Ano: 1565
Porto do Rio de Janeiro
A região portuária da cidade do Rio de Janeiro é, atualmente, uma área de preservação cultural e histórica que desempenha novas funções. A região da Praça Mauá e do Cais do Porto abriga um espaço totalmente revitalizado, no qual se promovem atividades educativas, culturais e de entretenimento, que fomentam a cidadania, a sociabilidade e o turismo.
Contudo, antes de se tornar o que é hoje, essa região foi palco de uma série de transformações históricas vinculadas ao desenvolvimento social, político e econômico da cidade do Rio de Janeiro. Essas transformações compreendem um espaço ainda mais amplo, que vai do antigo Morro do Castelo, passa pela Praça XV – onde, atualmente, se situa o terminal de barcas rumo a Niterói e Paquetá – até o outro lado do Cais, em regiões como o Valongo e o Largo da Prainha, no bairro da Saúde. Essa extensão litorânea foi intensamente utilizada por embarcações que chegavam até a capital fluminense durante toda a colonização.
A Baía da Guanabara, de areias brancas e águas calmas, configurava-se como um local adequado para ancorar grandes embarcações e protegê-las das correntes marítimas e do vento. Além disso, a extensão da zona litorânea foi sendo ocupada por diferentes atividades, como o mercado de escravos e a comercialização de animais, madeiras e alimentos (CALDAS, 2008, p. 125).
“Planta ydrografica da famoza Bahia do Rio de Janeiro [Cartográfico]”.
Vilhena, Luís dos Santos, 1775.
Acervo Digital da Biblioteca Nacional.
Apesar de as atividades de navegação e ancoragem de embarcações terem começado antes mesmo da criação do povoado que deu origem à cidade, é possível dizer que o “embrião” do que viria a ser o Porto do Rio de Janeiro começou a se formar com a fundação da cidade, em 1565. Essa data, portanto, é utilizada como referência para a construção deste marco na Linha do Tempo.
De acordo com Fania Fridman e Mario Sergio Natal Ferreira (1997), não é possível falar em apenas um porto da cidade do Rio de Janeiro. O argumento se justifica dado que, durante o período colonial, o desenvolvimento econômico da cidade foi dando novas funções à região portuária, alterando os locais utilizados para ancoragem dos navios e comercialização de produtos e escravos.
Nos dois primeiros séculos de ocupação da cidade, o porto era um aglomerado de trapiches, dentre eles o da Praia da Piaçava, aos pés do Morro do Castelo; o da enseada de São Cristóvão (também chamada de Saco de São Diogo, ia da atual rodoviária até os limites da Praça XI); o da Praça Mauá e os cais Dom Pedro II, da Saúde, do Moinho Inglês e da Gamboa (ANTAQ).
Os grandes navios eram estacionados na Baía da Guanabara, e a ligação com a terra era feita por meio de pequenas embarcações. “Os portos coloniais não se constituíam ainda em indústrias flutuantes, característica que passaram a apresentar a partir do século XIX com o advento da navegação a vapor e de grande porte” (FRIDMAN; FERREIRA, 1997, p. 1).
A primeira função desse porto do Rio de Janeiro era o escoamento do pau-brasil, obtido em parte pelo escambo entre índios e portugueses, em parte pela exploração da mão de obra indígena escravizada. Conforme destacam Fridman e Ferreira (1997), antes mesmo da fundação da cidade, essa atividade comercial se dava no porto de São Tiago (Santiago), localizado na enseada do Morro do Castelo.
A ocupação daquela região e as atividades nela estabelecidas, pouco a pouco, foram configurando rotas de ligação entre o mundo atlântico e a hinterlândia – terras situadas no interior, afastadas da área urbana. Essas características advém dos próprios objetivos que justificaram a fundação do povoado. Tal momento foi marcado pelo estabelecimento do domínio português contra os franceses que haviam ocupado a região em 1555, quando o comandante Nicolau Durand de Villegagnon fundou uma colônia na Ilha de Seregipe (atualmente, a ilha leva o nome de seu conquistador francês).
Ao longo de toda a década de 1660, os portugueses realizaram expedições para eliminar a presença francesa. Durante os conflitos entre portugueses e franceses, houve ainda significativa participação dos indígenas temiminós, do grupo tupi, que habitavam a Ilha do Governador, São Cristóvão, Niterói e o sul do atual estado do Espírito Santo, e auxiliaram na expulsão dos franceses.
