Ano: 1720 – 1808
Vice-Reinado
O Vice-Reinado do Brasil foi um modelo de organização e administração implantado na colônia pela Coroa portuguesa. Eram concedidos títulos de vice-rei a homens nobres de origem portuguesa e de confiança da metrópole.
Apesar de esse período ser mais conhecido a partir de 1763, com a transferência da capital da colônia de Salvador para o Rio de Janeiro, existe uma corrente historiográfica que defende que o Vice-Reinado começou em 1720.
Segundo Ronaldo Vainfas, a partir de 1720 os governadores-gerais passaram a ser nomeados de forma sistemática com o título de vice-reis (2000, p. 583), prática que durou até 1808, com a chegada da família real portuguesa ao Brasil. Antes de 1720, porém, três governadores tinham recebido essa titulação.
“O primeiro deles foi Jorge de Mascarenhas, marquês de Montalvão (1640-41), nomeado com o título de vice-rei e capitão-general, com o objetivo de expulsar os holandeses de Pernambuco; e depois, Vasco de Mascarenhas, primeiro conde de Óbidos (1663-67), e Pedro de Noronha, marquês de Angeja (1714-18)” (idem, ibidem).
Vasco de Mascarenhas, 1º Conde de Óbidos.
Autor e data desconhecidos.
O quarto vice-rei do Brasil foi Vasco Fernandes César de Meneses, o conde de Sabugosa (1720-35). Ao todo, o Brasil teve 15 vice-reis, sendo o último deles Marcos de Noronha e Brito, oitavo conde dos Arcos, que exerceu o cargo entre 1806 e 1808 (VAINFAS, 2000, p. 583).
A concessão dos títulos de vice-rei a administradores na colônia representava um respaldo institucional da Coroa a uma política de extensão de seu sistema administrativo. Para alguns historiadores, como João Libânio Guedes, citado por Vainfas, aquela concessão teria sido um desdobramento da política absolutista de D. João V. “Nada mais sintomático do espírito inaugurado no início do século XVIII do que a instituição de nomenclatura que integrasse o Brasil ao conjunto imperial português” (VAINFAS, 2000, p. 593).
Apesar da nomenclatura, os vice-reis brasileiros não tinham vantagens específicas em relação à metrópole e, na prática, o sistema administrativo não fora profundamente alterado. Durante os setecentos, os vice-reis seguiram as mesmas normas estabelecidas para os governadores-gerais.
Retrato de D. Vasco Fernandes Cesar de Meneses, 1º Conde de Sabugosa (1673-1741) – ciclo de Pompeo Batoni.
Em contrapartida, o cargo de vice-rei passou a englobar funções mais amplas, uma vez que eram objetivos da Coroa consolidar sua soberania nas áreas conquistadas, proceder à organização fiscal e colocar em prática políticas de urbanização e abastecimento nas regiões interioranas da colônia.
A concessão de títulos de vice-rei se deu proximamente à data da criação da Capitania de Minas Gerais e a expansão da mineração, o que significava uma tentativa de aumentar o prestígio da colônia, mesmo que simbolicamente, e garantir ainda mais os laços que mantinham o domínio de Portugal. Em função disso, a maioria das atribuições dos vice-reis estava vinculada com a necessidade de evitar o contrabando de ouro e manter a política fiscal da Coroa.
O Vice-Reinado do Brasil coincidiu com as tensões entre Portugal e Espanha nas fronteiras do Sul do Brasil, e um cenário de expansão para o sudeste, com destaque para o Rio de Janeiro, importante zona portuária de escoamento de ouro e comercialização de escravos.
Na nova capital e sede do governo metropolitano, a atuação do vice-rei tinha como finalidade fomentar os laços entre a população local, as câmaras e os comerciantes com a Coroa. Ele devia zelar contra os descaminhos do ouro – objetivo constantemente fracassado –, melhorar o desenho geográfico de capitanias que foram extintas, mediar e solucionar problemas no âmbito administrativo.
Durante os vice-reinados, a colônia vivenciou um processo de expansão do transporte terrestre, com a criação e abertura de vias, embora precárias e rudimentares, que ligavam o interior de províncias como Minas Gerais e São Paulo ao principal porto exportador, o do Rio de Janeiro.
Em grande parte, a expansão de vias era o reflexo de medidas administrativas para evitar os “descaminhos do ouro” e garantir o êxito da política fiscal da Coroa. Afora isso, as chamadas estradas reais e os caminhos oficiais controlados pela administração colonial serviam à superação da Serra do Mar e permitiam maior eficiência no transporte de insumos e gêneros para o abastecimento dos interiores das províncias.
