Amazônia azul: desafios e ações visando ao protagonismo brasileiro no Atlantico Sul

Este artigo é uma síntese do trabalho vencedor do Concurso Almirante Paulo Moreira da Silva 2023. A versão completa está disponível na Biblioteca do Clube Naval.

Por milênios, o mar foi percebido, meramente, como uma fonte de alimento para a humanidade, até que, a partir do século 15, as Grandes Navegações provocaram uma mudança desse status original, uma vez que o mar foi intensamente utilizado para o transporte de pessoas e mercadorias, impulsionando a descoberta de novos povos e territórios, bem como o comércio entre civilizações. Com a chegada do século 18, por ocasião da Revolução Industrial, ocorre uma nova mudança dessa condição, já que a humanidade passa a conceituar o mar de forma moderna e abrangente, incorporando e reconhecendo seu papel como importante fonte de riqueza e meio de comunicação (COUTAU-BEGARIE, 2011). Atualmente, o ambiente marinho se reveste de um status de poder e riqueza, alimentando desafios e cobiças, constituindo-se na última fronteira a ser explorada econômica e estrategicamente. Além disso, o crescimento da população mundial, que se estima ultrapassar nove bilhões de pessoas até a metade deste século, estimula as nações a buscarem por novos recursos naturais, alimentos e fontes de energia ofertados pelo ambiente marinho, de forma a promover o desenvolvimento desses países.

A DÉCADA DO OCEANO E AGENDA 2030

Nesse ínterim, a Década da Ciência Oceânica para o Desenvolvimento Sustentável (2021- 2030), chamada de “Década do Oceano”, inserida no escopo da Agenda 2030, cuja proposta foi apresentada pela Organização das Nações Unidas (ONU), em 2017, traz alguns aspectos relacionados aos Oceanos: Mudança Climática, Transição Energética e Economia Azul (ONU, 2017). Em paralelo, a Agenda 2030 tem como Plano de Ação erradicar a pobreza, proteger o planeta e alcançar a paz e a prosperidade e, por isso, foram estabelecidos dezessete Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), destacando-se o de número quatorze, que trata do compromisso de conservar e usar sustentavelmente os oceanos, os mares e os recursos marinhos, conforme figura abaixo

AMAZÔNIA AZUL E A ECONOMIA AZUL (BLUE ECONOMY)

Nesse contexto, em conformidade com o Planejamento Estratégico da Marinha (PEM) 2040, o mar e as hidrovias são vitais para o Brasil. Nas Águas Jurisdicionais Brasileiras (AJB), o País possui direitos patrimoniais e de soberania que incluem o aproveitamento econômico de recursos definidos pelos limites da Plataforma Continental, constituindo uma área que, acrescida da Elevação do Rio Grande (ERG), abrange 5,7 milhões de km2 , sendo conhecida como AMAZÔNIA AZUL, conforme figura à direita, além de 60.000 km de hidrovias (BRASIL, 2023). Sob a perspectiva da Economia do Mar, a Amazônia Azul é compreendida como uma área de exploração exclusiva brasileira, apresentando o potencial de gerar riqueza para as futuras gerações e que, por isso, necessita ser preservada e protegida. Essa área engloba mais de 95% do tráfego de nosso comércio exterior e cerca de 97% da extração do petróleo nacional, sendo, ainda, detentora de incontáveis recursos vivos, minerais e sítios ambientais, com a existência de estratégicos portos, centros industriais e de energia. Além disso, os cabos submarinos, que cruzam essa área, são responsáveis por 99% da transmissão de dados de comunicação do País e segundo maior hub mundial. A Economia do Mar, nesse contexto, leva em consideração as atividades direta e indiretamente relacionadas ao mar, abrangendo doze setores econômicos de dezessete estados e 280 municípios defrontantes ao mar, representando 19% do PIB nacional (CARVALHO, 2018). Em contrapartida, a Economia Azul, conceito mais amplo, trata do uso sustentável dos recursos marinhos, que aborda o desenvolvimento econômico, o bem-estar social e a criação de empregos e a conservação dos ecossistêmicos oceânicos e costeiros. Segundo a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), as riquezas geradas nas atividades realizadas no ambiente marítimo alcançarão US$ 3 trilhões até 2030, o que representará mais de quarenta milhões de empregos, o que denota a relevância desse ambiente para o desenvolvimento econômico-social em todo o planeta, incluindo o potencial econômico de exploração e explotação sustentável da Amazônia Azul. Contudo, é importante compreender as ameaças contemporâneas que podem comprometer essas atividades econômicas (OCDE, 2016).