“A fundação da cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro em 1565 ocorreu por questões de segurança e de defesa do território já que não havia uma política colonizadora por parte da Coroa Portuguesa. Seu sítio inicial, a Vila Velha, localizado na entrada da Baía de Guanabara entre os morros Pão de Açúcar e Cara de Cão, serviu de base ao ataque definitivo aos franceses e à dominação da baía. A partir de então a cidade pôde ser transferida para o Morro do Castelo, onde as condições de sobrevivência eram mais propícias segundo os critérios dominantes na época: existência de água, de bons ventos e de segurança” (FRIDMAN; FERREIRA, 1997, p. 1).
O embrião da cidade estava situado no bairro da Urca e era cercado de muralhas com dois fortes, o de São Sebastião e o de São Januário (idem, ibidem). A partir desse local, consolidou-se o controle português, exercido pelo então governador-geral Mem de Sá. Assim, a fundação do povoado de São Sebastião do Rio de Janeiro pelo chefe militar Estácio de Sá teve papel relevante na resolução dessa disputa colonial (BICALHO, 2007).
Afirmado o domínio português, a inserção da cidade do Rio de Janeiro nas rotas comerciais do Atlântico meridional iria, pouco a pouco, transformar o espaço em uma verdadeira cidade portuária. Um dos estímulos para o crescimento das atividades econômicas foi o estabelecimento de lavouras de cana-de-açúcar e engenhos, bem como a exploração de madeira em localidades próximas aos cursos dos rios, como o Meriti, Suruí, Sarapuí, Magé, Guapimirim e Iguaçu.
Além do açúcar, a intensificação do tráfico e do comércio de escravos fez do Rio de Janeiro um dos principais portos de desembarque dos navios negreiros. Em grande medida, a ativação desse novo mercado aconteceu por duas razões. A primeira, pela necessidade de mão de obra escravizada para o trabalho nas lavouras e engenhos. A segunda, pelo impacto das invasões holandesas a partir de 1630 e o consequente bloqueio da Companhia Holandesa das Índias Ocidentais nos portos do Nordeste, principalmente o do Recife.
Esse bloqueio deslocou parte do eixo das transações comerciais para as províncias do sul, fazendo surgir, nas palavras de Maria Fernanda Bicalho, “uma complexa trama de negócios atlânticos, negreiros, intercoloniais e imperiais dos “fluminenses”” (2007, p. 9).
Luiz Felipe Alencastro também destaca que as medidas da Companhia fizeram emergir uma nova paisagem atlântica. “Desviadas para o Sul, para as margens americanas do Trópico de Capricórnio, as rotas subequatoriais puxam o Rio mais para dentro das trocas marítimas e mais para fora da economia sertaneja. Prata peruana e escravos angolanos se inserem nas carreiras fluminenses, armando o triângulo Rio-Luanda-Buenos Aires, cujo primum mobile negreiro nascia na baía de Guanabara” (ALENCASTRO, 1994, p. 94-95).
Conforme destacam Fridman e Ferreira (1997), o desenvolvimento dessas atividades fez surgir, ainda, portos fluviais, responsáveis por conectar a hinterlândia à capital da província. Assim, quando o povoado foi transferido para o Morro do Castelo, o porto da cidade mais procurado era justamente o da Praia da Piaçava ou Santa Luzia, o já citado porto de São Tiago. Era nesse ancoradouro que as embarcações de pequeno porte atracavam, com produtos da metrópole, bem como dos engenhos e chácaras dos interiores (idem, p. 2).
Vale ressaltar que a região do Morro do Castelo, demolido no início do século XX, é um dos patrimônios históricos do Rio de Janeiro que acompanhou as transformações da cidade. Naquela região, foi construída a primeira igreja do povoado, a capela Santa Luzia. Uma das versões sobre a origem da capela atribui sua construção ao navegador português Fernão de Magalhaes, que chegou à região ainda no início do século XVI. Em outra versão, defende-se que a construção da capela em sua forma primitiva foi feita por pescadores durante a década de 1550.
Morro do Castelo. Gutierrez, Juan, 189?.
Brasiliana Fotográfica.
Originalmente, a capela ficava no ponto mais alto do Morro do Castelo, local em que também foram estabelecidas ordens religiosas, como os beneditinos, jesuítas, franciscanos e as carmelitas. Já no século XVIII, a capela original encontrava-se em ruínas, o que motivou seu derrubamento e a construção de uma igreja consagrada à santa.