O Vice-Reinado marca, ainda, o período da administração pombalina em Portugal, que afetou diretamente as colônias. Sebastião José de Carvalho e Melo, que recebeu o título de Marquês de Pombal em 1769, foi diplomata, representando Portugal na Inglaterra e na Corte austríaca, e secretário de Estado do Reino (1750-1777).
Pombal empreendeu uma série de reformas para tornar mais eficaz a administração portuguesa. Suas ações combinaram características modernas e absolutistas, numa espécie de mistura entre o novo e velho (FAUSTO, 2006).
Criou duas companhias do comércio: a do Grão-Pará e Maranhão (1755) e a Companhia Geral de Pernambuco e Paraíba (1759), com a intenção de desenvolver a Região Norte e manter viva a economia de capitanias consolidadas, como a de Pernambuco.
Do ponto de vista do transporte, a criação das companhias foi um passo importante, porque fomentou, ainda que de forma limitada, o fluxo comercial em praças e portos de regiões que se encontravam em declínio em meados do século XVIII.
Vale ressaltar que o Nordeste e a região conhecida como “províncias ao norte do Estado do Brasil”, conceito que abarcava o Estado do Grão-Pará e do Maranhão, foram afetados pelo desenvolvimento das atividades mineradoras, apresentando queda de produtividade agrícola e retração nas atividades comerciais nos portos de Belém, São Luís e Recife.
Boris Fausto acentua que a política pombalina “prejudicou setores comerciais do Brasil marginalizados pelas companhias privilegiadas, mas não teve por objetivo perseguir a elite colonial. Pelo contrário, colocou membros dessa elite nos órgãos administrativos e fiscais do governo, na magistratura e nas instituições militares” (2006, p. 110).
Em grande medida, o programa econômico de Pombal foi limitado e frustrado, porque encontrou muitos obstáculos em relação ao desenvolvimento das colônias, visto que boa parte da mentalidade dos administradores portugueses ainda não havia superado o absolutismo.
Contudo as transformações de Pombal e o sistema do Vice-Reinado no Brasil apontam um contexto de expansão do pensamento liberal, em fins do século XVIII. O movimento de homens e grupos liberais foi a base ideológica da Revolução Liberal do Porto e, em consequência, da Independência do Brasil, em 1822.
Os vice-reinos foram sublinhados, também, por momentos de rebeldia em quase toda a colônia. A crise do Antigo Regime e os processos de independência de outras colônias, como a experiência haitiana, de 1804, que combinou a abolição da escravatura e a independência da colônia, foram um divisor de águas desse momento. Os preceitos da Revolução Francesa e a expansão do pensamento liberal, que questionava a escravidão, formaram parte da base ideológica que marcou os movimentos e a experiência política e social brasileira durante as primeiras décadas do século XIX.
No Brasil, a cobrança de impostos sufocava produtores e a população, sobretudo das regiões que sofriam com o desprezo da administração portuguesa e amargavam a crise da produção agrícola.
Dentre as revoltas desse período, cabe destacar a Inconfidência Mineira, de 1789, a Conjuração dos Alfaiates, em 1789, e a Revolução de Pernambuco, de 1817.
Apesar da existência de vice-reis no Brasil e de essa nomenclatura constar em muitos documentos da época, Portugal nunca reconheceu formalmente a colônia como Vice-Reino. O Brasil era, à época, um principado, condição que foi atribuída em carta régia editada ainda em 1645. Por meio desse “título”, determinou-se que um herdeiro do trono português poderia ser “príncipe do Brasil” (VAINFAS, 2000, p. 584).
Referências Bibliográficas:
BELOTTO, Heloísa Liberalli. “Vice-Reinado”. In. SILVA, Maria Beatriz Nizza da (coord.). Dicionário da História da Colonização Portuguesa no Brasil. Lisboa: Editorial Verbo, 1994.
FAUSTO, Boris; FAUSTO, Sergio. História do Brasil. São Paulo: Edusp, 2006.
SILVA, Daniel Afonso da. O enigma da capital: a mudança do vice-reinado para o Rio de Janeiro em 1763. 2012. Tese de Doutorado. Universidade de São Paulo.
VAINFAS, Ronaldo. Dicionário do Brasil colonial, 1500-1808. Editora Objetiva, 2000.