Perde-se a oportunidade de virar uma página da história

Os direitos trabalhistas aprovados no primeiro turno de votação da Assembleia Nacional Constituinte consagram o paternalismo. Irrealistas, os constituintes endossaram itens de difícil ou mesmo duvidosa praticabilidade. Como se não bastasse, a legislação é anacrônica. Oneroso, o capítulo constitucional dos direitos sociais, se mantido na votação final, vai provocar reflexos na economia nacional, que não podem ser ainda estimados em toda a sua dimensão danosa ao desenvolvimento.

Essa legislação não buscou inspiração em modelos estrangeiros. Os países mais avançados na relação capital-trabalho possuem mecanismos bem desenvolvidos de negociação coletiva. As concessões trabalhistas, nesses países, não surgem da lei, mas do entendimento, ao sabor das forças de mercado e do desenvolvimento econômico. Assim é nos Estados Unidos, na Inglaterra, na Itália. na França e na Alemanha.

Com a nossa tradicional pretensão de reinventar a roda, abandonamos esses exemplos que deram certo. Em lugar de reservar, na Constituição – o documento institucional mais nobre do País -, espaço para enunciar os conceitos que devem nortear as relações entre o capital e o trabalho numa nação moderna e democrática, deixando os detalhes para as negociações coletivas, os constituintes estão preferindo regular tudo, não deixando espaço para que empresas e trabalhadores cuidem de sua vida, negociem, contratem, acertem o melhor para ambos.

A Assembleia Nacional Constituinte deveria preocupar-se com a implantação de mecanismos de aperfeiçoamento da representatividade sindical, das negociações coletivas, dos julgamentos dos processos submetidos à Justiça do Trabalho. Como não são de se esperar grandes mudanças no segundo turno de votação, pode-se dizer que a Constituinte está abrindo mão do papel histórico reservado a trabalhos parlamentares às vésperas do século 21.

Mantidas as “conquistas” trabalhistas enunciadas pela Constituinte, haverá por certo uma reação do mercado, que não aceita irrealismos. Corremos dessa forma o risco de ver milhares de trabalhadores despachados para fora do mercado formal de emprego, sem registro, à margem também do sistema previdenciário.

Se não há produção e a economia não vai em frente, de nada adianta definir vantagens e mais vantagens aos trabalhadores. A tendência é os benefícios voltarem-se contra aqueles a quem deveriam proteger, numa espécie de bumerangue legal certamente não imaginado pelos legisladores.

Perde-se, assim, uma boa oportunidade de virar uma página da História. Nas décadas de 30 e 40, para obter a paz social, os governantes brasileiros conceberam um sistema no qual os sindicatos são atrelados ao Estado. Estabeleceram-se direitos em lei, tornando secundárias as negociações. Imaginava-se que, atingida a maioridade, essa fase seria superada. Ao contrário, o que se vê é a repetição de velhos conceitos, preocupando-se a Constituição com miuçalhas que deveriam ser objeto de um Código de Trabalho ou, melhor ainda, de convenções coletivas.

Estimativas da Confederação Nacional de Indústria (CNI) concluem que as medidas aprovadas geram três tipos de impacto sobre as despesas das empresas. Há aquelas cuja implantação implica crescimento imediato da folha de pagamento, com a redução da jornada de trabalho. Em segundo lugar, como parte desses dispêndios serão incorporados aos salários, ocorrerá elevação nos custos indiretos. Por último, alguns itens, cuja regulamentação será feita futuramente, representam impactos mediatos, cuja efetivação implicará a constituição de reservas para seu atendimento.

Optamos por distribuir benesses, mas nos esquecemos de que alguém terá que pagar a conta. Melhor seria implantar mecanismos que incentivem as pessoas a buscar a felicidade, obedecidos os ritmos e os estágios de desenvolvimento das múltiplas atividades econômicas, nas diversas regiões do País. Ainda é tempo de aprendermos com a experiência alheia. A democracia e a liberdade também devem ser implantadas na economia e no mercado de trabalho.

 

Autor: Alencar Rossi *

Data: maio de 1988

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(*) Advogado, assessor da NTC/FENATAC para relações coletivas de trabalho.