sobrinha, gentilíssima, riograndense, de Viamão, filha de sua irmã, casada com o Conselheiro Jose Antonio Lisbôa …
Dessa união – que foi felicíssima – nasceram cinco filhos: Maria Eufrasia, Isabel, Francisca, Joaquim e Francisco. Tendo enviuvado muito cedo, e sobrevivido ainda trinta anos à sua adorada esposa, dedicou-se a educação sentimental da sua prole, aos seus carinhos paternos, onde, acima de tudo, refere-nos Gastão Penalva – o nosso saudoso Pierre Loti, “exaltava-o o santo amor de Deus”.
Tamandaré era bravo e tinha um grande coração. Por várias vêzes, com risco da própria vida salvou navios e náufragos, entre os quais figurava, na barra do Rio de Janeiro. a nau portuguesa Vasco da Gama; a galera inglesa Ocean Monarch, em frente a Liverpool; e até pobres negros escravos que guarneciam uma canoa alagada por violento temporal ao largo da praia de Santa Luzia, nesta Capital, sem esquecer o futuro Almirante Barroso, prestes a morrer, nas águas do rio Tapajós, na Amazónia. Tinha o peito coberto de condecorações por atos de bravura, entre as quais se destacavam as mais belas medalhas humanitárias.
Na tarde de 20 de Março de 1897, faleceu o egrégio Marques de Tamandaré as 17,30 horas, na rua Marques de São Vicente número 75, na Gávea, contando 79 anos, três meses e oito dias de uma existência gloriosa e util.
“Desapareceu no fim do mesmo século em cujo começo veio ao Mundo, servindo esplendidamente à Pátria, e a Humanidade, até encerrar-se a centúaria memorável em que as armas do Brasil, desde a sua Independência, instituíram uma solida e brilhante tradição nacional, sedimentando a grandeza deste País de destino transcendente” escreveu Dídio Costa, com o fulgor do seu talento privilegiado e a força de seu grande coração.
A manifestação que lhe fêz o povo desta Capital, por ocasião da sua morte, não podia ter sido nem mais justa, nem mais generosa e tocante! A cidade inteira – ricos e pobres, velhos e moços -movimentou-se comovida, para ver passar o féretro do grande morto, acompanhá-lo até o Campo Santo do Cajú, e cobri-lo de flores – expressões da sua saudade e profunda gratidão cívica!
A 4 de setembro de 1925 o Govêrno da República institui a “Semana da Marinha”, e o “Dia do Marinheiro”, de 7 a 15 de dezembro, data do nascimento do Almirante Marques de Tamandaré, porque dizia o Aviso assinado pelo Almirante Alexandrino de Alencar. Ministro da Marinha: “porque ele representa na História Naval Brasileira, a figura de maior destaque entre os ilustres Oficiais de Marinha que honraram sua Classe, tornando-se, além do mais, um pretexto para as demonstrações de civismo de nossôs marujos, de seus firmes propósitos de-defesa da Pátria, de amor à Bandeira, de culto pelas nossas honrosas tradições e de confiança nas energias serenas da raça, capazes de manter sempre grandioso o progresso crescente da Nacionalidade”. E determinou que o nosso Patrono continuasse a figurar – eternamente – como Número Um dos Almirantes – no Boletim dos Oficiais dos Cordos e quadros da Armada, glorificando-o por essa forma e oferecendo-o à veneração da Marinha Nacional. E ergueu-se um monumento – modesto embora – na Praia de Botafogo ao grande Almirante Brasileiro, junto ao qual todos os anos se festejará a “Semana da Marinha” – comemorando assim as glórias navais brasileiras.
Autoria: Frederico Villar *
Data: 01 de fevereiro de 1957
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(*) Almirante da marinha do Brasil