O CONCEITO DE SEGURANÇA AMPLIADA

Segundo Baldwin (1997), além da tradicional preocupação com a segurança devido a ameaças militares externas, conforme os princípios da teoria Realista, a maioria dos estudiosos parece estar mais interessada em redefinir as agendas políticas dos estados-nações, de forma a incluir e dar prioridade a tópicos como pobreza, comércio, economia, direitos humanos, crimes transnacionais e meio ambiente. Assim, as percepções de segurança mudaram de uma “Agenda Tradicional”, centrada no Estado e baseada em abordagens realistas, após a Guerra Fria, para um cenário de questões “Não Tradicionais”, conforme a teoria do Liberalismo. Desse modo, as seguintes ameaças passaram a exercer protagonismo: o terrorismo, pirataria marítima, criminalidade organizada transnacional, pesca ilegal e não declarada, ciberataques, pandemias e disputas marítimas. Tais ameaças à Segurança Nacional, cujo conceito se refere à proteção dos interesses e da soberania de um país contra ameaças internas e externas, demandam a elaboração de uma Grande Estratégia Nacional (GEN), visando orientar a ação do Estado para responder a tais ilícitos. É importante destacar que a garantia dessa Segurança Ampliada é de responsabilidade primária do chefe do Executivo e, também, de toda a sociedade. Nesse contexto, a MB exerce um relevante papel no entorno estratégico brasileiro, definido pelos limites geoestratégicos estabelecidos na PND, englobando 55 milhões de km2 e 14 milhões de km2 de área SAR (Search and Rescue).

O ATLÂNTICO SUL

Pelo Atlântico Sul (AS) navegam duzentos mil navios/ano, transportando 80% do petróleo importado pela Europa Ocidental e 40% das importações dos Estados Unidos da América (EUA), possuindo as seguintes ligações com demais oceanos: ao Sul, com o Oceano Austral; a Leste, com o Índico; e a Oeste, com o Pacífico. Por esse motivo, no caso de crises que acarretem o fechamento do Canal de Suez e/ou do Panamá, as comunicações no AS ganham importância, uma vez que poderão garantir o tráfego marítimo entre esses vitais oceanos, atuando como Linha de Comunicação Marítima (LCM) alternativa, conforme ocorrido durante a Guerra dos Seis Dias (1967). Além disso, surge como alternativa às tradicionais LCM entre o Oriente e o Ocidente, que não comportam grandes cargueiros e petroleiros navegando no canal de Suez e Panamá. Outro aspecto a ser pontuado é que as LCM brasileiras possuem distinta relevância no escoamento do agronegócio e na importação de fertilizantes e produtos eletrônicos. Pelo Arco Norte do Brasil são escoados cerca de 50% da produção de milho e soja brasileira. As descobertas de grandes reservas de recursos vivos e não vivos, nos dois lados do AS, conferiram à região valor estratégico, o que, por sua vez, reacendeu o debate acerca da presença de potências extrarregionais e, por conseguinte, a segurança e manutenção da paz na região. No entorno estratégico brasileiro existem os seguintes pontos de importância geoestratégica: os campos petrolíferos offshore na bacia de Campos, na foz do Amazonas e bacia do Suriname; ERG; cabos submarinos no litoral brasileiro; arquipélago de ilhas no Reino Unido; canal do Panamá; pesca ilegal e pirataria no Golfo da Guiné; foz do Rio Amazonas, em virtude da possibilidade de internacionalização da Amazônia; e continente antártico.

Convém, ainda, salientar quais países exercem expressiva influência no AS. Para tanto, uma análise geopolítica do AS, abordando aspectos econômicos, históricos, militares e políticos, permite identificar como principais atores internos a França, Reino Unido, Argentina, Nigéria e África do Sul, bem como os EUA e a China como preponderantes atores externos. Observa-se que a China é o país de maior presença econômica na região, realizando investimentos em infraestrutura de portos no AS, visando à expansão marítima e digital da Rota da Seda e maior influência naquela região. Assim, a partir do anteriormente exposto, é possível perceber que a importância estratégica do AS vem se alterando nos últimos anos, acompanhando sua crescente valorização por parte dos Estados sul-americanos e da costa ocidental da África, bem como das grandes potências. No entanto, a adoção de mecanismos mais eficazes de colaboração de controle regional, como a Zona de Paz e Cooperação do Atlântico Sul (ZOPACAS), ainda se apresenta deficiente, por falta, principalmente, de sua influência política e militar.

