Um grande parecer

A quem possa interessar:

Tendo sido procurado pelo Sr. Alcino Eduardo de Souza, ex-comissário da extinta Panair, a fim de declarar meu ponto de vista sobre o fato com ele ocorrido, quando voava como tripulante abordo de uma aeronave “Constellation L-49”, em conseqüencia do qual sofreu sérias consequências físicas, tornando-o inapto para a profissão, com grandes prejuízos financeiros para manutenção de sua família, passo a declarar o seguinte:

Não me surpreende estar seu processo de reivindicação rolando pelas várias seções da Justiça. Em minha vida profissional de 47 anos, dos quais 30 a serviço da Panair, tive oportunidade de examinar e tomar parte em muitos inquéritos de acidentes e incidentes de aviação. Nos últimos anos dediquei-me com mais interêsse a êsse assunto, tendo como resultado elaborado e publicado um trabalho intitulado “Os acidentes de aviação – Fatôres causais e sua investigação”.

Não há mais segredos nas pesquisas dos acidentes e incidentes. Surgem, porém, certas dificuldades não propriamente de caráter técnico, mas sim do valor da certos depoimentos prestados por testemunhas influenciadas por elementos políticos ou vaidade profissional, o que vem muitas vezes criar certos embaraços nas conclusões ou deixando a investigação aberta até um provável arquivamento. No trabalho acima citado, cito um caso celebre em que o diretor do inquérito, pesquisador tenaz e infatigável, levou anos até descobrir a verdade simples e clara, encoberta por um falso depoimento de um comandante muito cioso de sua vaidade profissional.

Mas o caso do comissário Alcino não apresenta mistério algum. De acordo com a técnica moderna, os acidentes e incidentes de aviação se enquadram dentro das seguintes faixas de fatôres causais, podendo um mesmo caso compreender vários fatôres ao mesmo tempo. As faixas são as seguintes:

1) Aeronave – falhas funcionais e materiais

2) Tripulação – falha operacional e humana.

3) Estrutura operacional – do govêrno ou privada

4) Meteorologia.

5) Fatôres estranhos – bombas explosivas, contrabando, motim a bordo.

6) Fator indeterminado.

Segundo se evidencia das informações, o comandante procurou lançar a culpa para um fator meteorológico, o que foi contestado pelos dados meteorológicos da ocasião, restando somente a denúncia apresentada pelo mecânico de bordo.

O que houve, e que se tornou conhecido entre a maioria dos tripulantes da Panair foi uma falha operacional da parte do comandante em apreço, não decorrente de imperícia, mas sim de uma leviandade irresponsável, inadmissível em qualquer condutor da veículos, transportando vidas preciosas. Pode-se, pois, sem medo de errar, citar dois fatôres causais responsáveis pelo lamentável insucesso. Ei-los, em forma decrescente de responsabilidade:

1) Tripulação:

Falha operacional do comandante por ter executado em voo de cruzeiro de aeronave comercial uma manobra acrobática que, por ser incompatível com as normas adotadas, pretendeu atribuir a uma causa meteorológica.

2) Estrutura operacional:

Fala na seleção e inspeção dos comandantes por parte da Panair, mantendo em seus quadros indivíduos psiquicamente desqualificados, embora aptos técnicamente.

Estes são a meu ver os dois únicos fatores causais responsáveis pelo incidente.

O que se procura nos acidentes de aviação é apurar a verdade, não com o fim de estabelecer castigos ou punições, mas sim com o nobre objetivo de evitar repetições de acidentes e salvaguardar os interêsses do público e das companhias transportadoras.

No caso em questão, urge que a justiça proteja os interesses do comissário Alcino, profundamente prejudicado e abandonado, vítima de uma irresponsabilidade profissional. Urge, também, que a Justiça venha promover a moralidade profissional em benefício do público e não se deixe influenciar pela opinião do “coleguismo”, que prefere, errôneamente, amparar os “colegas” do que honrar e elevar a verdadeira ética da profissão que abraçaram

Esta é a minha opinião desinteressada sobre o caso do comissário Alcino, muito embora o resultado do inquérito levado, a êxito pelo DAC e as conclusões das investigações do Sindicato dos Aeronautas sejam as diretrizes legais a serem consideradas pela Justiça.

 

Autoria: Coriolano Luiz Tenan *

Data: 22 de julho de 1969

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(*) Comandante