Ano: 1695
A descoberta das minas e do ouro
A descoberta do ouro e de pedras preciosas, como diamantes, na região do atual estado de Minas Gerais, consolidou um sonho antigo dos colonizadores que habitavam as terras brasileiras. Movidos pelo imaginário sobre um reino repleto de riquezas, o cobiçado “Eldorado”, diversos homens se lançaram na busca pelas jazidas de ouro e pedras preciosas.
Esse período, conhecido pela narrativa histórica mais tradicional como “ciclo do ouro”, marcou um novo momento econômico e social, e remodelou a configuração geográfica do território, expandindo e conectando regiões. Fez desenvolver vilas, que se tornaram cidades, e transformou profundamente a lógica administrativa da colônia. Além disso, durante os anos em que a extração do ouro e de diamantes foi intensa, fez-se necessária uma série de medidas para evitar o roubo e o contrabando, garantindo o recolhimento dos impostos por parte da Coroa.
Com o crescimento populacional nas regiões onde se concentrava o ouro de aluvião, a necessidade por gêneros alimentícios e itens de sobrevivência estimulou o comércio e o tropeirismo (Ver marco “Tropas e tropeiros”). Em consequência, surgiu uma série de novos caminhos que facilitaram o transporte de mercadorias para zonas do “sertão” do território, antes desabitadas. Mas o processo até o estabelecimento de novas rotas e de medidas para o abastecimento dessas regiões ficou marcado por crises de fome que assolaram famílias inteiras.
A vivência em sociedade foi permeada por novos hábitos, pelo trânsito de homens ligados à administração da metrópole, pelos fluxos migratórios e pela miscigenação. Com a descoberta, nascia uma nova cultura vinculada à era do ouro, incluindo não apenas sonhos de riqueza, mas desigualdade e conflitos entre os vários grupos sociais.
A primeira expedição oficial para verificar a existência de riquezas minerais no Brasil aconteceu no século XVI, motivada pela descoberta das minas de Potosí, ocorrida em 1545, no centro sul dos Andes. Ela foi comandada pelo primeiro governador-geral, Tomé de Souza, em 1549, e tinha por missão limitar o poder excessivo dos donatários, promover a ocupação da colônia e a sua proteção, centralizando qualquer mina que pudesse esconder o tão esperado ouro (CARVALHO, 2012, p. 87).
Além de Tomé, outros colonizadores, como os donatários Martim Afonso e Pero Lopes de Souza – que ganharam as terras que iam desde os limites do atual estado do Rio de Janeiro até o estado do Paraná, e fundaram as vilas de São Vicente e de Piratininga –, realizaram expedições para encontrar ouro na região (MESGRAVIS, 2019, p. 23).
Em 1532, Martim Afonso ordenou uma expedição de quatro homens, a partir de São Vicente, e outra, posteriormente, de 80 homens, em direção ao Peru, onde o povo inca já havia sido descoberto por Francisco Pizarro (MESGRAVIS, 2019, p. 23). Conforme relatado pela historiadora Laima Mesgravis, nenhum desses homens retornou de sua viagem.
Estimulados por pequenas descobertas de pedras cujos tipos ignoravam – até então, não sabiam se eram esmeraldas, diamantes, turmalinas ou cristais –, os donatários nunca deixaram de nutrir esperanças de encontrar, em terras brasileiras, os metais que enriqueciam os espanhóis na região andina.
A descoberta do ouro na região das “Gerais” aconteceu somente em fins do século XVII, e são várias as versões que buscam historicizar esse momento, bem como atribuir o feito aos seus protagonistas. Segundo Boris Fausto, a tradição historiográfica associa o descobrimento das minas de ouro ao bandeirante Borba Gato, fato que foi registrado em 1695, no Rio das Velhas, próximo às atuais cidades de Sabará e Caeté (FAUSTO, 2013, p. 98).
Borba Gato era genro de Fernão Dias Pais Leme, a quem o rei de Portugal havia solicitado que organizasse uma expedição para procurar ouro e pedras preciosas em troca de privilégios econômicos e políticos (MESGRAVIS, 2019, p. 80).
