Transportes no Brasil: Um pouco da verdade
Há longos anos ouvimos dizer que aos transportes ferroviários e marítimos cabe a circulação das grandes massas nas grandes distâncias. Tal afirmativa, emitida e endossada pelos técnicos daqueles sistemas, circulou por longo tempo, sem que o transporte rodoviário indagasse de sua procedência ou não, voltado que estava para o trato dos inúmeros problemas quotidianos de sua implantação e da estabilidade de suas organizações.
Todavia de tanto ouvir falar em grandes massas nas longas distâncias, expressão por si demasiadamente vaga, decidimos indagar daqueles mesmos homens que faziam tal afirmativa, o que significava a mesma, individualizadamente para cada um dos sistemas em foco.
E quanto mais perguntávamos, mais tumultuados nos sentíamos, tal a contradição ou a omissão das respostas. Quando, representando o transporte rodoviário de carga, integrávamos o Grupo Executivo da Coordenação dos Transportes, de certa feita indagamos do ilustre representante da Comissão de Marinha Mercante, homem integro de gabarito e profundamente interessado na solução dos problemas brasileiros de circulação das riquezas, o que significava para a cabotagem a expressão <grandes massas nas longas distâncias>. Disse-nos, na época, que econômicamente para o sistema marítimo só eram compensadores os carregamentos de grandes tonelagens em distâncias superiores a 1.300 milhas, ou seja, aproximadamente,
2.500 quilômetros. Em conseqüência, pacífica era a interpretação de que todo o transporte aquém daquela distância seria econômicamente desinteressante para a cabotagem. Aliás, foi no setor marítimo a única informação precisa que obtivemos, pois as demais sempre se manifestaram imprecisas e titubeantes.
No que diz respeito ao sistema ferroviário, até agora estamos à procura de quem nos defina essa mínima quilometragem, apesar de havermos encontrado publicações, poucas, onde teoricamente e com base em experimentos estrangeiros, os autores apontam como econômicamente satisfatórios os transportes ferroviários de grandes massas em distâncias superiores a 100 quilômetros.
De uns tempos para cá, o problema vem-nos preocupando bastante. Temos discutido com diversas pessoas que militam naqueles dois sistemas, e quanto mais debatemos, mais convencidos ficamos de que o Brasil e um país TIPICAMENTE RODOVIARIO! Tal conclusão firmou-se, face à hipótese que estabelecemos, assim resumida. Se um grupo econômico pretendesse fundar uma ferrovia, hoje, no Brasil, entre que dois pontos poderia fazê-lo, de forma a encontrar a tonelagem-quilômetro mínima, para enfrentar as despesas decorrentes da operação e da rentabilidade do capital empregado. A totalidade dos interrogados, indicou-nos, logo, o transporte de minérios. De tal forma que imaginamos só possuir, o Brasil, minérios. Mas surge a interrogação: êsse transporte já não possui dono? Ante o silêncio, firmamos as conclusões de nossa afirmativa.
Por outro lado, é comum ouvirmos dizer que o Brasil possui mais de 6.000 quilômetros de costas. Entretanto, os que assim falam esquecem-se de que a profundidade territorial, de Leste a Oeste, é superior. Quem olha o mapa do Brasil verifica que seu desenvolvimento processou-se até recentemente na orla marítima. Excetuando-se o Sul, nosso interior é literalmente um vazio.
Na verdade, os técnicos, em sua maioria teóricos, só analisam o problema <transportes>, sob o ponto de vista do sistema a que estão integrados material ou doutrinariamente, sem entrar na análise dos demais. Esse conceito impede o estabelecimento de comparações com vistas à escolha daquele sistema que melhor consulta os interêsses géo-econômicos do país. Vale ilustrar com um exemplo: suponhamos uma indústria da Guanabara, que remeta mercadorias para a região do Cariri, no interior do Ceará. Se remetidas pelos sistemas ferroviário e marítimo (o que hoje é impossível), iria dentro do bom senso até o Recife e daí pela ferrovia (que não existe), ao Cariri. Uma vista d’olhos no mapa permitirá a qualquer um constatar que é muito mais fácil remeter pela rodovia, pois vai direto. Outro exemplo ocorre-nos do que sucedia no Maranhão, quando não havia transporte rodoviário direto. O comércio a grosso de tecidos era monopolizado por meia dúzia de firmas de São Luís, que revendiam ao retalhista nas condições mais imperativas, em um controle por vezes condenável.
O mesmo ocorria com o arroz da região de Bacabal, Pedreiras e Coroatá, naquele Estado, quando se servia do transporte conjugado ferrovia-cabotagem. Hoje o caminhão transporta, diretamente, da fábrica ao varejista, por menor que seja, ou no segundo exemplo do produtor ou do beneficiador para os inúmeros centros consumidores, eliminando, assim, o monopólio de uns poucos intermediários.