No século XX, o Morro do Castelo foi demolido, e um grande processo de aterramento na região deslocou a linha do mar, permitindo a expansão da região central e a construção de edifícios modernos, que atualmente contrastam com os vestígios históricos. Esse aterramento fez desaparecer a Praia de Santa Luzia, ou a Praia da Piaçava, além de outras praias desse território que foi o berço da formação da cidade.
Demolição do Morro do Castelo. Malta, Augusto, 1922.
Origem: Instituto Moreira Sales.
Reprodução em Brasiliana Fotográfica.
Foi em torno do Morro do Castelo que se estabeleceram os primeiros grupos populacionais da cidade do Rio de Janeiro. Em função das constantes transformações, várias obras foram realizadas para aterrar a região ainda no século XVII e permitir o surgimento de novos ancoradouros.
“Esses empreendimentos foram decorrentes do fato da navegação marítima constituir-se no único sistema de transporte para a Metrópole e no principal meio de deslocamento tanto aos demais centros da Colônia como às localidades do termo da cidade, atingidas através de pequenos portos. Estes foram surgindo em vários pontos da baía, como Caju, Inhaúma, Maria Angu, Irajá e Porto Velho, na foz do rio Meriti. Fora da baía, nas localidades de Pedra e Sepetiba, na freguesia de Guaratiba, citamos os portos fluviais de Marapicu, no rio Itaguaí e o da Figueira, no canal da barra de Guaratiba” (FRIDMAN; FERREIRA, 1997, p. 2).
Em grande medida, o tráfico de escravos e a exportação do açúcar foram responsáveis por conectar as zonas interioranas à capital e fazer florescer um relativo comércio. Mas foi com a descoberta do ouro e dos diamantes nas minas gerais que o Porto do Rio de Janeiro ganharia destaque no comércio transatlântico.
Na transição dos séculos XVII e XVIII, ocorreu um intenso deslocamento demográfico das províncias do Nordeste, de São Paulo e do Rio de Janeiro para a região mineradora. Além disso, com a circulação da notícia, chegaram ao Brasil imigrantes de todas as partes da metrópole e de outros países, que compartilhavam a esperança de enriquecimento.
Durante as primeiras décadas de exploração aurífera, o escoamento do ouro acontecia pelo antigo Caminho da Bahia, cujo traçado ligava a região central das minas, através do curso do Rio São Francisco, passando pelo Recôncavo e chegando até a Baía de Todos os Santos. No entanto, em função dos contrabandos e da facilidade de se criar “descaminhos” para desviar o ouro do pagamento do imposto, a Coroa portuguesa decidiu oficializar as rotas para o controle e escoamento da mercadoria, garantindo uma política fiscal exitosa.
Foi assim que surgiram os caminhos que compõem a chamada Estrada Real, que foram, em grande medida, o resultado do aprimoramento de antigas trilhas e picadas utilizadas pelos indígenas, como o Caminho Velho (ou Trilha dos Goianases). Eles ligavam diferentes partes das minas com São Paulo e, principalmente, Rio de Janeiro. Por meio dessas rotas, foi possível encurtar distâncias até a região portuária fluminense, facilitando o controle e o escoamento das mercadorias.
Em função desse desenvolvimento, o Porto do Rio de Janeiro também passou a receber um número cada vez maior de navios negreiros, com a mão de obra para o trabalho no garimpo e atividades relacionadas à exploração aurífera na região das minas.
Os carregamentos de ouro passavam pelas baías de Angra e Paraty antes de atingir a região portuária da cidade do Rio de Janeiro. Outro fator que contribuiu para que o porto alcançasse uma posição de destaque no comércio Atlântico foi sua localização estratégica. Maria Fernanda Bicalho argumenta que o porto se situava numa rota de navegação das esquadras de guerra e de comércio das diferentes potências, que viajavam tanto a caminho do Oriente como em direção ao Oceano Pacífico e às Índias de Castela (2007, p. 10).
Para além do ouro e do comércio de escravos, uma variedade de produtos circulava no porto em princípios do século XVIII, como açúcar, arroz, aguardente, couro, feijão, milho, toucinho, peixe e tecidos. A maioria dos produtos manufaturados chegava da metrópole e eram enviados para o abastecimento das minas (FRIDMAN, FERREIRA, 1997, p. 4).