Fernão Dias saiu de Taubaté em 1674 e passou por Guaratinguetá. Sua bandeira atravessou o Embaú e transpôs os Rios Passa Quatro e Capivari, estabelecendo-se no local que, posteriormente, seria denominado Baependi, em Minas Gerais (CARVALHO, 2012, p. 93). Desse ponto, seguiu a marcha um ano depois, atravessando a Serra da Borda e o Rio Paraopeba, onde fundou o arraial de Santa Ana, tendo, em seguida, rumado para o vale do Rio das Velhas e fincado pouso no arraial de São João do Sumidouro (idem, ibidem).
Fernão Dias faleceu em 1681, justamente às margens do Rio Sumidouro, após descobrir algumas pedras preciosas verdes que ele imaginou serem esmeraldas – soube-se, mais tarde, que eram apenas turmalinas. Seguindo os passos do sogro, a quem é atribuída a exploração de extensa área do interior de Minas, Borba Gato continuou a procura pelo ouro. Comunicou oficialmente a descoberta do ouro ao rei, que o transformou em “guarda-mor das minas”, título que lhe conferia o poder de administrar a mineração em Minas Gerais, além de ser o encarregado por distribuir as datas (lotes de terra menores que as sesmarias) para outros colonos (MESGRAVIS, 2019, p. 81).
Borba Gato ainda utilizou a descoberta para conquistar o perdão régio, depois de ter fugido à justiça da Coroa por sua responsabilidade no assassinato do fidalgo Rodrigo de Castelo Branco. O emissário real havia abordado Borba Gato após a morte de Fernão Dias, em 1681, e solicitado a entrega das pedras preciosas encontradas pelo falecido bandeirante. Em disputa, acabou morto por Borba Gato, que posteriormente barganhou sua liberdade em troca da informação sobre o local onde havia encontrado o ouro.
Outra narrativa atribui a Antônio Rodrigues Arzão, um paulista, a descoberta do ouro em 1693. No comando de uma expedição de 50 homens, seguiu os caminhos abertos por Fernão Dias e teria descoberto a primeira jazida de ouro nos sertões das Minas Gerais (CARVALHO, 2012, p. 94). Morreu logo depois e deixou em mãos do concunhado, Bartolomeu Bueno de Siqueira, também paulista, os dados necessários para as futuras expedições. Em 1694, Bartolomeu “descobriu nos arredores de Itaverava e nas margens do Rio das Velhas, jazidas cujas amostras foram levadas ao Rio de Janeiro para apreciação do Governador que tinha jurisdição sobre todas as descobertas” (Idem, ibidem).
Ao que tudo indica, parece não ter havido apenas uma descoberta das jazidas de ouro, mas várias delas, concomitantemente. Enquanto Borba Gato teria sido responsável por encontrar ouro na região de Sabará, estimulando ainda mais o imaginário sobre a mítica serra de Sabarabuçu, Antônio Dias de Oliveira, um bandeirante nascido em Taubaté, chegou aos pés do Pico de Itacolomi, uma região com rara formação geológica, que guardava lavras mais abundantes de ouro. Ali nasceu a cidade de Vila Rica, chamada atualmente de Ouro Preto, cujo nome se deve ao tipo de ouro, aparentemente sem brilho, que Antônio Dias havia encontrado (CARVALHO, 2012, p. 96).
Johann Moritz Rugendas. Lavage du Mineral d’Or – près de la Montagne Itacolumi. 1820-1825.
Pintura da mineração de ouro por lavagem perto do Morro de Itacolomi. Domínio Público.
A descoberta das jazidas de ouro e pedras preciosas em Minas Gerais foi uma notícia que rapidamente se espalhou pela colônia e pelo Império português. A materialização da “terra prometida”, do “Eldorado” tão almejado pelos colonizadores e fantasiado pelos cronistas europeus, suscitou sonhos de riqueza e provocou imediatamente um “surto migratório” para a região Sudeste do território descoberto.
