Ano: 1854

Primeira Ferrovia do Brasil (E.F. Mauá).

Durante o século XIX, o Brasil vivenciou importantes mudanças. A vinda da Família Real portuguesa e a abertura dos portos às nações amigas foram fatos que configuraram um paulatino processo de erosão das bases do antigo sistema colonial – alterações cruciais para o fim do exclusivo comercial e a instauração de um novo sistema econômico pautado pelo capitalismo industrial.

A Revolução Industrial, transformação de ordem tecnológica, social e econômica, já estava consolidada em muitos países da Europa em meados do século. A invenção da máquina a vapor por James Watt, em 1705, forneceu o impulso técnico necessário para o crescimento das indústrias: primeiro, na Inglaterra; depois, em países como França, Estados Unidos, Bélgica e Alemanha.

A expansão desse novo modelo de produção deu novos contornos ao sistema capitalista, ampliando a quantidade de produtos industrializados, estimulando novos mecanismos de comercialização de mercadorias e exigindo meios de transporte mais rápidos e eficientes para o transporte de matérias-primas.

Em 1804, no País de Gales, foi realizado o teste inaugural do “cavalo mecânico”, um invento do construtor britânico Richard Trevithick. O protótipo da locomotiva era rudimentar: uma caldeira na horizontal, apoiada por quatro rodas sobre trilhos – um cavalo com a força baseada na já famosa invenção de James Watt, a máquina a vapor.

A locomotiva de Trevithick transportou 70 pessoas e dez toneladas de ferro a uma velocidade de oito quilômetros por hora. Porém, pesada demais, a máquina requeria aperfeiçoamentos.

Foi George Stephenson (1781-1848), um engenheiro inglês, que, em 1814, obteve sucesso ao projetar sua locomotiva a vapor, a Blücher, destinada a transportar carvão dentro da mina. Tinha capacidade para puxar 30 toneladas de carga, a uma velocidade de seis quilômetros por hora.

Ele também construiu a Locomotion, que, em 1825, tracionou uma composição ferroviária trafegando entre Stockton e Darlington (nordeste da Inglaterra), num percurso de 15 quilômetros, a uma velocidade próxima dos 20 quilômetros horários, segundo o pesquisador Wilson Roberto Munhoz.

Após o sucesso do invento, George e seu filho, Robert Stephenson, fundaram a primeira fábrica de locomotivas do mundo. De acordo com Munhoz, ele foi considerado, então, o inventor da locomotiva a vapor e construtor da primeira estrada de ferro.

A invenção não tardaria a chegar ao Brasil, visto que o país não só vivia uma mudança política importante em princípios do século – a desagregação das bases do antigo sistema colonial e a Independência, em 1822 –, como também mudanças econômicas profundas com a ampliação da produção do café.

Ciente da necessidade de criar estruturas de escoamento e desenvolvimento logístico que acompanhassem esse novo ciclo econômico do café, o governo imperial brasileiro fez algumas concessões, que buscavam estimular a criação de ferrovias no país.

Em 31 de outubro de 1835, o Governo imperial outorgou a Lei nº 101, que concedia incentivos e privilégios por 40 anos para quem construísse estradas de ferro ligando o Rio de Janeiro às capitais de Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Bahia. A Lei, no entanto, não suscitou investimentos.

Em 26 de julho de 1852, o Governo promulgou a Lei nº 641, na qual vantagens – isenções e garantia de juros sobre o capital investido – foram prometidas às empresas nacionais ou estrangeiras que se interessassem em construir e explorar estradas de ferro em qualquer parte do país.

A partir desse marco legal, Irineu Evangelista de Sousa (1813-1889), mais tarde conhecido como Barão de Mauá, solicitou autorização da Assembleia Provincial do Rio de Janeiro para a construção de uma estrada de ferro que ligasse o fundo da Baía de Guanabara, mais especificamente a Praça XV, no Rio de Janeiro, a Raiz da Serra (ou Vila Inhomirim), Magé, em direção a Petrópolis.

Retrato do Barão de Mauá, site brasilferroviario.com.br
Retrato do Barão de Mauá.

Para iniciar e manter o empreendimento, Mauá fundou a Imperial Companhia de Navegação a Vapor e Estrada de Ferro de Petrópolis. Irineu também atuava no ramo da indústria naval, e seu novo projeto se complementava com uma linha de vapores do Porto de Estrela à cidade do Rio de Janeiro.

De acordo com o pesquisador Marcelo Werner da Silva, Mauá beneficiou-se de duas concessões para seu empreendimento. Para a construção da ferrovia, Mauá solicitou o chamado “privilégio de zona”, concessão de um determinado trecho ou território, que resultou em um contrato com a província, de 27 de abril de 1852, aprovado pela Lei Provincial do Rio de Janeiro nº 602, de 23 de setembro de 1852 (SILVA, 2011, p. 02).

