Abaixo os decibéis
Nada como o barulho para fazer barulho. A maioria das pessoas não liga um decibel ao ruido dos aviões porque não é afetada por ele, mas quem mora na vizinhança de aeroportos enfrenta um grande problema sonoro, cujos ecos repercutem nos escritórios das companhias aéreas e de aviação internacional.
Consideremos alguns fatos:
- Há algum tempo, havia lojas, escritórios comerciais, escolas e residências nas cercanias do Aeroporto Internacional de Los Angeles, hoje transformadas num grande espaço vazio que parece ter sido aberto por uma enorme ceifadeira. Estas 2.800 construções foram demolidas, numa das operações mais drásticas já efetuadas nos Estados Unidos, para resolver o problema do ruido dos jatos. Como era impossível transferir o aeroporto, as autoridades municipais decidiram – depois de os prejuízos causados pelo ruído dos aviões terem chegado a quatro bilhões de dólares – transferir a população do local, o que custou trezentos milhões de dólares.
- Um estudo sobre os aeroportos dos Estados Unidos, realizado recentemente pelo Airport Operators Council International (Conselho Internacional de Operadores de Aeroportos) revelou que os processos movidos contra as administrações aeroportuárias do país elevam-se a 245 milhões de dólares. Além disso, o problema do barulho forçou os aeroportos a investirem, nos últimos cinco anos, cerca de 200 milhões de dólares em programas de aquisição de terras.
- Em algumas escolas as aulas são perturbadas pelo ruído dos aviões a jato. Uma escola secundária próxima ao Aeroporto de Los Angeles teve de ser fechada devido às constantes interrupções. O aeroporto concordou em pagar 21 milhões de dólares para tornar cinco escolas locais à prova de som.
- Os habitantes das vizinhanças de aeroportos costumam queixar-se de serem acordados no meio da noite, de receberem más emissões de televisão e de terem suas casas sacudidas a toda hora. Uma enquete demonstrou que os habitantes de áreas próximas a aeroportos são mais propensos a depressões nervosas do que pessoas que moram em outros locais.
. Ante os vigorosos protestos do público, vários aeroportos tiveram de restringir – e até suprimir – os vôos noturnos, devido à crescente reação ao ruído dos aviões. O Aeroporto de Wellington, na Nova Zelândia, é um bom exemplo. Fica fechado das 23 às 6 horas, a não ser para emergências, vôos internacionais atrasados ou afetados por condições meteorológicas.
Entre as grandes cidades que impõem restrições a operações aéreas noturnas contam-se Berlim Ocidental, Bremen, Colônia, Düsseldorf, Frankfurt, Genebra, Hamburgo, Hong Kong, Londres, Manchester, Malmo, Montreal (Dorval), Munique, Nice, Oslo, Paris (Orly), Sidnei, Estocolmo, Tóquio, Toronto e Zurique.
A generalização desta prática obrigou os operadores de vôo de todo o mundo a modificarem seus planos e horários, sobrecarregando os serviços de controle e circulação, os terminais aéreos e as alfândegas nas horas que precedem e se seguem ao período de restrição. Alguns aeroportos internacionais recebem mais de 500 avies e 70.000 passageiros por dia. Isto produz uma reação em cadeia que vai se refletir também nos aeroportos de escala. O Aeroporto Internacional de Bombaim, por exemplo, fica saturado à noite e praticamente deserto durante o dia, porque Bombaim é um ponto estratégico entre a Europa e Tóquio. A maioria dos vôos internacionais chega lá à noite e tem de sair relativamente cedo para evitar a hora de restrição tanto no local de partida como no de destino. Já foi observado que se esta medida de restrição fosse aplicada ao Aeroporto Internacional John F. Kennedy de Nova York e que se a restrição aplicada no verão ao Aeroporto de Londres fosse estendida ao ano todo, os aviões só disporiam de três horas por dia para atravessar o Atlântico.
O problema do barulho também afetou a criação de novos aeroportos. Um dos diretores do Airport Operators Council International observou recentemente que desde 1970 nenhum aeroporto de grandes dimensões foi construído nos Estados Unidos. Mesmo projetos de importância relativamente menor, como ampliação de pistas, são adiados às vezes durante anos, ante a forte oposição dos habitantes das redondezas.
De acordo com os especialistas da OACI (Organização da Aviação Civil Internacional) que estudaram o problema das medidas de restrição e sua incidência no congestionamento dos aeroportos, o máximo que se pode esperar é atenuar a situação através de medidas prudentes, muito refletidas e eficazes, de aplicação nacional e universal, que requerem coordenação internacional.
Medidas tomadas no aeroporto de um determinado país podem repercutir até o outro extremo do mundo; várias restrições contraditórias, aplicadas ao acaso em diferentes aeroportos da rede mundial podem provocar perturbações que afetarão linhas aéreas, passageiros, serviços de controle e as operações aeroportuárias em geral.
Em resposta às preocupações do público, a última Assembléia da OACI reconheceu claramente suas próprias responsabilidades e as dos governos: assegurar a máxima compatibilidade entre o desenvolvimento seguro e ordenado da aviação civil e a qualidade do ambiente humano. Foi observado que a maioria dos jatos atualmente em serviço ultrapassa os níveis máximos de ruido especificados pela OACI para aviões de construção recente e que a gravidade do problema do ruído em algumas regiões – especialmente em vários aeroportos internacionais de tráfego muito intenso – levou à imposição de medidas restritivas e causou oposição radical à ampliação de aeroportos existentes e à construção de novos. A Assembléia exortou todos os países a reconhecerem o papel da OACI “na busca enérgica de um programa comum” para a redução do ruído dos aviões na própria fonte e para o desenvolvimento de estratégias eficientes para a redução do ruído nos aeroportos.