Da Europa, chegaram muitos forasteiros e descendentes de bandeirantes. Internamente, a migração ocasionou abandono dos antigos núcleos coloniais. Boris Fausto revela que, nos primeiros 60 anos do século XVIII, chegaram de Portugal e das Ilhas do Atlântico aproximadamente 600 mil pessoas, uma média anual de 8 a 10 mil. Eram pessoas das mais variadas condições, “desde pequenos proprietários, padres, comerciantes, até prostitutas e aventureiros” (FAUSTO, 2013, p. 98).
A descoberta do ouro e o consequente movimento migratório acarretaram, segundo Francisco de Assis Carvalho, uma rápida transformação dos principais eixos de circulação do Brasil, bem como um reordenamento completo do espaço brasileiro (2012). Se, antes, as províncias do Nordeste eram as mais habitadas, por sua economia baseada na cana de açúcar e por causa da fundação das primeiras cidades, foi nas minas gerais que colonizadores e colonizados encontraram a possibilidade de se regenerar economicamente.
Em uma carta endereçada ao governador da Bahia, Dom Álvaro da Silveira Albuquerque, então governador da Repartição Sul da Bahia, relata: “Em cada dia me acho mais só, assim de soldados como de moradores, porque o excesso com que fogem para as minas nos dá a entender que brevemente ficaremos sem ninguém. Também suponho que V. Sa assim o experimenta porque das minas me escreve o Cônego Gaspar Ribeiro que é tanto o excesso de gente que entra pelo sertão da Bahia que brevemente entende que se despovoará essa terra” (GOULART, 1961, p. 21).
A descoberta das minas foi um fator de importante renovação para a economia da metrópole. Segundo Boris Fausto, a dependência de Portugal em relação à Inglaterra tornou-se cada vez mais profunda, tanto que, na virada do século XVIII, se consumava com diversas concessões dadas aos produtos ingleses pelos lusitanos (2013). Um exemplo foi o Tratado de Methuen, de 1703, pelo qual Portugal permitiu a entrada de tecidos ingleses de lã e algodão em seu território, em troca da taxação mais barata de vinhos portugueses importados pelos ingleses em detrimentos de vinhos de outras regiões.
“O desiquilíbrio da balança comercial entre Portugal e Inglaterra foi, por muitos anos, compensado pelo ouro vindo do Brasil. Os metais preciosos realizaram assim um circuito triangular: uma parte ficou no Brasil, dando origem à relativa riqueza da região das minas; outra seguiu para Portugal, onde foi consumida no longo reinado de Dom João V (1706-1750), em especial nos gastos da Corte e em obras como o gigantesco Palácio-Convento de Mafra; a terceira parte, finalmente, de forma direta, via contrabando, ou indireta, foi parar em mãos britânicas, acelerando a acumulação de capitais na Inglaterra” (FAUSTO, 2013, p. 99).
Apesar de toda a importância do novo “ciclo” econômico, Fausto defende que é exagero atribuir à descoberta das minas a extinção da economia açucareira do Nordeste. Para o historiador, o declínio dos engenhos começou 20 anos antes da descoberta das minas e, mesmo com a exploração dos metais e pedras preciosas, a economia açucareira sobreviveu (FAUSTO, 2013, p. 99). Fato é, porém, que a metrópole voltou seus olhos para uma nova região, promissora economicamente, que atraiu a população da colônia, gerando novos núcleos de povoamento e rotas de comércio.
Após a descoberta das minas, a Coroa portuguesa instituiu uma série de medidas administrativas para controlar a doação de terras aos exploradores, a extração e o transporte dos minérios, bem como o recolhimento de impostos.
Caio Prado Jr. argumenta que, ao contrário de outras atividades econômicas até então desempenhadas na colônia, a mineração foi submetida, desde o princípio, a uma rigorosa e minuciosa disciplina administrativa (PRADO JÚNIOR, 1961, p. 169). A primeira legislação sobre o assunto consta na Carta Régia de 1603, estabelecendo a livre exploração desde que se reservando o quinto de todo o ouro extraído para a Coroa.
Em fins do século XVII, com a descoberta de jazidas significantes de ouro, a legislação é substituída pelo “Regimento dos superintendentes, guardas-mores e oficiais deputados para as minas de ouro”, de 1702, regramento que duraria até o Império (PRADO JÚNIOR, 1961, p. 169).
