Ano: 1532
Cana-de-açúcar: da lavoura ao transporte
O pau-brasil foi a primeira matéria-prima explorada pelos portugueses no século XVI. Durante as primeiras três décadas de posse do território, os colonizadores concentraram-se nas faixas litorâneas que hoje compõem a Região Nordeste do país. Os pontos de armazenamento e despacho das madeiras de pau-brasil eram chamados de “feitorias”, uma experiência que já havia sido adotada anteriormente na costa africana (FAUSTO, 2006).
Com a utilização de mão de obra indígena escravizada, os europeus exploravam a madeira, armazenavam-na nas feitorias e a enviavam, via rota atlântica, para a Europa. Lá, essa matéria-prima, bem como outras que eram exploradas nas demais colônias durante as Grandes Navegações, seria a base para a expansão da produção manufatureira.
De acordo com Boris Fausto, entre 1500 e 1535, a principal atividade econômica dos colonizadores foi a extração do pau-brasil, obtida principalmente mediante troca com os indígenas (2006, p. 42). A participação dos nativos nessa tarefa exploratória tornou-se indispensável à medida que a madeira ia se esgotando na região litorânea. Por estarem dispersas no interior, os indígenas eram os únicos capazes de localizar os troncos espalhados pelo imenso território ainda desconhecido pelos europeus.
Assim, “o trabalho coletivo, especialmente a derrubada de árvores, era uma tarefa comum na sociedade tupinambá. […] O corte do pau-brasil podia integrar-se com relativa facilidade aos padrões tradicionais da vida indígena. Os índios forneciam a madeira e, em menor escala, farinha de mandioca, trocadas por peças de tecidos, facas, canivetes e quinquilharias, objetos de pouco valor para os portugueses” (FAUSTO, 2006, p. 42).
A tese de que Portugal ainda não tinha um projeto bem definido de exploração/ocupação do território nas primeiras décadas do século XVI é bem aceita por grande parte da historiografia. De fato, as primeiras medidas administrativas que iam além da simples posse do território aconteceram a partir de 1534, quando houve a divisão das faixas de terra em Capitanias Hereditárias.
Conforme abordado no marco correspondente ao assunto Capitanias Hereditárias foram entregues a donatários ligados à Coroa portuguesa. Um dos objetivos era que os administradores desses lotes de terras pudessem repassá-los a outros homens de confiança, os sesmeiros. Estabelecia-se, assim, uma hierarquia administrativa com a função de explorar e ocupar minimamente o território, além de defendê-lo, garantindo a posse contra invasores de outros países e indígenas rebelados.
Laima Mesgravis (2019) aponta que a colonização do Brasil foi, desde o início, um empreendimento comercial que visava o lucro para a metrópole e, evidentemente, a manutenção do controle do território. Para além da extração do pau-brasil, que em meados do século XVI já se mostrava escasso, o cultivo da cana-de-açúcar viabilizou um projeto de domínio duradouro de Portugal sobre o Brasil.
O processo de estabelecimento de lavouras agrícolas no nordeste brasileiro – incrementado pela política do exclusivo comercial – fortaleceu o sistema colonial e assegurou as rotas de comércio para os portugueses. Também conhecido como plantation, a base desse processo consistia na atividade da monocultura realizada em grandes propriedades (latifúndios), com ampla utilização de mão de obra escravizada.
A obra mais conhecida sobre a sociedade do açúcar é, sem dúvida, “Casa-Grande & Senzala”, do pernambucano Gilberto Freyre (2003). Intérprete do Brasil sob a ótica da sociologia, da antropologia e da história, Freyre publicou Casa-Grande & Senzala no ano de 1933, após intensas pesquisas.
“A sociedade colonial no Brasil, principalmente em Pernambuco e no Recôncavo da Bahia, desenvolveu-se patriarcal e aristocraticamente à sombra das grandes plantações de açúcar, não em grupos a esmo e instáveis; em casas-grandes de taipa ou de pedra e cal, não em palhoças de aventureiros (2003, p. 39).
Além disso, a família patriarcal e constituída pelas relações em torno da cana-de-açúcar, inclusive entre senhores e escravos, representava a principal caraterística formadora do Brasil. “A família, não o indivíduo, nem tampouco o Estado, nem nenhuma companhia de comércio, é desde o século XVI o grande fator colonizador no Brasil, a unidade produtiva, o capital que desbrava o solo, instala as fazendas, compra escravos, bois, ferramentas, a força social que se desdobra em política, constituindo-se na aristocracia colonial mais poderosa da América” (2003, p. 40).