O problema da aviação e o ambiente é uma das maiores preocupações da OACI, que vem fixando níveis acústicos máximos cada vez mais rigorosos, a serem observados por todos os Estados contratantes, em virtude da Constituição da própria OACI. Estes níveis (que estão contidos no Anexo 16 da Convenção de Chicago sobre Aviação Civil Internacional) destinam-se a reduzir o ruído dos aviões na fonte, exigindo um certificado acústico do aparelho, primeiro dos futuros jatos subsônicos, mais tarde dos aviões a reação atualmente em produção, dos aviões a hélice, dos aviões de transporte supersônicos e dos aviões de decolagem e aterragem curtas (STOL).
A OACI também está estudando os requisitos acústicos a serem cumpridos pelos jatos subsônicos de primeira geração que operam atualmente e não se enquadram nas exigências do Anexo 16. Mas é preciso reconhecer que o custo de conversões e instalação de silenciosos nestes aviões – que são os mais ruidosos do mundo – é elevado demais para a maioria das companhias aéreas.
Os dirigentes dessas companhias questionam a utilidade de trocar os motores dessas aeronaves por outros menos ruidosos, porque se trata de aviões antigos que certamente serão substituídos por aparelhos novos de grande fuselagem e já estritamente adaptados às normas acústicas da OACI. Além disso, os custos da conversão acabariam sendo pagos pelos passageiros.
As companhias aéreas colaboraram de boa vontade na elaboração de processos e itinerários que produzem um mínimo de inconvenientes resultantes de ruído e atendem às necessidades dos aeroportos. Por outro lado, as organizações de pilotos opõem-se firmemente a alguns processos de aproximação e aterragem que reduziriam o ruido sobre zonas residenciais, por considerá-los muito perigosos. A Federação Internacional de Associações de Pilotos Aéreos (IFALPA) sempre foi partidária do combate ao ruído na fonte e não da modificação dos processos de operação, que poderia prejudicar a segurança.
A Assembléia da OACI também examinou outro aspecto da questão: o da melhor planificação e localização dos aeroportos. Em muitos países as terras disponíveis são arduamente disputadas entre a população e os aviões. O novo aeroporto de Tóquio oferece um bom exemplo. O imenso complexo aeronáutico construído em Narita destinava-se a aliviar o tráfego intenso do aeroporto de Haneda. Sua inauguração foi adiada doze vezes desde 1972 devido à violenta oposição de grupos que ocupavam o local e de pessoas como um agricultor que se negava obstinadamente a abandonar seu campo de cenouras, situado junto à torre de controle.
Bem diferente é a história do novo aeroporto de Nagasaki, na ilha de Kiushu, o primeiro aeroporto “flutuante” do mundo. Semelhante a um enorme porta-aviões, despertou tanto entusiasmo por parte das autoridades japonesas que se decidiu construir nos mesmos moldes o novo aeroporto de Osaka, na baía de mesmo nome.
No entanto, poucos países podem dar-se ao luxo de financiar seus aeroportos e escolher sua localização como o fazem os Emirados Árabes Unidos, cujo território pouco povoado e rico em petróleo é servido por quatro aeroportos internacionais sitiados a pouca distância uns dos outros. A estes logo se virá juntar um quinto, atualmente em construção em Abu Chabi.
A construção dos primeiros aeroportos só levava em conta o desejo das companhias aéreas de oferecerem um meio de transporte rápido, seguro e econômico. Além disso, quase ninguém morava nas cercanias desses aeroportos, e os aviões a jato eram então uma novidade que atraía o público, interessado em vê-los decolar. Mas à medida que se intensificava o tráfego aéreo e iam sendo construídos bairros residenciais cada vez mais próximos aos aeroportos, diminuía o interesse pela novidade e os problemas aumentavam.
O maior número de vôos e de passageiros, o volume crescente das cargas transportadas e das operações aéreas exigiram um enorme aumento da área necessária à ampliação dos aeroportos. Há 20 anos, bastavam 1.600 hectares para se construir um grande aeroporto internacional; hoje 6.000 hectares mal correspondem às necessidades operacionais imediatas. O aeroporto de Mirabel, que serve a Montreal, ocupa a maior área aeroportuária do mundo: 7.000 hectares na fase final e uma zona protetora de transição de 28.700 ha. O preço deste isolamento é a distância – situa-se a 55 km da cidade.
Mas embora o bom senso mostre que um aeroporto deve ficar longe do centro urbano, este fato irrita os passageiros, que se queixam de gastar na viagem por terra o tempo que economizaram no vôo. Assim seria preciso fornecer-lhes um meio rápido de transporte do aeroporto à cidade: trens ou mesmo helicópteros.
A localização, o tamanho e a configuração do aeroporto devem ser decididos em função do desenvolvimento residencial e das principais utilizações da terra da região. O manual de planificação geral dos aeroportos, publicado pela OACI, estipula que no planejamento a longo prazo de aeroportos, assim como na ampliação dos aeroportos existentes, os planificadores levam em conta as conseqüências que possam advir às vizinhanças. Isto exige estreita cooperação com as autoridades responsáveis pelas áreas que cercam os aeroportos.
Como tantos outros inventos do homem, o avião pode ser uma bênção ou uma maldição. O escritor e piloto Antoine de Saint-Exupéry estava inteiramente certo ao escrever que quando supomos que a máquina destrói o homem talvez nos falte uma certa percepção para avaliar os efeitos de transformações tão rápidas como as que o mundo conheceu nos últimos tempos.
Autoria: Eugene Sochor*
Data: 01 de setembro de 1978
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(*) Chefe do Escritório de Informação Pública da Organização de Aviação Civil Internacional (Montreal), trabalhou durante 12 anos no serviço de imprensa da Unesco.