OS CAMPOS DE ATUAÇÃO DO PODER NAVAL

Em decorrência, as Forças Armadas (FA) deverão estar prontas a usarem seu poder de combate de modo a coibir tais ilícitos, o que, em razão das especificidades do ambiente marinho, ressalta a importância do Poder Naval, um dos componentes da Expressão Militar do Poder Nacional. Assim, os Objetivos de Defesa (OBDEF), Objetivos Navais (OBNAV) e os Campos de Atuação do Poder Naval (CAPN) deverão estar alinhados, incluindo os Objetivos Nacionais Fundamentais, previstos no artigo 3º da Constituição Federal do Brasil (CFB) de 1988, em especial, os incisos II e III, que tratam da garantia do desenvolvimento nacional e da erradicação da pobreza e marginalização e redução das desigualdades sociais regionais. Nesse diapasão, de acordo com a CFB/1988, em seu artigo 142, a Marinha é uma das FA responsáveis pela Defesa da Pátria, pela garantia dos poderes constitucionais e pela garantia da lei e da ordem. A Constituição também atribui à Marinha a responsabilidade pela defesa dos interesses marítimos do Brasil, incluindo a proteção dos espaços marítimos brasileiros e o controle das águas territoriais, assim como outras atribuições subsidiárias.

Por meio de suas ações, a MB busca assegurar a paz, a estabilidade e a segurança marítima no Brasil e na região, contribuindo para o desenvolvimento econômico e social do País e para a proteção dos interesses nacionais em todas as áreas marítimas. Dessa forma, o Poder Naval atua, prioritariamente, nos seguintes campos: Defesa Naval, Segurança Marítima, Diplomacia Naval e no Apoio às Ações do Estado, conforme quadro na página ao lado. Nesse contexto, surgem os seguintes questionamentos: qual a MB que a sociedade espera para o futuro? Com qual insumo de poder, softpower ou hardpower, o Brasil se tornará protagonista no entorno estratégico brasileiro? Todavia, entende-se que a Defesa Naval não pode ser esquecida, haja vista à priorização de outras tarefas motivada pelo surgimento dessas novas ameaças multifacetadas. Nessa égide, é importante que a Marinha do Brasil reavalie os seus OBNAV, por meio das principais entregas para a sociedade, direcionando-os para ações que justifiquem a existência da MB, os quais poderão ser agrupados por CAPN, conforme sugestão abaixo, privilegiando, principalmente, a Defesa Naval e a Segurança Marítima.

  • Defesa Naval: defender os interesses nacionais no domínio marítimo; proteger as Infraestruturas Críticas do Poder Marítimo (ICPM); e manter as Linhas de Comunicação Marítimas (LCM) e Linhas de Comunicação (LC) fluviais de interesse nacional.

CAMPOS DE ATUAÇÃO E TAREFAS BÁSICAS DO PODER NAVAL (TBPN) ASSOCIADAS

  • Segurança Marítima: garantir os direitos de soberania na Amazônia Azul; prover a Segurança do Tráfego Aquaviário; e combater, de forma singular ou integrada, os delitos transnacionais e ambientais nas AJB, estendendo-se, no caso da pirataria marítima, à Plataforma Continental, ao alto mar ou a qualquer outro lugar que não se encontre sob a jurisdição de algum Estado. • Apoio às Ações do Estado: garantir os Poderes Constitucionais e, quando demandado, a Lei e a Ordem; fomentar o desenvolvimento do Setor Estratégico Nuclear de Defesa; promover o desenvolvimento do Poder Marítimo; defender os interesses do Brasil na Antártica.
  • Diplomacia Naval: apoiar a Política Externa

CONCLUSÃO

A sociedade brasileira ainda não absorveu uma conscientização sobre a importância do mar e de investimentos em defesa visando à proteção da Amazônia Azul, o que dificulta as discussões no Congresso Nacional para ampliação do patamar orçamentário da Defesa, conforme pesquisas recentes realizadas. Diante desse cenário, é importante que haja um Poder Naval com capacidade crível para dissuadir e de executar, prioritariamente, a Defesa Naval e a Segurança Marítima, além de possibilitar a sua atuação como protagonista regional. Afinal, em algum momento no futuro, a sociedade brasileira poderá ser surpreendida pelos interesses de potências extrarregionais, que têm procurado ampliar o seu domínio sobre o mar, não somente para o controle de suas LCM, mas também pela busca de recursos marinhos e novas fontes de energia, visando ao seu crescimento e desenvolvimento econômico de longo prazo, em virtude dos limites ecológicos de seus recursos terrestres e para garantir os seus esforços de guerra.

 

Autoria: Marcelo Gameleira Correa *

Data: 06 de março de 2024

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(*) Capitão de Mar e Guerra (IM), Oficial-Aluno do Curso de Política e Estratégia Marítimas da Escola de Guerra Naval