No entanto, as interpretações freyreanas sobre as relações sociais e privadas entre senhores e escravos suscitam intensos debates. Sob uma leitura idealizada da cultura nacional, Freyre oculta o caráter violento da escravização e da sociedade patriarcal do Brasil Colônia. Além disso, sua interpretação negligencia os conflitos de classe entre forças tão divergentes, pretendendo uma espécie de relação de troca, favorecimento e hibridismo entre os sujeitos que integravam a casa-grande e a senzala.
Apesar de equívoca, pois é falso que possa ter existido qualquer correlação de forças entre negros e brancos durante o período colonial, a interpretação de Freyre desdobrou-se em detalhes importantes sobre o cotidiano dos engenhos, das relações entre escravos e senhores, da cultura e das práticas de espaços tão divergentes.
Quando falamos sobre a sociedade do açúcar e a história do Brasil Colônia, também é preciso citar a tese de Caio Prado Júnior, ou seja, a clássica fórmula que distingue a “colônia de povoamento” da “colônia de exploração”. Com essa interpretação, que influenciou uma série de análises sobre o assunto, Caio Prado entende que o traço fundamental da colonização brasileira foi a exploração por meio da plantation. Em contrapartida, as colônias inglesas, por exemplo, passaram por um processo que priorizou o povoamento. Para Caio Prado, o sentido da colonização pode explicar o nível de desenvolvimento social e econômico, e a realidade dos países em períodos contemporâneos.
No Brasil, a colonização mesclou traços de exploração econômica e intenções de povoamento, ainda que por vezes fracassadas, como foi o caso de muitas capitanias hereditárias. Essas características faziam parte de um antigo sistema colonial cujo objetivo determinante, independentemente das dimensões de povoamento ou exploração, era a obtenção de lucros, impostos e riquezas.
Fausto defende a pluralidade de atividades desempenhadas na colônia durante as décadas iniciais da colonização, mas entende que as atividades internas foram surgindo, em grande medida, em função do estabelecimento das atividades agrárias e das necessidades da plantation. Assim, os traços desse sistema de colonização são a grande propriedade, a vinculação com o exterior por meio de uns poucos produtos primários de exportação, a escravidão e suas consequências (FAUSTO, 2006, p. 59).
O estabelecimento dos engenhos de açúcar foi, portanto, o grande alicerce desse modelo de colonização. Até o século XVIII, o Nordeste, local que se desenvolveu em função dos grandes engenhos e da exploração da cana-de-açúcar, seria considerado a região mais importante do território, atraindo todas as atenções da metrópole. Por essa razão, Salvador seria a sede do governo imperial até 1763, quando a capital foi transferida para o Rio de Janeiro.
FREIRE, José Joaquim.
[Moagem de canas em uma moenda de cilindros verticais movida por uma roda hidráulica].
[S.l.: s.n.], 1784. 1 desenho, nanquim, p&b, imagem 32,0 x 19,0 em f. 34,5 x 23,5 cm.
Originária da Índia, a cana-de-açúcar passou a ser introduzida por árabes na Sicília e na Península Ibérica por volta do século XIV. Depois, ganhou as várzeas irrigadas de Valencia e do Algarve, ao sul de Portugal. A introdução desse cultivo nas ilhas do Atlântico seria uma espécie de “ensaio” para a sua implementação no Brasil a partir do século XVI (FAUSTO, 2006, p. 77).
Segundo Boris Fausto, não se sabe exatamente quando a cana-de-açúcar foi introduzida no Brasil, mas se estima que a sua produção tenha iniciado entre 1530 e 1540. Para a cronologia desta Linha do Tempo, optou-se por 1532, ano em que Martim Afonso trouxe ao Brasil, em sua expedição, “um perito na manufatura do açúcar, bem como portugueses, italianos e flamengos com experiência na atividade açucareira da Ilha da Madeira. Plantou-se cana e construíram-se engenhos em todas as capitanias, de São Vicente a Pernambuco” (Idem, ibidem).
O engenho consistia num pequeno edifício com moendas movidas por força animal ou braçal, de negros africanos escravizados e, por vezes, também de indígenas. Sua instalação exigia não só trabalhadores e animais (gado), mas a posse de uma boa quantidade de terras para a lavoura e a pastagem, carros de transporte e a construção de uma “casa grande” (FAUSTO, 2006, p. 78).
ARNOUT, Jean Baptiste. Moulin à sucre.
