Mulheres-Pilotos

Com relação ao “Mulheres-pilotos: os riscos do investimento”. publicado por V.Sas. na edição de março/abril do corrente ano, aliás, uma tradução de artigo alemão de Hermann Meyer-Hartmann, gostaria de me pronunciar a respeito.

Acontece que sou uma “mulher-piloto” e, como tal, me senti atingida em cheio pela atmosfera discriminativa do artigo.

Tenho trabalhado como co-piloto desde novembro último numa companhia que faz vôos de turismo em seus aviões DC-3 e estranhei a abertura do artigo: “Os passageiros no Shorts 330 da Sociedade alemã de Aviação – DLT arregalam os olhos para a cabine de pilotagem de porta aberta. Um murmúrio se espalha pelo aparelho. vôo DW 072 de Hannover a Stuttgart. No assento do co-piloto está uma loura com insígnias de oficial, etc.

 Pois bem, estranho mesmo porque sempre fomos considerados um país subdesenvolvido onde о machismo latino impera absoluto e a Alemanha, super pra frente, culta e sem preconceitos nos vem com uma dessas. Pois saibam que, desde que comecei a ocupar o assento de co-piloto no DC-3 da minha companhia, para vôos em locais considerados “interior”. nunca, mas nunca mesmo, presenciei qualquer arregalar de olhos nem murmúrios se espalhando pelo aparelho. Às vezes, quando um passageiro vem à cabine. se é do sexo masculino. me olha com respeito e admiração e lá vem um “parabéns” entusiasmado. Se é do sexo feminino, a fisionomia fica terna, a fantasia se instala na imaginação, como um sonho, onde ela também se vê pilotando. Todos costumam vibrar pelo fato de estarem presenciando um ato de quebra de tabus. E isso, de pessoas que viveram a vida inteira em cidades pequenas, sem grandes acontecimentos que perturbem seus hábitos arraigados.

Pela primeira vez, o mundo masculino dá uma explicação para a disfarçada discriminação, em termos de “riscos de investimento.” A mulher. após um treinamento dispendioso para a empresa, casa ou tem filhos e abandona a profissão. Ora. isto se aplica a toda e qualquer profissão e, no entanto, se encontram mulheres desempenhando as mais variadas funções, onde, até algum tempo atrás, eram domínio exclusivo dos homens. Temos motoristas de ônibus, de táxi, juízas de direito, promotoras públicas, delegadas de polícia, prefeitas, primeiras ministras e por aí vai. Não se tem notícias de que tenham abandonado seus cargos por causa de casamento ou gravidez. Ademais, como o próprio artigo frisa, a profissão de piloto não atrai mulheres.

Isto mesmo. E quando atrai, é apenas a uma gama muito especial do dito sexo frágil, um tipo de mulher nada doméstico, um tipo de mulher que se apaixona pela profissão. não deixando que os aspectos prosaicos da vida cotidiana interfiram em seus objetivos primordiais. É claro que pode haver exceções, sempre as há. Mas parece-me que este terreno, tão bem defendido pelos homens, com unhas e dentes, um dos últimos baluartes da “diferença”, está sendo alvo de um sofisma. Se a mulher provou em várias instâncias. na Europa e nos Estados Unidos (ver entrevista na revista “Flying” de junho de 1978, com a piloto Bonnie Tiburzi, comandante de B-727 da American Airlines) que podia desempenhar em igualdade de condições as mesmas funções de piloto, o que restava aos defensores da “virilidade profissional”, como justificativa da discriminação? О óbvio ululante, é claro. A única alegação irretorquível: a mulher casa e tem filhos.

Isto deixa a situação masculina bastante empobrecida de argumentos, já que não podem lançar mão de coisas banais como falta de competência, irresponsabilidade. diferença de reflexos, etc. Nada disso existe, e uma mulher bem treinada está em igualdade profissional com qualquer garotão com “dragão tatuado no braço.” А NASA também não estaria gastando bilhões de seus preciosos dólares no treinamento de 18 mulheres para viagens espaciais. Sabiam?

Portanto, a tal alegação dos dirigentes da Lufthansa e Condor, parece mais um sofisma ou uma justificativa para discriminação do que argumento baseado em fato real. Haja visto a disposição da Air France para treinar mulheres.

O motivo desta carta é que estou tentando desesperadamente conseguir um melhor lugar ao sol (ou no céu) para mim e para outras que quiserem me seguir, e um artigo como esse só faz encher as cabeças duras dos já discriminativos diretores de companhias aéreas, de idéias falsas e armas de combate.

Pô! Nós, as mulheres, não queremos guerra, somos uma espécie pacífica de criaturas (salvo raras exceções) e gostaríamos de ser benvindas às fileiras, ombro a ombro com vocês homens.

Juro que não pedimos privilégios. queremos apenas uma pequena chance de mostrarmos que também somos gente e não apenas objetos sexuais.

É com orgulho e reverência que uso este meio de divulgação sadia, que é a revista “Bússola”, a voz da nossa classe, para colocar no ar o meu grito de reivindicação – ABAIXO A DISCRIMINAÇÃО!!!

 

Autoria: Esther Delamare Tate (*)

Data: 01 de agosto de 1980

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(*) Piloto civil