O controle das regiões das minas começava com a descoberta das jazidas, que obrigatoriamente deveria ser comunicada às autoridades da Coroa. Depois, era feita a marcação das terras e distribuídas as “datas”. O tamanho das concessões também era proporcional ao número de escravos que cada contemplado possuía, visto que essa mão de obra determinava a capacidade de extração dos beneficiados. A exploração deveria começar num prazo máximo de 40 dias, sob pena de devolução aplicada àqueles que não extraíssem ouro das terras demarcadas (PRADO JÚNIOR, 1961, p. 170).
Escravos britadores de pedra para a extração de diamantes. Iconográfico. 17.
Acervo Digital da Biblioteca Nacional.
A criação da Intendência das Minas, a qual também estava subordinada à Casa de Fundição, tornou possível a execução de toda essa lógica administrativa. “Em cada capitania em que houvesse extração de ouro, organizou-se uma Intendência que nas suas atribuições independia completamente das demais autoridades coloniais: só prestava contas e obediência ao governo da metrópole” (Idem, ibidem).
Além do quinto, poderia ser cobrado um outro tipo de tributo: a capitação. Mais abrangente, a cobrança desse imposto era por escravo, produtivo ou não, de sexo masculino ou feminino, maior de 12 anos (FAUSTO, 2013, p. 100). Mesmo os mineradores que não possuíam escravos, os chamados “faiscadores”, deveriam pagar a capitação que era cobrada sobre as “próprias” cabeças.
A especialização da lógica administrativa e tributária em tempos de extração do ouro mostrou que à Coroa interessava manter o controle sobre os rendimentos daquele novo tipo de atividade econômica. Por isso, uma das principais preocupações da metrópole foi controlar os caminhos pelos quais o ouro era transportado entre as províncias de Minas Gerais, Bahia, São Paulo e Rio de Janeiro.
As primeiras iniciativas em constituir caminhos oficiais aconteceram ainda em fins do século XVII. João Alípio Goulart recupera um importante documento datado de 1689 no qual o governador do Rio de Janeiro, Artur de Sá Menezes, toma providências para facilitar o acesso às minas desde o Rio de Janeiro (GOULART, 1961, p. 22).
Já em 1703, o próprio rei determinou a colocação de barcos nas passagens dos rios que cortavam os caminhos para as lavras. Estabeleceu também pontos de comércio de suprimentos para que os viajantes encontrassem os produtos mínimos para a sobrevivência (Idem, ibidem).
Para além de empreendimentos localizados, a Coroa preocupou-se em oficializar as rotas interprovinciais pelas quais o ouro era transportado. Esses caminhos aproveitavam antigas trilhas e picadas abertas antes mesmo da descoberta das minas, e em decorrência da presença e deslocamentos de indígenas, colonizadores, bandeirantes e tropeiros, entre outros.
Os vários caminhos abertos nessa região conformaram posteriormente o que ficou conhecido como “Estrada Real”, um trajeto composto de outras quatro rotas que foram sendo desenhadas paulatinamente.
Eram elas o Caminho Velho, também chamado de Caminho do Ouro, que compreende o primeiro trajeto determinado pela Coroa portuguesa, conectando Ouro Preto a Paraty; o Caminho Novo, criado para servir como um trajeto mais seguro ao Porto do Rio de Janeiro, principalmente porque as cargas estavam sujeitas a ataques piratas na rota marítima entre Paraty e Rio; o Caminho dos Diamantes, que conectava a sede da Capitania, Ouro Preto, à principal cidade de exploração de diamantes, Diamantina, e o Caminho Sabarabuçu, que faz referência às regiões de Sabará e Caeté, onde as jazidas foram encontradas por Borba Gato.
A intenção da colônia com a oficialização de caminhos era evitar o roubo e o contrabando do ouro. Para garantir o recolhimento de tributos sobre o metal extraído, foram estabelecidas vilas e divisões administrativas. Depois, foram instalados os chamados “registros”, pontos de parada obrigatória nas fronteiras entre as províncias para controle de carga e pagamento de impostos.