Paris [França]: Lith. de G. Engelmann, [1835].
1 grav, pb.
De acordo com Laima Mesgravis, o líquido obtido do esmagamento da cana era levado ao fogo em grandes caldeirões de ferro, fases que podem ser chamadas de purificação e purgação. Depois de fervido e seco, era possível extrair daquele líquido vários tipos de açúcar (MESGRAVIS, 2019, p. 62).
Por exigir equipamentos caros e o emprego de grande quantidade de mão de obra, a produção do açúcar só era rentável se fosse realizada em larga escala. Assim, a grande propriedade e as lavouras monocultoras ocuparam grandes espaços das capitanias hereditárias e estimulavam grande parte das atividades secundárias que se desenvolviam no seu entorno. Os pequenos proprietários, escassos em seus recursos, precisavam “terceirizar” a transformação da cana em açúcar, recorrendo aos senhores dos grandes engenhos e lhes pagando um percentual da produção.
“Esse sistema de acordos licenciados (chamado de cana obrigada) acabou criando relações de dependência dos pequenos lavradores para com os grandes, que terminavam impondo suas condições. Por exemplo, os lavradores médios ou pequenos deveriam acudir às convocações do sesmeiro dono de engenho nas suas lutas contra índios revelados, além de se submeter às suas necessidades de produção” (MESGRAVIS, 2019, p. 62).
Com o crescimento das lavouras de cana-de-açúcar e a dificuldade de manter os acordos com donatários de algumas capitanias, a metrópole optou por criar o Governo-Geral, um novo e mais efetivo sistema de administração e controle colonial. Um dos objetivos desse governo era também incentivar a produção na Capitania da Bahia.
Boris Fausto assinala que os grandes centros açucareiros do Brasil Colônia foram Pernambuco e Bahia, e isso se explica por fatores climáticos, geográficos, políticos e econômicos (2006, p. 78). A combinação de um solo de boa qualidade com um regime de chuvas adequado favoreceu a expansão das plantações de cana-de-açúcar nessas regiões, formando sociedades que, cultural e politicamente, se forjavam em torno da atividade açucareira.
Frans Post – Engenho de Pernambuco.
O estabelecimento dessa atividade também explica as grandes quantidades de navios com negros africanos escravizados que chegavam até a Baía de Todos os Santos, o que fomentou também o tráfico interno de escravos. A utilização dessa mão de obra forjou sociedades marcadas pela violência da escravidão, pela segregação racial e por um passado de exploração do trabalho e obtenção de lucros que evidencia uma divisão radical entre as classes.
Foi no âmbito da produção açucareira que se deu a gradativa passagem da escravidão indígena para a africana (FAUSTO, p. 79). No cotidiano dos engenhos, era grande a distância, em termos sociais e econômicos, entre a casa-grande e a senzala. Ao contrário da construção romântica de Gilberto Freyre, como já mencionado, os açoites e a exclusão eram parte da rotina dos negros escravizados. Quando se estabeleciam relações – em grande medida, não consensuais – de intimidade pessoal e sexual entre senhores, senhoras, e escravos homens e mulheres, os meios eram a dominação psicológica, física e econômica.
Na esfera do trabalho, as atividades realizadas pelos cativos eram diversas, mas quase todas exigiam o emprego de uma pesada força em horas a fio sem descanso. As sequelas do trabalho sem rotina e sem recessos apareciam no corpo desses trabalhadores, visto que não era incomum que eles perdessem a mão ou o braço na moenda.
De acordo com Mafalda Zamella, “os escravos cultivavam os canaviais, transportavam os carros de cana para as bagaceiras, moviam o engenho, faziam o açúcar, as caixas para acondicioná-lo e o transportavam” (1950, p. 491).
As atividades no engenho e na lavoura também eram desempenhadas por homens brancos e livres, em geral artesãos, como ferreiros, carpinteiros, serralheiros e mestres-de-açúcar (FAUSTO, 2006, p. 81). Uma parte dessa classe de trabalhadores livres era formada também pelos pequenos produtores que dependiam dos grandes engenhos para a transformação da cana em açúcar.
Já os senhores de engenho, segundo Boris Fausto, tinham um considerável poder econômico, social e político na colônia, integrando parte de uma aristocracia de riqueza e poder. A eles podiam ser concedidos títulos de nobreza não hereditários por serviços prestados ou por meio de pagamentos.