A expansão das atividades portuárias estimulou a construção do Cais da Alfândega, em 1702, que proibiu a entrada de navios estrangeiros no porto. Vale destacar que, no caso do Rio de Janeiro, a Alfândega havia sido criada logo após a expulsão dos franceses, em meados da década de 1560 (FERNANDES, 2020, p. 366). Num primeiro momento, ela se localizava na Praia da Piaçava. Com o crescimento da região e o desenvolvimento econômico, ela foi deslocada para a Praia Dom Manuel, que ficava próximo à atual região da Praça XV.
Além da mudança geográfica, a instituição passou por uma série de transformações para manter o êxito da política fiscal e aduaneira da Coroa. Houve a criação de novos cargos, como os oficiais aduaneiros, que deveriam cobrar a dízima, e a desvinculação dos cargos de Juiz e Ouvidor da Alfândega.
Valter Lenine Fernandes (2020) destaca que o trabalho e a estrutura aduaneira no Porto do Rio de Janeiro eram atividades semelhantes às executadas no Porto de Lisboa. Nesse sentido, todo navio que chegasse aos portos da América Portuguesa que possuíssem alfândega deveriam apresentar comprovações oficiais das mercadorias do porto de saída.
Além disso, o juiz da Alfândega era responsável por autorizar e fiscalizar toda a mercadoria descarregada. Esse trâmite acontecia mantendo o rigor de verificação de qual produto deveria pagar a dízima. O mesmo acontecia com as mercadorias e navios que partiam da colônia em direção à metrópole: todo tipo de carregamento deveria ser informado ao Provedor da Alfândega para que ele realizasse a conferência e fiscalizasse os itens tributáveis (FERNANDES, 2020).
Docas da Alfândega. Gutierrez, Juan; 189?.
Brasiliana Fotográfica.
Durante o setecentos, a atividade comercial no Porto do Rio de Janeiro foi de grande destaque, o que influenciou a transformação da cidade em capital do Vice-Reino do Brasil. Com essa mudança, a região portuária passou por uma série de modificações.
Fridman e Ferreira explicam que, a partir de 1763, data da transferência, houve um “crescimento populacional e das construções no sentido norte e oeste facilitados não apenas pela melhoria dos caminhos para o interior, mas também pelos portos do Irajá e dos rios que desaguavam no fundo da baía como Magé, Piedade e Iguaçu” (1997, p. 5).
Foi nesse momento que, de acordo com os autores, a região, que antes era configurada por cais e atracadouros diversos, assumiu definitivamente sua vocação portuária. Essa transformação foi caracterizada por uma militarização ainda mais profunda daquele espaço, a fim de garantir a defesa e a proteção do território e das atividades.
Na segunda metade do século XVIII, com a expansão da exportação do ouro e a chegada de gêneros diversos para o abastecimento da região mineradora, foram surgindo, principalmente entre Prainha e São Cristóvão, diversos pontos de desembarque, trapiches e instalações para reparos de embarcações.
A partir de 1774, o desembarque e a comercialização dos africanos escravizados passaram a ser no Cais do Valongo (DE ARAUJO ANDRADE et al, 2019, p. 106). Essa determinação foi dada pelo Marquês do Lavradio, visando afastar o “infame comércio”, como ele próprio denominou, da região mais central da cidade (idem, ibidem).
O “comércio das almas”, como foi historicamente denominado o mercado e o tráfico de escravos, era um cenário de violência, morte e desumanização, o que levou os administradores locais a se empenharam em garantir a existência de espaços próprios para essas atividades de abuso e exploração.
O Cais do Valongo foi “redescoberto”, e as aspas servem para ressaltar que, na verdade, sempre se soube – durante as obras de revitalização da zona portuária da cidade do Rio de Janeiro, em 2011 – que, naquela região, existia um mercado de escravos. No século XX, o antigo cais havia sido soterrado nas reformas urbanas conduzidas por Pereira Passos e Rodrigues Alves.
Os vestígios do local, que havia sido construído em pedras, são patrimônio material que atestam a história da escravidão no mundo. Atualmente, é um lugar de memória que busca recuperar a história do tráfico de escravos no Atlântico e trazer à luz debates sobre a herança africana. Não à toa, a redescoberta do lugar ativou uma série de estudos acadêmicos, bem como a formação de coletivos sociais que empreendem práticas culturais de valorização das raízes africanas e das resistências negras no Rio de Janeiro.
Sítio Arqueológico Cais do Valongo – Rio de Janeiro (RJ).