O segundo marco legal para a aprovação da outra parte do projeto de Mauá, que diz respeito à construção naval, foi obtido por meio de uma concessão de privilégio de 10 anos para a navegação, a partir do Decreto Imperial nº 987, de 12 de junho de 1852, condicionado à efetiva construção da estrada de ferro (idem, ibidem).

Barão de Mauá, patrono do Ministério dos Transportes, nasceu de família humilde, em Arroio Grande, Rio Grande do Sul (MUNHOZ, s/d). Sua atuação na área dos transportes e da logística começa na indústria naval. Em 1846, tornou-se proprietário do Estabelecimento de Fundição e Estaleiros da Ponta d’Areia, em Niterói. O estaleiro chegou a construir mais de 72 navios a vapor e à vela.

Após a conquista das já citadas concessões para a construção da primeira ferrovia brasileira, a Estrada de Ferro Mauá, Irineu apresentou a locomotiva Baroneza. No dia 30 de abril de 1854, D. Pedro II utilizou a locomotiva para inaugurar a primeira seção da estrada, de 14,5 km e bitola de 1,68m. Esse trajeto compreendeu as estações de Mauá e Inhomirim, fazendo uma parada em Fragoso. Posteriormente, em 16 de dezembro de 1856, foi aberto o tráfego até a estação de Raiz da Serra, totalizando 16,2 km (SILVA, 2011, p. 03).

Klumb, Revert Henrique. ”Fragozo : Débarcadère du chemin de Fer Mauá”. Disponível em: Fragozo : Débarcadère du chemin de Fer Mauá (bn.gov.br)
Klumb, Revert Henrique. “Fragozo: Débarcadère du chemin de Fer Mauá”.

Segundo Munhoz, a Estrada de Ferro Mauá permitiu a integração das modalidades de transporte aquaviário e ferroviário, introduzindo a primeira operação intermodal do Brasil. “Nesta condição, as embarcações faziam o trajeto inicial da Praça XV indo até ao fundo da Baía de Guanabara, no Porto de Estrela, e daí o trem se encarregava do transporte terrestre até a Raiz da Serra, próximo a Petrópolis. A empresa de Mauá, que operava este serviço, denominava-se Imperial Companhia de Navegação a Vapor e Estrada de Ferro Petrópolis” (MUNHOZ, s/p).

Vale ressaltar que a locomotiva Baroneza, utilizada para tracionar a composição que inaugurou a Estrada de Ferro Mauá, foi construída em 1852 por Willian Fair Bairns & Sons, na cidade de Manchester, na Inglaterra. De acordo com Munhoz, ela prestou serviços de transporte para cargas e passageiros, no trecho inaugurado em 1854, durante 30 anos. Atualmente, ela compõe o acervo do Centro de Preservação da História Ferroviária, situado no bairro Engenho de Dentro, na cidade do Rio de Janeiro.

A Baroneza, foi construída em 1852 pela empresa Willian Fair Brains & Sons na cidade de Manchester, na Inglaterra. Imagem extraída de: A baroneza: O primeiro trem do Brasil - Amantes da Ferrovia
A Baroneza foi construída em 1852, pela empresa Willian Fair Brains & Sons, na cidade de Manchester, na Inglaterra. Imagem extraída de: A baroneza: O primeiro trem do Brasil – Amantes da Ferrovia

Na época, o feito foi noticiado por grandes jornais do Rio de Janeiro e de outras províncias. Na capa da edição do Diário do Rio de Janeiro de 2 de maio de 1854, publicou-se:

Todos sabem de que importância é a abertura de uma estrada para um paiz novo, onde todos os meios de communicação são dificultosissimos, pessimos e mui caros. Se considerarmos que além de ser uma estrada ordinaria uma fonte de riqueza, communicando os lugares mais remotos com os grandes mercados, sendo o principal, e em nossa opinião, o único meio de colonisação entre nós, pensamos que a inauguração de um caminho de ferro é o acontecimento que deve marcar eternamente a sua data entre os melhoramentos de que necessita o nosso paiz”.

 

Referências Bibliográficas:

MUNHOZ, Wilson Roberto. História das ferrovias no Brasil. Portal Educação: História das ferrovias no Brasil – Portal Educação (portaleducacao.com.br)

OLIVEIRA, Eduardo Romero. O centenário da ferrovia brasileira (1954): ensaio sobre a elaboração da memória ferroviária no Brasil. Revista Espaço e Geografia, v. 16, n. 2, 2013.

DA SILVA, Marcelo Werner. A implantação ferroviária no Estado do Rio de Janeiro: 1854-1898. Revista Geográfica de América Central, v. 2, p. 1-10, 2011.

Mais fontes como essa podem ser encontradas na Coleção Digital de Jornais e Revistas da Biblioteca Nacional (bn.gov.br)