Apesar do cultivo da cana-de-açúcar ter durado pelo menos três séculos no Brasil e ter sobrevivido, mesmo em decadência, ao ciclo do ouro e à implantação das lavouras de café, a posição dos senhores de engenho não era uma atividade estável (FAUSTO, 2009). O negócio trazia riscos e dependia das fases de comercialização, da concorrência externa e das consequentes oscilações de preços.
De origem nobre ou com altos cargos na administração portuguesa, os senhores de engenho geralmente eram imigrantes com posses que atenderam às oportunidades concedidas pela metrópole. Tinham conhecimentos no ramo do comércio e alguns eram cristãos novos, o que facilitou o estabelecimento de casas de empréstimos e bancos na colônia. Com o passar do tempo, formaram uma espécie de elite senhorial, conjugando suas atividades econômicas com interesses pessoais e casamentos arranjados, e estabelecendo, também, ligações com o poder político e administrativo local.
Do ponto de vista do transporte da cana-de-açúcar, cabe destacar que a lavoura movimentou os espaços que interligavam os recôncavos e zonas próximas ao litoral, aos portos e pontos de comercialização do açúcar.
Em Casa-Grande & Senzala, Gilberto Freyre cita os seguintes meios de transporte comumente encontrados em engenhos: “o carro de boi, o banguê, a rede e o cavalo” (FREYRE, 2003, p. 18). Vale esclarecer que “banguê”, de acordo com o dicionário Michaelis, era uma espécie de padiola de cipós trançados em que se levava o bagaço da cana para a bagaceira nos engenhos de cana-de-açúcar. Em geral, tinha formato de “H” e requeria dois escravos ou mais, a depender do tamanho, que o carregassem. Banguê também pode significar um canal ladrilhado (ou vala) pelo qual, nos engenhos de açúcar, escorre a espuma que às vezes transborda das tachas por ocasião da fervura.
Já o carro de boi, originário da Idade da Pedra ou do período Neolítico, era um instrumento de trabalho muito utilizado, que visava dinamizar o transporte da matéria-prima até as moendas. Segundo Lúcia Gaspar (2004), o carro de boi era (e ainda é) composto por duas rodas, uma grade ou mesa de madeira e um eixo. Seu deslocamento é feito por meio de uma ou mais juntas, ou “parelhas”, que atrelam, através da canga, dois bois que caminham lado a lado.
Sendo utilizado já nos primeiros engenhos do Nordeste, o carro de boi servia para transportar a cana e o açúcar durante o verão, na época da moagem. Já no inverno, o carro se prestava ao arado, “para revolver e cavar a terra destinada ao plantio” (GASPAR, 2004).
[CARRO de bois].
[S.l.: s.n.].
LARÉE, Victor.
Carro brasileiro. [S.l.: s.n.], [s.d.]. 1 grav., litograv.
p&b, 25 x 33,3 cm.
De acordo com Myriam Austregésilo (1950), o transporte da cana e do açúcar requeria a utilização, também, de embarcações. Apesar das poucas referências sobre o assunto, sabe-se que os engenhos estabelecidos próximos à zona litorânea contavam com barcos que faziam o serviço de transporte por rios e baías até chegar à região dos portos.
“Os tipos de transportes utilizados na zona açucareira nordestina, a barca e o carro de boi, não exigiam despesas vultosas, porque as distâncias a serem percorridas não eram grandes e não existem, na região, grandes obstáculos geográficos que pudessem ter dificultado o transporte ou encarecido o seu preço” (AUSTREGÉSILO, 1950, p. 497).
Apesar da utilização dos carros de bois e de embarcações menores, o grande sistema de transporte do açúcar, para a metrópole e outras regiões de comercialização controladas por Portugal, era o barco à vela. Nesse sentido, Myriam destaca que o Nordeste foi beneficiado em consequência da sua posição geográfica, 1500 quilômetros mais perto de Lisboa do que a Capitania de São Vicente, por exemplo.
A pesquisadora dá detalhes sobre o transporte dos produtos: “O açúcar acondicionado em fortes caixas de madeira de 20, 35 e 50 arrobas, pregadas, calafetadas com barro e forradas com folhas de bananeira, era transportado do ponto de embarque até Lisboa, através de uma distância de 8.500 quilômetros, em números redondos, fato que tornava o custo do transporte em 399 réis a arroba, segundo o valor monetário da época” (idem, ibidem).
A produção de açúcar no Brasil Colônia deu mostras de declínio a partir da segunda metade do século XVII (ZEMELLA, 1950). Uma das causas foi a concorrência internacional das Antilhas holandesas, inglesas e francesas, que passaram a fornecer açúcar para a Europa. Além disso, as políticas protecionistas de outras metrópoles minguaram as possibilidades de comercialização entre Portugal e países importantes do mundo.