Imagem reproduzida pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN).
Segundo Manolo Florentino, em 1789, 170 mil pessoas moravam no Rio de Janeiro, a metade era escravizada. Entre 1790 e 1830, o porto carioca, mais especificamente a região do Cais do Valongo, recebeu quase 700.000 africanos, uma média de mais de 17.000 homens e mulheres todos os anos (FLORENTINO, s/d).
Até o ano de 1810, desembarcaram no Rio de Janeiro quase a metade de todos os africanos que aportaram no Brasil. A partir dessa data, o número cresce espantosamente, variando, de acordo com Florentino, entre 70% e 90% de todos os desembarques que aconteciam na colônia. Esses números crescem até 1831, quando foi promulgada a Lei Feijó, proibindo o tráfico transatlântico de africanos destinados à escravização no Brasil. Essas estatísticas fizeram do Rio de Janeiro o maior centro de comercialização de escravos do mundo.
A intensificação das atividades comerciais e o fluxo de escravos que desembarcavam na região portuária nos mostram, segundo Fridman e Ferreira, uma tendência à especialização dos portos: “o desembarque de passageiros e mercadorias nobres se concentrava nos atracadouros entre os morros do Castelo e de São Bento, ficando os ancoradouros do Valongo, Saúde e Gamboa recebendo os produtos trazidos pelas naus de maior porte ou aquelas do recôncavo” (1997, p. 5).
O crescimento dessas atividades também está relacionado com a modificação da estrutura administrativa no Brasil Colônia, que elevou o Rio de Janeiro à condição de Capital, com a chegada da Família Real portuguesa, em 1808. Tudo isso também se somava a uma nova atividade econômica em expansão naquele momento: a produção cafeeira.
Deroy, Laurent.
Desembarque no Rio de Janeiro. In. Rugendas, Johann Moritz, 1802-1858.
Viagem pitoresca através do Brasil. p. [gravura 81].
O fato de o Rio de Janeiro manter-se um distribuidor de escravos e de produtos manufaturados beneficiou a expansão de uma urbe diretamente relacionada ao porto (FRIDMAN, FERREIRA, 1997, p. 6). Isso fez com que o porto se industrializasse e concentrasse suas atividades para atender às demandas de transporte da produção de café de outros estados, como São Paulo, Bahia, Espírito Santo e Zona da Mata de Minas Gerais.
Os autores destacam que o aumento da produção de café dinamizou o litoral, permitindo a instalação de estaleiros, fundições, oficinas de trabalho em metal e confecção de peças para embarcações, além de marcenarias e serrarias (idem, ibidem). Esse cenário evidencia a existência de uma indústria ainda incipiente.
O aumento e a diversificação das atividades portuárias e comerciais demandou a especialização e regulação da zona portuária. Em 1831, um regulamento delimitou a existência de apenas três ancoradouros no litoral, determinando que Villegagnon (na Ilha do Governador), Boa Viagem e Gragoatá fossem destinados a atividades para a melhoria das embarcações (FRIDMAN, FERREIRA, 1997, p. 6).
Já os ancoradouros da Ilha das Cobras e das Enxadas serviriam para a descarga de mercadoria e, para embarcações à espera de cargas, seriam destinados os cais entre o Trapiche do Sal e do Valongo. Cabe destacar que o Cais do Valongo perdeu sua função de mercado de escravos depois da já citada lei de 1831.
A decisão separou, ainda, os locais de transporte de cargas dos de transporte de passageiros. As pessoas que chegassem à cidade em navios ancorados na Ilha de Villegagnon deveriam ser transportadas em botes para o Cais dos Mineiros ou o Cais Pharoux (FRIDMAN, FERREIRA, 1997, p. 7).
A especialização portuária da cidade do Rio de Janeiro foi acompanhada, ainda, de um franco desenvolvimento econômico entre os países europeus, à época em plena evolução do processo produtivo originado pela Revolução Industrial. Além disso, o fim do exclusivo comercial e a abertura dos portos às nações amigas dinamizou o potencial econômico do Brasil, ampliando as trocas comerciais.
Todos esses fatores resultaram em um terreno fértil para o desenvolvimento dos transportes no Rio de Janeiro. O ciclo do café, o advento de embarcações a vapor e a construção das primeiras ferrovias e rodovias pavimentadas conectaram distintos modais e impulsionaram a configuração de uma extensa rede de trocas comerciais e deslocamento humano.