Extração de diamante [Iconográfico]. 17.
Acervo Digital da Biblioteca Nacional.
Apesar dos esforços da Coroa para garantir o fluxo controlado dos metais e o sucesso de sua política fiscal, os mineradores criaram uma série de caminhos alternativos – também conhecidos como “descaminhos” – para burlar as taxações da metrópole. Por isso, o mapa das rotas e caminhos dentro das minas gerais e entre uma província e outra guarda uma riqueza histórica imensurável de narrativas, biografias e memórias de antepassados que buscavam enriquecer com a mineração.
Dentre os caminhos que compunham essa grande rede de deslocamentos dos mineradores, um parece ter sido o “primórdio” desse sistema de transporte e deslocamento de cargas pelas províncias centrais do território brasileiro, conforme relata a historiadora Heloisa Starling:
“O caminho da Bahia, o caminho dos rios das Velhas e São Francisco antecipou, ao que parece, a descoberta do ouro nas Minas, embora sua consolidação tenha ocorrido principalmente como resultado dessa descoberta. Conhecido como “Caminho dos Currais do São Francisco”, ligava as fazendas de gado que beiravam o vale do rio das Velhas e o rio São Francisco ao porto de Salvador, garantindo ao viajante um percurso mais longo e mais confortável para a região das Minas, já que se tratava de rota de gado: estrada mais aberta e larga, terreno plano adequado para o deslocamento dos cavalos de montaria e das tropas de burros de carga, alimentação fácil principalmente no que se refere à caça de veados, perdizes, jacus, jacutingas, pacas, capivaras gordas – as magras provocavam diarreia –, peixes, frutas e, é claro, leite” (STARLING, 2003, p. 28).
Segundo Starling, por esse caminho passaram as primeiras tropas de animais equinos e híbridos, além de cabeças de gado provenientes da Bahia (Idem, p. 29). Por ele, também cruzavam as trilhas clandestinas de contrabando do ouro, de homens que deixavam Minas Gerais em direção à Bahia e a Salvador, capital da colônia até 1763. Esse caminho foi proibido em princípios do século XVIII, tendo sido apenas permitido o comércio de gado, atividade que também seria aos poucos substituída pelo grande fluxo de tropas que, a partir de 1730, chegariam a São Paulo, desde a região sul, pelo Caminho das Tropas.
Com a abertura de novas rotas que otimizaram o deslocamento entre Minas Gerais e Rio de Janeiro, a Coroa pôde controlar com mais rigor o fluxo de ouro extraído e enviado para Portugal. Além disso, os novos caminhos abertos em decorrência do aumento do povoamento na região das minas permitiram o passo das tropas que foram responsáveis por abastecer os “sertões” de regiões antes desconectadas do litoral. Ver marco “Tropas e tropeiros”.
O ciclo do ouro nem sempre representou abundância para as famílias que aqui habitavam. Conforme Adriana Romeiro, eram abundantes os relatos que, em fins do século XVII, evidenciavam a miséria e a fome, principalmente em dois momentos, entre 1698-1699 e 1700-1701 (ROMEIRO, 2008).
Para encontrar comida num momento em que não havia uma “logística” adequada para garantir o abastecimento dessas regiões, os sertanistas embrenhavam-se pelas matas, caçavam e até mesmo abandonavam suas casas e roças em busca de vilas que pudessem ter algum tipo de mantimento.
“Diante da fome aguda, muitos se retiraram para os matos, em busca de algum alimento. Os arraiais e datas minerais se despovoaram por completo, jazendo abandonados à cobiça de novos aventureiros. Lançando-se aos matos e campos gerais, à procura de “lugares mais desertos, menos combatidos e mais férteis de víveres silvestres”, esses refugiados ficavam à espera dos mantimentos plantados na estação anterior, contando que as roças pudessem fornecer algum remédio para a penúria. Em pouco tempo, porém, os víveres silvestres se esgotaram, e nada havia para caçar ou coletar (ROMEIRO, 2008, p. 173).
