Qualidade de vida depende da mobilidade social

Até o final do século 19, o mundo era essencialmente rural. Aproximadamente 90% das pessoas moravam no campo e conseqüentemente a economia girava, em igual percentual, ao redor da agricultura. Os 10% restantes da população se concentravam nas cidades.

O regime de trabalho nas grandes fazendas era escravagista; o fazendeiro se responsabilizava pela moradia, alimentação e tratamento médico de seus escravos – que moravam na própria fazenda.

Na virada do século, esse quadro social e econômico começou a sofrer rápidas modificações. O mundo assistia a uma verdadeira explosão industrial, que se propagava como o mais moderno método de enriquecimento das nações. Assim, as fábricas começaram a surgir nas cidades. Os patrões agora não tinham mais de oferecer casa, comida e assistência médica para seus funcionários, pois agora eles dependeriam de salários.

Isso fez com que parte da população rural iniciasse a viagem em direção às cidades, atrás do novo sonho produtivo, que tanto poderia ser o de abrir uma indústria (alternativa para os empresários rurais) como trabalhar nela. Essa atitude foi favorecida pela sazonalidade climática do campo, que sempre gerou instabilidade no cultivo e na colheita, fazendo com que o investidor ou o trabalhador optasse por negócios mais seguros.

Simultaneamente, no início do século 20 a comercialização de produtos tomou uma gigantesca dimensão: a cada década as vendas de produtos dobravam. A concentração econômica agora estava nas cidades, que recebiam cada vez mais migrantes das áreas rurais.

Da noite para o dia, os centros urbanos se viram repletos de pessoas, que necessitavam se locomover, e sem um plano diretor que os adaptasse à nova realidade. Isso acabou comprometendo a qualidade de vida anterior, já que passou a ser necessário percorrer percursos mais longos, sem transporte adequado, gerando mais despesas e congestionamentos.

As cidades maiores iniciaram a implantação de bondes. E a construção de novas linhas dependia de acordo entre a empresa de transporte e as novas fábricas que iam surgindo. Não é necessário explicar em detalhes o caos que se gerou. Na década de 30, os bondes já não atendiam mais as demandas de passageiros. Começaram, então, a surgir os ônibus, que faziam itinerários não atendidos pelos bondes.

As grandes cidades cresceram ainda mais em termos populacionais, triplicando as áreas urbanas até a década de 60. A partir daí, a indústria automobilística nacional começou a favorecer a aquisição de veículos particulares, que congestionaram as vias públicas. Com o passar do tempo, o transporte coletivo de passageiros foi preterido e o quadro gerou a comprometida mobilidade urbana atual.

Hoje, esse é o nosso maior problema: o uso e a ocupação desordenada do solo foi responsável pela deficiente mobilidade que vemos nos grandes centros urbanos do País. No entanto, se temos a história do problema, podemos fazer a história que irá solucioná-lo. A partir de agora, as leis do solo deverão pensar, antes de mais nada, na mobilidade social. De certa forma, essa consciência já aparece em metrópoles como São Paulo, que, recentemente, aprovou seu novo plano diretor.

Investir em corredores de transporte é fundamental para resguardar a mobilidade, pois estimula a mudança das pessoas para perto desses locais. Vejamos o exemplo de São Paulo, a maior cidade do País: em 1900, moravam no município 250 mil pessoas; esse número passou para 2,5 milhões em 1950 e saltou para 10 milhões em 2000. Permitir hoje que essa massa de população se movimente convenientemente exigiria investimentos maciços no setor de transportes públicos. Seriam necessários mais 200 km de corredores de ônibus – municipais e intermunicipais – que demandariam recursos da ordem de R$ 2 bilhões. A Companhia Paulista de Trens Metropolitanos – CPTM deveria modernizar sua rede de 270 km, o que representa investimento de R$ 3 bilhões; e o metrô requer expansão de 100 km em suas linhas, que se traduz em recursos de R$ 20 bilhões.

Pelo alto investimento que esses projetos exigem – R$ 25 bilhões – as obras poderiam ser feitas a longo prazo, já que as pesquisas de aumento populacional mostram que a cidade de São Paulo vai manter o número de habitantes em patamares estáveis nos próximos 20 anos. Só com a mobilidade social garantida é que teremos a qualidade de vida que desejamos.

Autoria: Ailton Brasiliense *

Data: setembro de 2002

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(*) Diretor da ANTP – Associação Nacional dos Transporte Públicos; chefe de operações e projetos do Metrô; presidente da CET; diretor do DSV; superintendente de Planejamento da CPTM.