Polyphemus e Destroyer
Eis os nomes das duas mais poderosas machinas de guerra que os constructores navaes deste seculo têm produzido. São duas incognitas de um mesmo problema e cujos valores a geração presente ou a futura terá de determinar. Em marinha ha muito que não se cogita nos meios de destruir a vida dos combatentes. Todos os esforços tendem a inutilisar o material, a lançar ao fundo as plataformas Auctuantes, em que confião muitas nações, seu destino e seu futuro – e d’ahi o canhão de 100 toneladas, o torpedo, o Polyphemus e o Destroyer as duas formas mais completas de destruição a correrem 17 miIhas por hora.
O Polyphemus, que acaba de cahir ao mar dos reaes estaleiros de Chatam, em Inglaterra, foi planejado pelo Sr. Barnaby, que o fez navio ariete e torpedo ao mesmo tempo. Apresenta a forma de um charuto de 240 pés de comprimento por 40 de bocca extrema e 18 de pontal, uma secção mestra immersa de 625 pés quadrados, e um deslocamento de 2640 toneladas.
Este immenso cylindro de extremos ponteagudos tem um cavername de aço Landor Siemens, sobre que assentão duplas chapas, tambem de aço de meia pollegada de espessura, as quaes, por sua vez são cobertas por outras de aço comprimido Withworth, medindo dez pés de comprimento por 2.5 de largura e uma pollegada de espessura, e, finalmente, terminadas por uma couraça exterior, tambem de aço comprimido Witworth, de dez pollegadas quadradas e da espessura de uma, adelgaçando-se para os extremos até 3/4.
Este revestimento cobre todo o convéz, estendendo-se até um pouco abaixo da linha d’agua. Sobre o convez curvo ou arqueado levanta-se uma estructura de ferro e madeira sobre a qual corre, de ré á proa, a tolda, e acima d’ella o passadiço.
Ao longo d’este, e, de espaço a espaço, assentam seis torres, tres de cada lado, armadas com metralhadoras Nordenfelt. Nos extremos, duas torres conicas atravessando a tolda, dão sahida e ingresso para o interior do navio. Dous ventiladores fornecem o ar preciso á vida da tripulação. Não tem mastros; possue dois lemes a ré para facilidade da manobra e que podem ser abaixados ou levantados á vontade. Termina-o um ariete que se adianta 14 pés do corpo ‘do navio e que é ôco para por elle poder disparar-se torpedos Witehead. E achando-se o extremo oito pés abaixo da linha d’agua, fecha-o um “solido tampão de aço, que uma barra corrediça abre impellindo-o e fazendo-o voltar para cima afim de dar passagem ao torpedo, e volta á primitiva posição terminado o lançamento.
O apparelho do governo do leme está embaixo sobre a praça das caldeiras de ré, logar que se acha em communição telegraphica com a torre de vante. Duas machinas horizontaes, systema compound, movendo cada uma um helice de tres azas de 14 pés de diametro e 17 de paço, de quatro cylindros, dous de baixa pressão de 64 pollegadas de diametro e dous de alta de 38, e uma pancada de 39 pollegadas desenvolverão a força indicada de 5.500 cavallos para propulsar o navio com a velocidade maxima de 17 milhas por hora.
Dez caldeiras, typo locomotiva, fornecerão vapôr sob a pressão de 120 libras por pollegada quadrada. O peso do machinismo, incluindo a agua das caldeiras e 10 toneladas de sobresalentes, é de 490 toneladas.
Tal é o Polyphemus, exclama o Times, o mais novel campeão da marinha Britannica, e indubitavelmente um dos seus mais poderosos navios. E’ força confessar que este encouraçado ainda que sem artilharia, com um peso de 2640 toneladas, animado de uma velocidade de 17 milhas, não apresentando ás balas inimigas senão um alvo de muito pequena superficie e de angulos muito obliquos, com um formidavel esporão, que ao ferir o adversario lhe vomitará dentro um torpedo Witehead, é deveras uma arma offensiva formidavel.
Qual o adversario em qualquer marinha do mundo, inclusive a ingleza, que a elle se possa oppôr? O proprio Inflexible, apesar de sua espessa couraça e grossa artilharia, poderá impunemente esperar firme o choque d’essa immensa massa de aço e ferro, que, ao rasgar-lhe o flanco, arremesará em seo interior duzentas ou trezentas libras de materia explosiva?
Com o Polyphemus a efficacia do torpedo Witehead ou de outro qualquer é inteira e completa; sem mesmo poderem minorar-lhes o effeito destruidor os compartimentos estanques do infeliz navio que o receber em seo seio.
No entanto ainda é considerado pelo proprio Governo Britannico como navio experimental. Na grande republica da America do Norte, os Estado-Unidos, foi imaginado e levado a effeito o Destroyer digno emulo do Polyphemus.
E’ o Destroyer um navio encouraçado sem artilharia, e cujo casco, da forma tambem de um charuto, tem extremidades inteiramente semelhantes, terminadas em finas cunhas.
Seo comprimento é de 130 pés por 12 de bocca extrema e 11 de pontal. O convez divide-se em tres partes distinctas: a de vante, a intermediaria e a de ré.
A primeira e a ultima, ou o convez de vante e o de ré, são revestidos de chapas de ferro forjado de uma pollegada de espessura; o intermediario, que é curvo, distante 32 pés da prôa, sustenta uma solida e pesada couraça, collocada transversalmente á linha da quilha com uma inclinação de 45 gráus. e descansando seo extremo posterior sobre um apoio de madeira de 4 pés e 6 pollegadas de largo na base.