Esse momento de crise no abastecimento foi sendo paulatinamente resolvido com a abertura de novos caminhos e pela atividade comercial desempenhada por tropeiros naquela região. A mineração foi definitivamente capaz de conectar antigas regiões afastadas da colônia e fez surgir uma série de outras atividades econômicas que se correlacionavam, mantendo um relativo equilíbrio entre extração e subsistência no auge da mineração.
Villa Ricca [Iconográfico]. 1830.
Acervo Digital da Biblioteca Nacional.
A mudança profunda de eixo econômico e a migração para a região das minas causaram profundos impactos na organização social da colônia. Esse momento também foi marcado por disputas pelo direito de explorar regiões que acreditavam ser ricas em ouro.
Um exemplo é a Guerra dos Emboabas (1708-1709), conflito que opôs os paulistas – cuja exigência era de que apenas aos moradores da Vila de São Paulo, aos quais se atribuía a descoberta do ouro, fossem dadas as concessões de exploração do metal – a baianos e estrangeiros (FAUSTO, 2013, p. 100), que, por sua vez, exigiam o direito de explorar as zonas auríferas.
Sem sucesso, os paulistas não conseguiram impedir que pessoas de outras províncias e de Portugal participassem da “corrida pelo ouro”. “Conseguiram, porém, que se criasse a Capitania de São Paulo e Minas do Ouro, separada do Rio de Janeiro (1709), e a elevação da Vila de São Paulo à categoria de cidade (1711). Em 1720, Minas Gerais se tornaria uma capitania separada” (Idem, ibidem).
Além dos esforços para reprimir os conflitos entre homens que buscavam freneticamente o enriquecimento, a Coroa buscou alternativas para conter a evasão da população de Portugal. Buscavam impedir o desequilibro entre a região das minas e outras partes do país.
Uma das preocupações, por exemplo, era o fluxo de mão de obra escrava para as regiões auríferas, o que poderia causar um desabastecimento nas regiões do Nordeste. Buscando solucionar esse problema, foram estabelecidas cotas e o controle do tráfico interno de escravos, principalmente entre Bahia e Minas Gerais.
Além disso, a Coroa elevou acampamentos de várias regiões em Minas Gerais, como Ribeirão do Carmo, Ouro Preto e Sabará, à condição de Vila, estabelecendo núcleos administrativos e pontos de parada e abastecimento para os mineiros (FAUSTO, 2013, p. 101). A maioria dessas inciativas, porém, esbarrava na prática da corrupção por parte das autoridades locais, em conflitos e nas grandes distâncias geográficas da colônia, que impediam o pleno funcionamento das estratégias de controle.
Apesar das dificuldades, é fato que a descoberta do ouro nas minas reconfigurou por completo a sociedade brasileira. Para aquela região, além de homens de posses, burocratas, fazendeiros, militares, padres, que em geral também exerciam cargos de gestão vinculados à Coroa, imigraram homens pobres, escravos africanos e indígenas, forçados a trabalhar nas minas, mestiços e toda sorte de estrangeiros.
A base da sociedade e do trabalho nas minas era representada pelos escravos. As péssimas condições de trabalho, o cativeiro e o açoite marcaram uma atividade econômica cuja riqueza foi promovida às custas da violência e da submissão dos povos.
Segundo Boris Fausto, quando o ouro do leito dos rios secou, era preciso buscar metais nas galerias subterrâneas. E para esse trabalho insalubre e hostil estavam os escravos, cuja “importação” cresceu ao longo dos anos que marcam a economia mineira, em detrimento da crise do açúcar. “Doenças como a desinteria, a malária, as infecções pulmonares e as mortes por acidente foram comuns. Há estimativas de que a vida útil de um escravo minerador não passava de sete a doze anos” (FAUSTO, 2013, p. 101).
Um ponto de inflexão sobre a história da escravatura no Brasil ligada à mineração foi o grande número de alforrias daquele contexto. De acordo com os dados entre 1735-1749, os libertos representavam menos de 1,4% da população de descendência africana. Em torno de 1786, esse número passou a ser 41,4%, o que chegou a representar 34% do número total de habitantes da capitania.
