Os graves riscos da omissão

As empresas que se dedicam ao transporte rodoviário de carga raramente têm necessidade de importar equipamentos. Aos empresários do setor, assim, pouco importa se o governo federal aumenta ou diminui as barreiras impostas para conter o fluxo de entrada de mercadorias estrangeiras no Brasil.

A não ser no caso específico das companhias com forte atuação na área dos portos e dos aeroportos, esta questão, – da maior ou menor liberdade para importar, não é, decididamente, de interesse do setor. Certo? Errado. Muito errado. Mas muito errado mesmo. Raras vezes, na história da economia nacional, este tema falou mais de perto aos interesses dos empresários de carga.

A explicação é simples: as imensas dificuldades de importação existentes no País estão possibilitando às companhias industriais de praticamente todos os setores safar-se dos efeitos financeiros da crise de demanda que vem caracterizando este início de 1988, através da diluição dos custos fixos de produção num número menor de unidades fabricadas e comercializadas.

É claro que tal prática, se de um lado garante a rentabilidade das companhias industriais, de outro gera a necessidade de uma elevação do preço dos produtos fabricados acima da inflação. No entanto, como a importação, sobretudo de bens de consumo duráveis, é praticamente proibida, tal iniciativa torna-se perfeitamente viável na medida em que a concorrência é diminuta e, por esta razão, incapaz de conter os preços.

Ao contrário do que pode parecer à primeira vista, trata-se de um tema de alta relevância para os transportadores rodoviários de carga. Afinal, na medida em que se mantêm rentáveis através deste tipo de expediente, as companhias industriais vão gradativamente tirando seus produtos da esfera de poder aquisitivo de uma parcela cada vez maior de consumidores. E, em conseqüência, gradativamente vão aprofundando cada vez mais a queda da demanda interna. E quanto maior for a redução das vendas domésticas, tanto menor será o volume de cargas industriais a serem transportadas, seja dos produtores de matérias-primas e componentes para as fábricas, seja destas para o comércio e, mesmo, deste para o consumidor final.

Uma olhadela em direção ao futuro indica, ao menos aparentemente, a possibilidade real de um aprofundamento cada vez maior desta tendência – até porque, na medida em que fabricam menos, as companhias industriais acabam por liberar maiores parcelas de capital de giro para aplicação no mercado financeiro, uma das principais fontes de lucro nos dias atuais.

É um quadro desolador que conta com um agravante adicional: as dificuldades financeiras do Brasil no front externo não permitem, nem de leve, imaginar que o governo federal possa cogitar da resolução desta questão por meio da eventual adoção de uma política mais liberal no que diz respeito às importações.

A partir de tal impossibilidade, várias outras questões – aparentemente distantes da vida diária dos empresários do setor rodoviário de carga – passam a assumir importância fundamental. A primeira delas refere-se à política salarial. Não exatamente, porém, no item custo das transportadoras. Mas, sim, no lado do poder aquisitivo da população.

Parece claro que, caso não se encontre, e rápido, uma forma de compatibilizar o poder de compra dos consumidores com os novos preços dos produtos industriais, a cada mês que passar a demanda será menor e, em decorrência, menores serão as quantidades de carga a serem movimentadas.

Dentro do mesmo raciocínio, o controle da inflação igualmente passa a ser de interesse direto do setor. É provável que alguns empresários da área rodoviária de carga estejam colhendo algum tipo de vantagem com a inflação. Mas também é certo que nada corrói mais o poder aquisitivo dos trabalhadores assalariados e profissionais liberais do que a inflação, esfriando ainda mais a demanda e, de novo, em decorrência, diminuindo ainda mais o volume de cargas a serem transportadas.

Trata-se, na prática, de um contexto tão amplo que chega a incluir, até mesmo, a necessidade de um questionamento íntimo, por parte dos empresários do setor, quanto a um tema político: tem, o presidente José Sarney, condições de resolver todos os problemas enumerados? Ou seria melhor fazer eleições presidenciais já em novembro próximo e começar tudo de novo, com uma nova equipe governamental, logo no princípio de 1989?

Raras vezes, em síntese, os problemas que afligem o País falaram tão de perto a interesse das empresas rodoviárias de carga. Rara vez, por conseqüência, a situação exigiu tanto um posicionamento claro e incisivo por parte dos empresários do setor quanto a questões aparentemente tão distantes de seu dia-a-dia de trabalho. Raras vezes, em resumo, uma eventual omissão mostrou-se potencialmente tão perigosa.

Autoria: S. Stéfani *

Data: março de 1988

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(*) Editor sênior da Gazeta Mercantil