Acima d’elle estão os alojamentos dos officiaes e guarnição, construcção de setenta pés de comprido, á prova d’agua, composta de chapas de ferro e segura á parte superior do casco.
O leme acha-se inteiramente sem connexão com as partes visiveis da pôpa, sendo seguro a uma haste vertical de ferro forjado que é soldada a um prolongamento da quilha por ante a ré do propulsor, e cuja parte superior está quatro pés abaixo da linha d’agua.
Duas canas, consistindo em delgadas chapas de ferro, presas por parafusos de um e outro lado do leme, na altura de poucas pollegadas do fundo, são movidas pelas hastes rectas dos embolos dos cylindros hydraulicos de cinco pollegadas de diametro que assentão aos lados da quilha.
Do que se conclue facilmente que o apparelho do governo deve achar-se dez pés abaixo da linha d’agoa, emquanto que o tope do leme apenas dista cinco pés desse nivel.
A roda do leme acha-se collocada por detraz do apoio de madeira de que adiante fallamos. Um gualdrope de arame põe em communicação o tambor com uma torneira de quatro vias, por cujo intermedio admitte-se alternadamente pressão nos cylindros hydraulicos, cujos embolos dão movimento ao leme.
No extremo de vante do convez intermediario ha um poço protegido por uma couraça de ferro forjado de dezeseis pollegadas de espessura, onde está o homem do leme, que d’ahi não só governa o navio, como dispara a peça por meio da electricidade.
Igualmente protegida por couraça é a sáia da chaminé. Poderosos ventiladores fornecem ao interior do navio o ar necessario a alimentação dos fogos nas fornalhas.
A machina, que póde desenvolver mil cavallos indicados e é tal que occupa apenas um espaço de oito pés quadrados, acha-se inteiramente abaixo da linha d’agoa e por baixo do convez intermediario e, portanto, completamente ao abrigo dos tiros inimigos.
Uma unica caldeira com duas fornalhas fornece o vapôr preciso ao trabalho do mechanismo. A machina e caldeiras estão dispostas de tal arte, e tão eximiamente arranjadas, que apenas um machinista e um foguista são precisos para cada quarto.
A peça que dispara o torpedo está collocada no fundo do navio junto á quilha, terminando a bocca no talha-mar sete pés abaixo da linha d’agua. Uma valvula exterior abrindo e fechando authomaticamente, impede o ingresso d’agoa no interior do canhão; e o pouco d’esse liquido que mesmo assim nelle penetra, na occasião de ser disparado o torpedo, passa para o porão e d’ahi é lançado fóra por meio de um siphão.
Este canhão de retro-carga é um cylindro de ferro forjado, revestido de anneis de aço, perfeitamente torneado, de 30 pés de comprimento e 16 de diametro interno. O projectil ou torpedo tem 25 pés e seis pollegadas de comprimento, 16 pollegadas de diametro, e pesa 1,500 libras, incluindo uma carga de 250 libras de dynamita ou materia explosiva.
O corpo do projectil é de madeira e do formato de um charuto, sendo de cobre sua ponta, ou secção da dynamita; uma armadura de ferro, fundido na base ou cauda do projectil, contrabalança o peso do outro extremo.
A velocidade inicial deste torpedo é de 250 pés por segundo ou de 160 milhas por hora.
Eis o Destroyer, o mais poderoso navio torpedo até hoje construido. Não é apenas um esboço mal accentuado ainda, porque a serie de experiencias feitas por Captain Ericsson, seu inventor, tem demonstrado que em distancias de 200 e 300 pés, o caminho do torpedo é uma perfeita linha recta, não tendo as correntes nenhum effeito sobre elle.
Este torpedo de percussão, animado de uma vertiginosa velocidade, destruirá, não se o póde duvidar, o mais forte encouraçado, independente do numero de compartimentos estanques que possua.
Podendo navegar com qualquer tempo, devido a sua peculiar construcção, offerecendo ás balas inimigas uma couraça inclinada e um casco quasi submerso, dotado de uma velocidade de 16 milhas e custando apenas, inteiramente prompto, 100 contos de réis, é a arma a mais efficaz e offensiva que póde possuir uma esquadra bem organisada, ou um paiz que, dispondo de poucos meios, não comporta no orçamento o custeio de grande numero de navios.
Entre o Destroyer e o Polyphemus para nações ricas, não é difficil a preferencia, tendo em vista que o ultimo, além de роderoso ariete perfeitamente defendido, capaz de medir-se com o mais poderoso adversario, leva ao interior do navio inimigo a destruição e a morte; mas para nós, por exemplo, que temos pequena marinha e a quem faltam recursos, é certo que meia duzia de Destroyers collocavam-nos em um pé respeitavel, assegurando ao mesmo tempo a defeza de nosso littoral.
E tal é, segundo consta, o parecer da Commissão de Melhoramentos do Material de Guerra, que, em um bem elaborado parecer, deu noticia de semelhante navio. Ora, seis centos contos, é forçoso lembral-o, são o importe de duas insignificantes canhoneiras de ferro e madeira, armadas com canhões Witworth e só proprias para a policia de rios.
Autoria: José Victor de Lamare *
Data: 18 de julho de 1881
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(*) Capitão-tenente da Marinha do Brazil