Para Boris Fausto, porém, o que explica esse fenômeno é a progressiva decadência da mineração, que provavelmente tornou desnecessária ou impossível, para muitos proprietários, manter a posse dos escravos (FAUSTO, 2013, p. 102).
Sobre a crise da mineração, Caio Prado Jr. aponta que as causas do processo aliam fenômenos naturais com aspectos econômicos e sociais. Dentre elas, está o fato de que o ouro de aluvião era um minério encontrado principalmente na superfície. Sendo assim, esgotadas essas reservas, eram poucas as técnicas e instrumentos capazes de encontrar metais mais profundos, a partir de escavação (PRADO JUNIOR, 1961, p. 165).
“A indústria mineradora”, diz ele, “nunca foi além, na verdade, desta aventura passageira que mal tocava um ponto para abandoná-lo logo em seguida e passar adiante. E é esta a causa principal por que, apesar da riqueza relativamente avultada que produziu, drenada aliás toda para fora do país, deixou tão poucos vestígios, a não ser a prodigiosa destruição de recursos naturais que semeou pelos distritos mineradores” (Idem, p. 166).
Mesmo com a magnitude de igrejas e de construções, de uma vida social constituída ao redor do ouro, a história das populações na região das minas gerais não foi de luxo e riqueza. O garimpo, as condições de vida e trabalho, a escravidão e a falta de suprimentos eram o retrato de uma sociedade pobre. O que restou do ouro que não foi enviado para a metrópole e para a Inglaterra ficou restrito a poucas famílias e entranhado nas construções e nas obras de artes das atuais cidades históricas. A grande maioria dos moradores da região, porém, não conseguiu juntar reservas significativas a ponto de enriquecer com a mineração.
Assim, apesar de complexa e variada, a sociedade mineira revelava as consequências de desigualdade e da exploração do trabalho existentes no antigo sistema colonial. Depois da euforia da extração dos primeiros lotes de ouro de aluvião, o metal subterrâneo deixou de ser tão atraente, fazendo com que a sociedade mineira entrasse em um período de declínio a partir da segunda metade do século XVIII.
Por sorte, Minas Gerais nunca se restringiu ao ouro e conseguiu, ao longo das décadas seguintes, fomentar uma economia que se baseou na pecuária e na produção agrícola. Hoje, a região guarda uma história marcada por uma época em que a descoberta das minas estimulou homens e mulheres a se lançarem na corrida pelo “Eldorado” brasileiro. As construções, as cidades históricas, os caminhos e os descaminhos do ouro são os guardiões dessa história de exploração, riqueza e conflitos do passado colonial brasileiro.
Referências Bibliográficas:
BOXER, Charles Ralph. O império colonial português: 1415-1825. Edições 70, 1981.
CARVALHO, Francisco de Assis. Entre a palavra e o chão: memória toponímica da Estrada Real. 2012. Tese de Doutorado. Universidade de São Paulo.
FAUSTO, Boris. História do Brasil. São Paulo: Edusp, 2013.
GOULART, José Alípio. Tropas e tropeiros na formação do Brasil. Conquista, 1961.
HOLANDA, Sergio Buarque de. Visão do paraíso: os motivos edênicos no descobrimento e colonização do Brasil. Brasiliana, 1969.
MESGRAVIS, Laima. História do Brasil Colônia. São Paulo: Contexto, 2019.
PRADO JÚNIOR, Caio. Formação do Brasil Contemporâneo. São Paulo: Ed. Brasiliense, 1961. 6 ed.
ROMEIRO, Adriana. Os sertões da fome: a história trágica das minas de ouro em fins do século XVII. Saeculum-Revista de História, n. 19, p. 165-181, 2008.
SCARATO, Luciane Cristina. Caminhos e descaminhos do ouro nas Minas Gerais: administração, territorialidade e cotidiano. 2009. 303 p. Dissertação e (mestrado) – Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Campinas, SP.
STARLING, Heloisa Maria Murgel. A estrada de Minas. Margens/Márgenes: Revista de Cultura, n. 5, p. 24-35, 2004.