Internamente, as invasões holandesas iniciadas em 1624 tiveram efeitos desastrosos para a economia baiana, principalmente entre os engenhos e plantações do Recôncavo. Já entre 1630 e 1637, Pernambuco sofreria as consequências da ocupação holandesa e viveria uma escassez do produto, tamanho o impacto desse período para os engenhos locais (FAUSTO, 2006, p. 82).
As oscilações de mercado, bem como a concorrência internacional e, durante o século XVIII, a descoberta e o auge da produção aurífera, também foram fatores que influenciaram o declínio da produção do açúcar no Nordeste.
Apesar desses tempos de crise, não é correto afirmar que as lavouras e os engenhos se extinguiram. Boris Fausto afirma que, em 1760, nos períodos áureos da extração do ouro e diamantes na região das minas, o açúcar correspondia à grande soma de 46% do total de exportações da colônia, enquanto o ouro correspondia a 50% (2006, p. 82).
Além disso, é preciso ter em mente que, do ponto de vista econômico e social, o Nordeste colonial foi muito mais complexo do que propõem alguns estudos que versam sobre a “hegemonia” dos engenhos. O próprio açúcar causou uma diversificação, dentro de certos limites, das atividades comerciais e agrícolas da região. Dentre elas, pode-se destacar a produção de gêneros alimentícios, a ocupação e espaços do interior do território e a consequente criação de rotas e comércio interno, a criação de gado, a extração da madeira e o cultivo do fumo.
Esses são exemplos da diversidade do cotidiano e das atividades desempenhadas no Brasil Colônia, que marcam uma complexa e arraigada experiência social e econômica dos nossos antepassados, com duras consequências, a exemplo do que conta a obra do poeta e diplomata João Cabral de Melo Neto.
Nascido na cidade do Recife (PE), em 1920, uma de suas peças mais conhecidas é o auto de Natal “Morte e Vida Severina”, que relata o trágico percurso do retirante Severino, na fuga da seca, da fome e da miséria do sertão.
Os traços daquela sociedade que se forjou a partir da cana-de-açúcar, mas que séculos depois enfrentaria os resultados de um desenvolvimento desigual, também podem ser observados nos versos que compõem O Rio, poema narrativo cabralino que acompanha a trajetória do Capibaribe, desde sua nascente, no sul da Paraíba, até o mar do Recife, e as diferentes paisagens, físicas e humanas, que ele atravessa:
“Parece que ouço agora / que vou deixando o Agreste: / ‘Rio Capibaribe, / que mau destino escolheste. / Vens de terra de sola, / curtidas de tanta sede, / vais para terra pior, / que apodrece sob o verde. / Se aqui tudo secou / até seu osso de pedra, / se a terra é dura, o homem / tem pedra pra defender-se’.
(…) No outro dia deixava / o Agreste, na Chã do Carpina. / Entrava por Paudalho, / terra já de cana e de usinas. / Via plantas de cana / com sua cabeleira, ou crina, / muita folha de cana / com sua lâmina fina, / muita soca de cana / com sua aparência franzina, / e canas com pendões / que são as canas maninhas. / Como terras de cana, / são muito mais brandas e femininas. / Foram terras de engenho, agora são terras de usina”.
Referências Bibliográficas:
AUSTREGÉSILO, Myriam Ellis. Estudo sobre alguns tipos de transporte no Brasil Colonial. Revista de História, v. 1, n. 4, p. 495-516, 1950.
FAUSTO, Boris. História do Brasil. São Paulo: Edusp, 2006.
FREYRE, Gilberto. Casa-grande & senzala: formação da família brasileira sob o regime da economia Patriarcal. São Paulo: Global, 2003, 48 ed.
GASPAR, Lúcia. Carro de boi. Pesquisa Escolar Online, Fundação Joaquim Nabuco, Recife, 2004.
MELO NETO, J. C. Poesias completas: 1940-1965, Rio de Janeiro: J. Olympio, 1986.
MESGRAVIS, Laima. História do Brasil Colônia. Editora Contexto, 2019.
PRADO JR, Caio. Formação do Brasil contemporâneo. Editora Companhia das Letras, 2011.
ZEMELLA, Mafalda P. Os ciclos do pau-brasil e do açúcar. Revista de História, v. 1, n. 4, p. 485-494, 1950.