Porto do Rio de Janeiro desde a Praça Mauá até próximo ao Canal do Mangue, s/d. Kfuri, Jorge, 1893-1965.
Instituição de origem: Acervo Arquivístico da Marinha do Brasil.
Reproduzido por Brasiliana Fotográfica.
Na década de 1870, com a construção da Doca da Alfândega, surgiram os primeiros projetos para o desenvolvimento do Porto do Rio de Janeiro, que, então, funcionava em instalações dispersas, compreendendo os trapiches da Estrada de Ferro Central do Brasil, da Ilha dos Ferreiros, da Enseada de São Cristóvão, da Praça Mauá, além dos cais Dom Pedro II, da Saúde, do Moinho Inglês e da Gamboa.
Em 1890, os Decretos nº 849 e nº 3.295 permitiram, respectivamente, às empresas Industrial de Melhoramentos do Brasil e The Rio de Janeiro Harbour and Docks, a construção de um conjunto de cais acostáveis, armazéns e alpendres. O primeiro conjunto estaria localizado entre a Ilha das Cobras e o Arsenal de Marinha; o segundo, desde o Arsenal de Marinha até a Ponta do Caju.
Em 1903, o governo federal contratou a C.H. Walker & Co. Ltd. para a realização de obras e melhorias, que consistiam na construção, principalmente, de 3.500 m de cais, seguida da implementação do Cais da Gamboa e da construção de sete armazéns (ANTAQ).
O Porto do Rio de Janeiro foi inaugurado, oficialmente, em 20 de julho de 1910, passando a ser administrado por Demart & Cia. De 1911 a 1922, sua administração coube à Compagnie du Port de Rio de Janeiro; de 1923 a 1933, coube à Companhia Brasileira de Exploração de Portos.
A Lei nº 190, de 16 de janeiro de 1936, estabeleceu as bases para exploração e melhoramentos do porto, que ficaram a cargo de uma autarquia federal, denominada Administração do Porto do Rio de Janeiro e subordinada ao Ministério da Viação e Obras Públicas. Em 9 de julho de 1973, o Decreto nº 72.439 aprovou a constituição da Companhia Docas da Guanabara (posteriormente, Companhia Docas do Rio de Janeiro) – vinculada ao Ministério dos Transportes –, que passou a administrar o porto e suas estruturas.
A história do Porto do Rio de Janeiro revela-nos as transformações de um espaço que guarda vestígios importantes do nosso passado. Os antigos cais e trapiches dessa zona litorânea, chamada de porto antes mesmo de ter uma estrutura portuária, foram palco de dinâmicas comerciais e sociais que conectaram o Rio de Janeiro ao mundo atlântico, trazendo até nós antepassados de várias partes do mundo.
Referências bibliográficas:
ANTAQ. Porto do Rio de Janeiro.
ALENCASTRO, Luiz Felipe de. Os Luso-Brasileiros em Angola: Constituição do Espaço Econômico Brasileiro no Atlântico-Sul. 1500-1700. Campinas: Tese de Livre Docência apresentada ao Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas, agosto de 1994.
BICALHO, Maria Fernanda Baptista. A Cidade do Rio de Janeiro e a Articulação da Região em torno do Atlântico-Sul: Séculos XVII e XVIII. Revista de História Regional, v. 3, n. 2, 2007.
CALDAS, Sérgio Túlio. Portos do Brasil. Horizonte, 2008.
DE ARAÚJO ANDRADE, Vanessa; DE FREITAS, Jéssica; DA SILVA, Gonzaga. Cais do Valongo: memória escravista e herança cultural. História em Revista, v. 25, n. 1, 2019.
FERNANDES, Valter Lenine. “O porto e a alfândega no Rio de Janeiro setecentista”. In. MICHELI, Marco Volpini & DIAS, Thiago (org). Portos coloniais: estudos da história portuária, comunidades marítimas e praças mercantis, séculos XVI-XIX. São Paulo: Ed. Alameda, 2020.
FLORENTINO, Manolo Garcia. “Novas Notas sobre o mercado de escravos para o Brasil – séculos XVIII e XIX”. Associação Brasileira de Pesquisadoras em História Econômica. s/d. Disponível em: http://www.abphe.org.br/arquivos/manolo-garcia-florentino.pdf
FRIDMAN, Fania; FERREIRA, Mario Sergio Natal. Os portos do Rio de Janeiro Colonial. Encuentro De Geógrafos De América Latina, v. 6, 1997.