Há meses foi criado o Conselho Nacional de Transportes, onde hoje temos a honra de estar presentes, representando o transporte rodoviário. Há dias foi criado o Grupo Executivo de Integração da Política de Transportes – GEIPOT. Objetivo de ambos: fixar a política e as diretrizes dos transportes no Brasil. Para tanto foram contratados os serviços de firmas estrangeiras, através financiamento do Banco Mundial. A uma firma americana será confiado o <check-up> das ferrovias. Outra, holandesa, cuidará dos portos e do sistema marítimo. As rodovias de Minas Gerais serão estudadas por uma firma francesa, enquanto que a uma dinamarquesa caberá estudar as estradas de rodagem do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Logicamente, êsses estudos devem ter grande profundidade, sem o que não seriam justificáveis.
Aliás, tal fato, recorda-nos determinada ocasião, quando fomos procurados pelo <manager> do Ponto IV, no Brasil. Palestrando sôbre transportes, ofereceu-se o mesmo para enviar ao Brasil técnicos norte-americanos, em transporte rodoviário e nos solicitou indicar quais as exigências que julgávamos deveriam ser feitas aos mesmos. Condicionamo-las em uma única: que os homens enviados fôssem pessoas de bom senso e capacidade suficientes para identificar o nível histórico de progresso do nosso sistema de transportes, nossas necessidades presentes e do amanhã e sem falsos conceitos sobre este país. Após então, deveriam localizar nossa situação em paralelo com a evolução histórica dos transportes, nos Estados Unidos e estabelecer as conclusões sobre nosso procedimento futuro. Até hoje aguardamos a vinda dêsses nossos possíveis professôres.
O que precisamos, para usufruirmos do exemplo estrangeiro, é estabelecermos a comparação entre as correspondentes eras do desenvolvimento econômico e não nos deslumbrarmos com o decantado progresso atual de outras nações. cujo alcance depende do fator tempo. Este, podemos acelerar; nunca ultrapassar.
Aguardemos a conclusão dos estudos que vão ser feitos. para então opinarmos. Mas já nos ocorre uma pergunta: que tratamento teriam nossas ferrovias e as maiores emprêsas de navegação, se não pertencessem ao Governo? E ainda mais: será que no decorrer dos anos, e até hoje, foi certa a política de amparo às ferrovias e à cabotagem? Parece-nos que o problema para o Govêrno deixou de ser o de circulação das riquezas para se transformar em financeiro, alarmado com os vultosos «déficits», que a qualquer preço procura cobrir.
Será que as ferrovias. com a atual política de transporte, terão condições para eliminar os elevados «déficits», que hoje atingem a todo o povo obrigado a pagar muito caro por um pioneirismo do século passado? Não acreditamos, quando vemos a Rêde Ferroviária Federal coletando, nas cidades em caminhonetas pacotinhos e caixinhas. Isso cria um custo elevadíssimo em qualquer organização de transportes e dá um trabalho insano a seus dirigentes. No próprio transporte rodoviário em que empresas há que se dedicam a cargas de grande tonelagem e outras aos transportes daquelas pequenas encomendas vemos que aquelas, quando pretendem ingressar no terreno destas, elevam o custo incontroladamente impossibilitando-as de transportar as lotações a preços razoáveis.
Ao investirem as ferrovias e a cabotagem sôbre essas cargas que sem dúvida alguma pertencem à rodovia criam para si próprias. dificuldades e aumentos de custo. E o pior, uma propaganda negativa de seus serviços. Enquanto isso ocorre, a rodovia matreiramente se aproveita do fato e vai conquistando a carga que, em princípio, podíamos admitir ser mais interessante ser transportadas pela ferrovia ou pelo sistema marítimo.
O problema e complexo. Esperamos que os homens responsáveis encontrem uma soluco semelhante aquele do covo de Colombo>, dentro do que se definir com critérios objetivos e brasileiros, o que são grandes massas em longas distâncias pois o assunto é de grande interêsse nacional.
Não adianta decretos ou portarias e sim que cada um dos sistemas de transporte se compenetre de suas razões de existência. se organizem para cumprir com suas finalidades e não se deixem empolgar por um egoísmo primário. Isso abriria as portas para uma política que embora honesta seria divorciada da realidade e incapaz de solucionar os superiores interêsses da circulação das riquezas e dos bens de produção e consumo do país.
Os três sistemas – ferroviário, marítimo e rodoviário – nunca poderão deixar de considerar e respeitar as decisões do único juiz: o usuário. A êle e somente a êle cabe a decisão sem o que a perda de sua soberania no julgamento do assunto seria fatal para o progresso do Brasil.
Temos lido muita coisa empírica, fantasiosa, irreal e até absurda, dizendo como deveria ter sido feito e não, como deve ser feito.
Precisamos trazer ao conhecimento do público e em especial de nossas autoridades, o que é efetivamente o transporte no Brasil e cada um de seus sistemas, com suas qualidades e seus defeitos. Para tanto, prosseguiremos na análise do problema.
Autoria: Orlando Monteiro *
Data: novembro de 1965
Publicação original: CLIQUE AQUI
Publicação no acervo FuMTran: CLIQUE AQUI
____________________________________________________________________________
(*) Membro fundador e primeiro presidente da NTC; Pioneiro do TRC; Sócio-gerente da antiga Expresso Santo Antônio Ltda.